12/07/2012

A lição de Karen


A primeira e mais importante, é jamais subestimar a fragilidade de uma pessoa, por mais forte que ela demonstre ser. É muito difícil penetrar na vida de gente forte, e das que se fazem de fortes, porque elas interpretam facilmente como invasão ou tentativa de controle, qualquer interferência externa, por mais bem intencionada que seja, mesmo de pessoas muito próximas.

Karen tinha anorexia nervosa. Não é como a anorexia estúpida que costureiros canastrões forçam as modelos a seguirem, bem como todo o mal fadado e safado mundo da moda. É uma doença grave, que pode ou não ser acionada. A pessoa pode passar todo o ciclo vital sem demonstrar sintomas, mas ela está lá, pronta para aproveitar a mais mínima chance de arruinar com a vida do cidadão. É mais ou menos como a depressão, que a pessoa pode jamais demonstrar, mas pode inaparentemente estar em sua fase terminal.

No caso de Karen, a anorexia foi não só activada, como também potencializada por uma série de fatores, como o estresse pelo excesso de trabalho e o casamento fracassado. O gênio forte e indomável daquela mocinha de aparência frágil, só fez piorar tudo. Ela rechaçava qualquer tentativa de ajuda por parte da família, inclusive do irmão Richard. Sempre dizia "Não se preocupem! Está tudo sob controle". Aceitou a ajuda tarde demais, quando sua saúde já estava muito minada, seu corpo não conseguiu resistir ao infarto.

É triste ter que se perder uma pessoa tão adorável, e quem a conheceu sabe do que estou falando, e uma cantora que não terá par pelos próximos cem anos, para se ter uma lição dessas, mas ela não deve ser desperdiçada.

Deve-se aprender a diferença entre estar sempre por perto, e invadir a vida da pessoa que se quer ajudar. O que complica, é que a fronteira é muito móvel, varia tanto com o estado de espírito, quanto com as circunstâncias e o temperamento da própria pessoa. Por isso é preciso conhecer bem a pessoa, não em baladas ou bobagens que valham, mas ser daquele tipo de amigo a quem ela conte um segredo ou frustração sem medo. Não precisa ser um semi-irmão que entra no quarto sem bater na porta e usa o sabonete do outro, na verdade essas pessoas preferem confiar em quem lhes transmite mais seriedade do que espontaneidade, apesar de cutucarem gente séria para que fique mais espontânea.

O caso de Karen foi muito mais difícil, porque era uma estrela de primeira grandeza, admirada por uma legião gigantesca de fãs. Isto, talvez, tenha sido um dos ingredientes do divórcio, já que muita gente sonha em se casar com o personagem e acaba se decepcionando com a pessoa. Ela nunca foi sopa, conviver com ela era um exercício contínuo de paciência e amor incondicional. Era terrível! Ser terrível é uma das válvulas de escape de gente como Karen, que encontram nas pequenas infantilidades o espaço vital para se resguardarem do mundo adulto.

Aliás, é preciso saber relevar o gosto por travessuras e guloseimas pouco saudáveis, compartilhando sempre que possível. Isso fará uma abertura que permitirá à pessoa analisar o outro. Não se enganem, é nas brincadeiras e infantilidades que elas estão mais atentas ao mundo, já que não têm uma obrigação momentânea a chamar-lhes a atenção, podendo se concentrar no interlocutor. Falo não só por literatura e lida com psicólogos, mas por experiência própria, aprendi a lidar com essas pessoas poderosas, que escondem, porém, uma criatura frágil e altamente sensível por dentro.

Não querendo ser generalista, essas pessoas quase sempre cantam bem, por vezes cantam muito bem. Não que todas alcem vôos na música, mas a musicalidade faz parte de sua personalidade refinada e travessa. Ter então um bom gosto musical, ajuda. A tendência para a música vem de sua personalidade metódica e seu senso apurado de harmonia e responsabilidade. Quem já estudou música, sabe o quanto ela é matemática. Por isso mesmo se dão bem com pessoas organizadas e bem dispostas. Se és um bagunceiro contumaz, não precisa temer perder a amizade, mas saibas que ela te verá mais como tutelado do que como potencial ajuda.

Elas dão sinais claros, inequívocos, mas em idiomas muito específicos. Por isso é preciso ter boa intimidade, para saber falar a língua em que aquele pedido inconsciente de socorro está sendo feito. Às vezes a própria pessoa não percebe e não admite sequer ouvir que precisa de ajuda, não no tocante à vida íntima. Ajude assim mesmo, no que e do jeito que ela quiser ser ajudada. É um canal eficiente para ela se abrir e permitir a ajuda necessária, mesmo que inconscientemente. NUNCA DIGA QUE A AJUDOU! Todo o trabalho feito pode ir por água abaixo. Deixe que ela reconheça, ou não, sua ajuda.

Elas sabem intuitivamente a diferença entre admiração e adulação. Não adule. Isso varia de pessoa para pessoa, cada um tem o ponto até onde a lisonja é sincera, e elas sabem reconhecer o de cada um. Fogem de aduladores como como a ovelha do lobo, mas se acuadas elas atacam como um carneiro furioso. Geralmente são pessoas bonitas, ainda sem querer generalizar, e gostam de ouvir elogios DISCRETOS a respeito. Elogios rasgados em público, atraem a atenção dos aduladores. Por falar nisso, trate-as com intimidade somente na intimidade, apelidos fofos ou escabrosos em público renderão reprimendas.

Não se furte o direito de dizer o que pensa, apenas saiba como fazê-lo e faça-o com o máximo de respeito. Gente assim é autoridade inata, manda sem perceber que está mandando, e é obedecida sem que o outro perceba que está obedecendo. Tente bater de frente e verá algo que mesmo os grupos de elite da polícia temem enfrentar. Então, um pouco que humildade é imprescindível para uma convivência salutar. Essa convivência te permitirá perceber os sinais de que o peso nos ombros começa a vergar a coluna, é quando se deve ajudar.

Deixe falar. Essas pessoas gostam muito de falar. Gostam também de ouvir, mas nem sempre dão tempo para se completar uma frase. Ouça com o mesmo interesse que te move a querer ajudar. Ajudar e ouvir, aqui, são a mesma cousa. Mas ouça mesmo, porque o conteúdo da conversa pode lhe ser cobrado a qualquer momento. São pessoas emotivas e se magoam com facilidae, mas não sem dar o sinal.

Voltando um pouco, e sabendo evitar a adulação, explicite a admiração pela pessoa. Não com anúncios em jornais e frases de efeitos nas redes sociais, mas no cotidiano. Um admirador sincero é um fiel depositário de segredos e detalhes da vida íntima, ainda mais se a convivência tiver uma freqüência regular. Quem some, acaba perdendo lances da vida que podem ser decisivos para uma crise, sem os quais a compreensão de todo o contexto fica prejudicada, assim como o auxílio.

Por irônico que pareça, mas não é, aceite a ajuda que lhe for ofertada. Essas pessoas costumam ser muito protetoras e notam a menor alteração de humor. Aceitando a ajuda, se aceitará também a abertura necessária à sua execução, porque quem ajuda precisa sintonizar com as necessidades do outro, fornecendo uma via de mão dupla valiosíssima. Elas não gostam de lidar com quem se coloca acima, gostam de colocar todo mundo no mesmo nível, para olhar nos olhos.

Se a pessoa ocupar uma posição de fama ou autoridade, e é comum que aconteça, deixe essa autoridade para as aparições públicas. Na vida pessoal, ela quer lidar com pessoas. Não com subalternos ou fãs, mas somente com pessoas. A amizade com essas pessoas é muito bonita, muito sincera, às vezes muito dura também. É preciso um pouco de maturidade para lidar com elas. Ainda que pareça estar tudo muito bem, os sinais de problemas estarão à vista de quem as conhecer bem, e souber interpretá-los, para o quê uma personalidade já formada é basal.

Não é uma tarefa simples, nem mesmo existe uma receita que possa ser aplicada a todos, na verdade nem mesmo a uma pequena maioria. Saber ser a pessoa de quem ela vai precisar, o que depende de todos os fatores expostos, é tudo o que se pode fazer e o limite de onde não se deve passar. Muitas vezes, estar por perto, mesmo que em silêncio, à disposição dessa pessoa, é a medida exacta da ajuda.

Se prontifique, porque já são trinta anos de prantos pela perda precoce de Karen.

2 comentários:

Lilly Rose disse...

Boa noite querido Nanael,

Amigo, fico sempre emocionada ao ler algo ou ouvir a voz da querida Karen Carpenter !!Seu post está digno dela.

Ela realmente passava uma grande força interior em suas músicas.

Mas talvez Karen não soubesse como pedir ajuda, talvez ela tenha tentado à sua maneira e as pessoas não perceberam...

Ela é uma cantora insubstituível.
Parabéns querido Amigo por este belo texto e a doce lembrança !!

Um Abençoado FDS p/ ti!!

Aromas de Hortelã...
Lilly Rose

Nanael Soubaim disse...

Soham, vlode. O drama dela deu muitas lições que ainda são inexploradas.