24/01/2014

O que aprender com a máfia


Voltando a colocar minha cabeça na linha de tiro, como fiz ao escrever "O que aprender com o crime", porque o assunto infelizmente não se esgotou, volto a fazer comparações baseadas em minhas reflexões. Como lá, aqui alguns pontos em que as máfias do velho mundo deveriam ser imitadas pelo poder público:

01- Promessa é dívida. Se um mafioso prometer algo, ele moverá o mundo inteiro para cumprir essa promessa, e seus pares o pressionarão pelo resto da vida até que ela seja cumprida. Sem essa conversa de "não é bem assim" ou "as bases mostraram outra realidade". Sem essa de precatório para o sucessor do sucessor do sucessor do sucessor pagar, quando o cidadão pode já ter falecido. Ele vai fazer absolutamente tudo para honrar sua palavra, ou morrer tentando. Se prometeu te matar, desapareça.

02- Favor feito é favor pago. Ao contrário do Zezinho Passamão, que proibiu sua entrada na assembleia legislativa assim que tomou posse, um mafioso vai se lembrar pelo resto da vida por qualquer préstimo que lhe tenha sido feito. Dependendo do que tiver sido, pode se considerar parte da família, no dia em que precisares de retribuição, lá estará ele para retribuir. Ficas marcado como alguém que pode ser útil ou perigoso, mas quem disse que isso não acontece na política?

03- Ética se paga com sangue. Não há dois pesos e duas medidas, quem quebra o código de conduta é punido, em vez de visto como vítima por correligionários e militantes de massa de manobra. Os julgamentos são austeros e desprovidos de qualquer acessório, e mentir é o mesmo que cometer suicídio. Se for algo reparável, de pronto o membro é posto a reparar e o que foi feito fica registrado, mas fica no passado, apenas para que ele não volte a errar. Aliás, a ética é cobrada tanto no serviço quanto no convívio social.

04- Pagou, levou. Ao contrário dos impostos ao Estado, quem paga por proteção tem proteção. O dinheiro entregue ao mafioso traz resultados quase imediatos, não importa o fim a que se destina, sem burocracias e sem a necessidade de se recorrer a um tribunal; porque se for necessário, será uma quebra de ética por parte do mafioso, então...

05- Honra e lealdade. Pode parecer clichê de filme, mas não é. À parte as firulas românticas de Hollywood, um mafioso precisa ter compostura e ser leal à organização, assim como a tudo o que lhe disser respeito. Ninguém pula de máfia em máfia para ter um cargo melhor, e cometer um crime desnecessário é falta grave; como atropelar e matar alguém em um acidente, por exemplo. Ser flagrado bêbado em público então, pelos riscos que isso acarreta, é certeza de punição. Não é como acontece com filho de ex-ministro, o mafioso tem que fazer de tudo para que sua imagem não saia nas páginas policiais. Fazer caridade é atitude muito bem vista em praticamente todas as organizações, mesmo que não vá parar nos jornais. Já na política, o safado chama a imprensa para ser filmado colocando uma moeda no chapéu do mendigo... E depois pegar de volta.

06- A hierarquia é rígida, mas não demais. Um membro da máfia não mofa em filas intermináveis e não carrega toneladas de papel inútil, se realmente precisar falar com um chefão. Se a necessidade for constactada, ele é imediatamente encaminhado e terá com o dito cujo o mias rápido possível. Isso vale mesmo para um popular que tenha ligações consistentes com a organização. Ninguém é tão bom que não possa receber um faxineiro, ninguém é tão pequeno que não possa falar com o chefão. Vá tentar falar directamente com um juiz, vá, podes até ser preso por "desacato à autoridade", simplesmente por insistir.

07- Chances e punições iguais. A política de um peso e uma medida é a regra, o mensageiro tem as mesmas chances de comandar as organizações quanto o filho do chefão. Se ele fizer por merecer, e sobreviver, sua ascensão não será impedida por ciúmes ou desafetos internos. O foco é o bem comum, que é o bem de toda a máfia. Ninguém sequer menciona travar uma conversa para pressionar a cúpula em causa própria, não importa quem seja, porque mesmo o chefão precisa do respeito dos demais para permanecer vivo e onde está.

08- Ninguém fica sem resposta. Seja agente externo ou interno, quem fizer mal a um dos seus, estará lascado, porque a organização inteira estará no encalço do responsável. Se um membro fizer mal a um cidadão com alguma ligação, ele será punido e terá que reparar o erro. Se um estranho fizer mal a esse cidadão, não haverá trâmites supérfulos para aumentar sua agonia, os braços da organização já estarão trabalhando para dar satisfações do caso; sem ter que apresentar CPF, RG, comprovante de endereço, preencher ficha, registrar B.O, pegar senha... Identificado o autor e comprovada a sua autoria, é melhor que seu seguro esteja em dia.

09- Cinismo não existe. Se o mafioso tiver conhecimento de algum problema, ninguém precisa chamá-lo e provar documentalmente que o problema existe, ele já sabe e tomará providências. Já que não existe peso morto indicado por aliados na organização, não existe burocracia para alguém precisar dizer que está chovendo lá fora. Problema detectado, problema resolvido, simples assim. E ninguém pense que o que tiver feito ficará desapercebido pelos outros, isso aqui é máfia, não política.

Ficaram tristes? Eu também, mas não dá para fechar os olhos e fingir que o torto assumido, tem mais a nos ensinar do que o que se diz reto.

Um comentário:

Anônimo disse...

É um código de comportamento para um grupo razoavelmente pequeno que funciona com meritocracia. Poucas regras e muito claras, determinam o destino antes mesmo da infração.