06/09/2012

Há um mundo novo sendo impresso

Cena de Forbiden Planet, em breve em 3D, na sua mesa.

Alerto logo de início, é um texto longo. Resumi o que pude, mas o artigo é extenso. Não garanto que seja fácil de digerir.

Surgidas mercadologicamente na pré década passada, as popularizantes impressoras 3D, ou prototipadoras rápidas, até o ano passado eram vistas com tendo duas utilidades básicas: Para os nerds conseguirem a preços salgados, peças de coleção que são não só raríssimas, mas que costumam custar pequenas fortunas, quando as existentes voltam ao balcão de vendas; Para grandes corporações desenvolverem componentes a prazos e por custos inferiores às grandes fortunas, comuns até então para o desenvolvimento de um protótipo novo. A Jaguar se utiliza de uma prototipadora gigante para construir, praticamente, um carro inteiro por menos do que custará o modelo na linha de montagem.

Até o ano passado, uma impressora 3D por menos de vinte mil dólares era uma pechincha. Hoje já existem modelos bom boa capacidade de produção por menos de seiscentos dólares, nos Estados Unidos.

Para quem, como o brasileiro típico, perdeu o bonde da história, explico rapidamente o que é uma impressora 3D. Trata-se de uma máquina que funciona de modo similar à impressora da tua mesa, essa aí mesma, só que em vez de pintar uma imagem com uma camada de tinta sensível à água, ou uma boa tinta seca fixada por laser, ela imprime camadas sucessivas de plástico, ou outro material, uma em cima da outra, até obter a altura e o formato desejados, criando assim uma peça, em vez de apenas a imagem dela. Em vez de simplesmente clicar na imagem e mandar imprimir, é necessário ter um programa de função CAD, como o notório Auto CAD, para dar as instruções passo a passo para o software da impressora.

Certo, os jovens aí gostaram da idéia e já se interessaram. Lá em baixo há links para websites e uns vídeos para seu deleite. O mais importante, que precisam saber, é que o acabamento rude das primeiras impressoras 3D faz parte do passado, hoje há as caras, que podem ser compradas por cinqüenta mil doletas, que imprimem máquinas já montadas e prontas para o uso, em diversas cores e materiais na mesma impressão. Mas aquelas de seiscentos, que imprimem em cor única, permitem pintura e dão um nível de detalhamento difícil de se encontrar em miniaturas e peças à venda nas lojas. Fora que dá para, por exemplo, fazer uma miniatura raríssima, personalizá-la e, dependendo do tamanho, fazer várias na mesma impressão. Claro que o preço, desta forma, é muito mais em conta do que mandar vir a peça usada, comprada pela internet, sabe-se lá se no estado de conservação prometido pelo vendedor e mostrado nas phorogtaphias, que podem não ser da peça de verdade. Na verdade dá até para reproduzir um disco de vinil na maioria delas. Pronto, agora os pais de vocês também gostaram. Perfeito, a família toda reunida, vamos aos factos.

Provavelmente mesmo a maioria dos americanos, ainda supremos na construção dessas máquinas, por empresas e pessoas físicas, não se deram conta do que têm em mãos e da tansformação que isso causará fatalmente, no mundo inteiro. Então citarei três exemplos escabrosos, por assim dizer.

A Boeing anunciou que está em estudos, a produção de aeronaves inteiras por prototipação rápida. Não, não é piada nem ironia. Os engenheiros da gigante aeronáutica, perceberam que uma fuselagem feita desta forma, dispensará as rebarbas e os elementos de fixação, como parafusos e soldas, imprescindíveis nas aeronaves de hoje. O resultado será aviões mais resistentes, muito mais leves e até mais baratos, porque um Jumbo consome meses de etapas de fabricação, por prototipação rápida poderia ficar pronto em semanas, reduzindo em alguns milhões de dólares o seu preço final. Da mesma forma, navios, submarinos e automóveis podem ser montados assim.

Recentemente, um americano maluco, ou subir para cima, descer para baixo... Santo pleonasmo, Batman! Um americano amante de armas de fogo imprimiu todos os componentes de um fuzil e o publicou em um fórum de internet. Ele afirmou que deu mais de duzentos disparos, como teste, e que a arma resistiu. Em meio às justas congratulações, um dos conforistas avisou que ele está pedindo para os federais baterem à sua porta, por publicar a imagem de uma arma sem número de série. Alguma dúvida de que isso aconteceu em sigilo? Ver notícia aqui. Sabem aqueles carrinhos minúsculos, que te impressionam por causa do detalhismo? Cousas do passado. Vejam estes impessos com 1,5cm e com portas funcionais, aqui.

Mais recente ainda foi o feito de um laboratório, que imprimiu uma estrutura microscópica do tamanho de uma bactéria, molécula por molécula. Repito, uma estrutura do tamanho de um micróbio foi impressa molécula por molécula, estas sendo depositadas em forma de grades transversais entre si, uma camada em cima da outra. Claro que a impressora utilizada não está à venda nas lojas Americanas, AINDA, mas ela já existe e é um passo só para isso acontecer. Ver notícia, em inglês, aqui.

Muito bem, vocês estão aí em frente ao monitor, embasbacados com os avanços tecnológicos conseguidos em tão pouco tempo, e por preços tão atraentes, já pensando em montar uma pocket factory em casa. Bom, esta é a parte boa da história. Já é possível fabricar brindes, seja para lojas, para eventos, festas particulares, et cétera, com altíssimo grau de personalização. Em princípio, é possível fazer convites e crachás em alto relevo, com a imagem de seu portador em três dimensões, de corpo inteiro, derrubando o velho artifício de tirar a photographia original e colocar a do impostor no lugar.

Para o mundo dos antigomobilistas e memorabilistas, é uma mão na roda como nunca houve. Já é possível prototipar lanternas para um Packard 1951 com as mesmíssimas características das originais,com um grau de precisão maior do que as de fábrica, por uma fração do preço. Um carburador de um Panhard Levassor pré-guerra, pelo qual costumam cobrar fortunas, pode ser feito pelo preço de uma injeção electrônica popular.

Querem mais? Brinquedos antigos, acabamentos de móveis de família, botões e tampas de electrônicos fora de linha, capas para telephones, peças para canetas-tinteiro antigas, componentes para aparelhos importados caros, et cétera. Enfim, praticamente tudo já pode ser feito por prototipagem rápida. Em casa, a maior parte dos pequenos danos pode ser reparada imediatamente, com substituição de pequenas peças quebradas ou extraviadas. A capa do celular não prende mais, porque as travinhas quebraram na queda? Faça uma capa nova, aproveite e personalize ao teu gosto e necessidade, como um clipe para o cinto em peça única. Já se constroem bicicletas personalizadas por prototipagem rápida.

A hipótese de haver demissões por conta da redução brusca e significativa de etapas de produção, será revertida em milhões de micro fábricas instantâneas, que atenderão um mercado reprimido de personalização e antiguidades, que até então tem sido negligenciado. Hoje, leva-se de meia a cinco horas para prototipar uma peça utilitária, como uma ferramenta funcional, dependendo do tamanho e do tipo da impressora, mas esse tempo tende a reduzir rapidamente. Já imaginaram, colocar uma moeda em uma máquina, fazer as escolhas pela tela sensível ao toque e terem um kit personalizado, pronto para montar, em minutos? Pois já há gente trabalhando nisso.

Medicamentos manipulados, com os princípios activos organizados equilibradamente pelo corpo do comprimido, molécula por molécula, permitindo que vários princípios dividam o mesmo comprimido sem haver risco de se tocarem, minimizando efeitos colaterais e aumentando a eficiência do medicamento, já é uma realidade possível, mesmo hoje, para quem pagar o preço. Em menos tempo do que vocês imaginam, já haverá hospitais e pharmácias disponibilizando este serviço.

No campo da mídia, já é possível, embora ainda muito caro, construir câmeras e monitores capazes de registrar e mostrar até o reticulado molecular, em tamanho real. Se para os artistas isso é uma tragédia, para a metalurgia é um sonho prestes a se realizar, porque se poderá dispensar equipamentos caros e difíceis de serem operados, para fazer análises metalographicas. Peças poderão ser analisadas apenas fazendo um polimento na superfície, quando hoje é necessária a sua destruição para tanto. Uma peça de aço feita cristal por cristal, livre das imprefeições normais hoje em dia, fica mil e seiscentas vezes mais forte. Já é possível fazê-lo, em breve será possível fabricar em série.

Nas linhas de montagem, o controle de qualidade poderá detectar e corrigir imediatamente, os mais mínimos defeitos, dando padrão Rolls Royce de qualidade ao singelo Tata Nano. Isso fora o grau de personalização que hoje é restrito a automóveis caríssimos, já que tinta e estofamento poderão ser feitos na hora, ao gosto do cliente, com altíssima qualidade de acabamento, fazendo até o flocado metálico camaleão em dois tons, se tornar uma pintura popular.

Aquele teu sonho de montar uma fabriqueta de brindes e afins, só para ter sossego na vida, já pode ser realizado HOJE. Tudo cabendo dentro do porta-malas de um Uno Mille. O cliente te chama, faz o pedido na hora, vocês projectam as peças na hora e, dependendo do tamanho, um dia de trabalho rende milhares delas, a preços camaradas para o cliente e remuneração atraente para ti. A alta costura poderá fazer acessórios exclusivos, feitos só para aquela cliente e nenhuma outra, mais baratos do que se mandar fazer pelos meios tradicionais... E ficará fácil o povo copiar depois.

Depois da popularização, em curso acelerado, das prototipadoras rápidas, a economia mundial não será mais a mesma. Ficaremos cada vez mais independente dos malditos especuladores internacionais, que alimentam a crise em proveito próprio, já que a necessidade de investimentos vultuosos, necessários ao pontapé de uma indústria de grande porte, cairá dramaticamente. Especialmente se fornecedores pessoais forem requisitados à empreitada.

O lado escuro desta força é o que muitos de vocês já imaginam. Se por um lado os soldados podem repor armamentos e equipamentos, no local, sem precisar de fornecimento de peças prontas, criminosos e terroristas também podem. Se com uma prototipadora comum, um serviço que empresas brasileiras já prestam sob encomenda, foi possível construir um fuzil, imaginem com uma máquina mais sofisticada e de maior capacidade. Não só armas, mas a pirataria também correrá solta. É questão de tempo até prototipadoras que utilizam metais pesados, como aços de alta liga, serem lançadas no mercado. Então será possível construir motores inteiros, prontos para uso, com uma precisão inviável para as linhas de montagem de hoje.

Equipes de automobilismo ganharão muito, porque será possível fazer motores e caixas de câmbio inteiros, de alta performance, com mais precisão e balanceamento muito maior do que o que fazem hoje, mas pelo mesmo preço que pagariam por um motor de rua. Da mesma forma, milícias e grupos isolados poderão suprir suas necessidades tecnológicas sem darem satisfações ao mundo aqui fora, podendo agir na surdina sem os riscos que seus membros correm hoje, para abastecer os grupos.

Por último e não menos importante, da mesma forma como aquela incrível protipadora, que utilizou o laser para amontoar e unir as moléculas, uma a uma, a uma velocidade espantosa, até formar o que bem poderia ser um esqueleto de uma diatomácea minúscula, mesmo para os padrões delas, médicos poderão construir tímpanos inteiros para surdos absolutos de nascença, restaurar um rosto a partir de uma esponja de colágeno, que permitiria a rápida proliferação da pele e dos músculos do paciente. Já é possível, para quem pagar, construir córneas com nanossensores que funcionem como uma câmera, permitindo ao indivíduo ser uma mídia viva, podendo até enxergar faixas do espectro que são invisíveis ao olho humano. Um homem biônico com tudo o que os antigos seriados mostravam, graças a esta tecnologia, já é técnica e economicamente viável, para quem quiser pagar um bilhão de dólares... Ou até menos.

Mas também permitirá o que só vemos hoje em filmes de ficção científica, como a transformação de pessoas em monstros. Acrescentar lâminas retráteis afiadas à estrutura óssea já é possível, embora pareça ficção. É possível, com esta tecnologia, modificar totalmente a estrutura óssea e muscular de um homem, acrescentando células cultivadas em laboratório, do próprio cobaia, de modo a impedir rejeição, tornando-o mais forte, rápido e resistente do que qualquer ser humano normal. É possível criar cavidades microscópicas que permitam abrigar glândulas específicas, ao gosto ou demência do cientista em questão. Transformar o esqueleto em um arsenal vivo, já saiu da esphera dos filmes de ação com roteiro ruim. Assim como o corpo de um acidentado pode ser totalmente reconstruído e reequipado, um soldado ou um criminoso pode trazer à vida real o que só existe, ainda, nos desenhos animados.

Se lhes parece meio fantasioso o que escrevi, lembrem-se do modo de trabalho dessa prototipadora. Ela trabalha com laser para a organização das moléculas. Em princípio, ela pode montar uma molécula nova, átomo por átomo, então modificar as funções de uma célula não é uma ficção absoluta, é questão de alguém querer e pagar o preço, porque haverá quem se disponha a colocar a ética de lado para encher os próprios bolsos. Com moléculas podendo ser manipuladas individualmente, alguns meses de tratamento seriam suficientes para transformar um recruta magricelo no Capitão América. Agora sim, os heróis podem ser levados um pouco à sério, porque muito do que os quadrinhos mostram já é viável. Para o bem e para o mal.

Ok, agora vocês já têm uma leve noção do mundo novo que se apresenta no horizonte. Agora perceberam que relações comerciais e sociais, em dez anos ou menos, não serão as mesmas de hoje. Agora vocês sabem que seus filhos mesmos poderão, ainda tão jovens, terem suas fabriquetas portáteis para atenderem à clientela que conseguirem, dependendo unicamente de seu talento para design ou soluções técnicas, da mesma forma como jovens da minha época faziam e vendiam lembrancinhas de gesso... Só que com qualidade e sofisticação industriais. Até as princesas da Disney já podem ter o teu rosto, como podem ver clicando aqui. Cedo ou tarde as outras empresas de entretenimento perceberão o filão, e o rosto do garotão aí poderá ser colocado em um bonequinho do Wolverine.

Agora, meus amigos, vocês sabem que não podem mais se dar o luxo da ignorância, porque ela deixou há muito de ser um casulo de proteção, e doravante é um sinal verde para predadores, tanto em nível pessoal quanto coletivo.

Perdoem tirar vocês de seu mundo de necessidades simples e previsíveis, mas o mundo real nunca foi assim, e de agora em diante, caríssimi, a ignorância está a caminho de tornar-se sinônimo de suicídio potencial. Parece alarmismo? Desculpem, mas estou sendo o mais didático e suave possível. Os países sérios já estão trabalhando em meios de se beneficiarem desta revolução, em escala muito maior e mais profunda do que a iniciativa privada. Meus queridos, o mundo em que vocês dormiram ontem, lamento, mas está morto.







Para reportagens, notícias, encomendas e afins, recomendo o Blog da Impressão 3D, que é o mais completo em língua portuguesa. Clique aqui.

Para entender como funciona algo que logo invadirá nossas casas, clique aqui.

2 comentários:

Nik disse...

Nanael esta é a melhor matéria sobre o assunto que já li até hoje. Parabéns. E sim, ninguém ainda sabe como isso vai mudar o sistema de produção e a economia.
Sensacional o teu artigo, companheiro.

Nanael Soubaim disse...

Agradeço, Nikollino. Foram alguns meses até eu encontrar o ponto.