07/01/2012

Nós, os losers


Geralmente somos gente boa. Os que tentam ser espertos, bancam os idiotas o tempo todo, viram piada.
Um loser não é um simples perdedor, porque este consiste em ser subtraído de alguma forma, como perder a condução a poucos metros do ônibus, esquecer um documento e só lembrar às vistas do atendente ou não encontrar vaga para o lançamento de um filme.

O loser também perde o ônibus, mas nunca de modo que o próximo não fique preso no trânsito e demore uma hora a mais. Esquecer o documento em casa é mole, quero ver alguém não encontrar o documento, ir embora, e só então lembrar-se de tê-lo posto no bolso da frente, justo para não esquecê-lo. Perder o lançamento de um filme ou peça é para amadores, o loser que gosta de um filme clássico como Casablanca entra, por engano na sala de exibição de um onde o roteiro foi usado como papel higiênico, e só consegue sair quando a outra sala já fechou, ou ainda entra na sala certa com um monde de aborrescentes que querem ver pancadaria onde o roteiro virou papel higiênico.

A clássica situação de um loser é a da moeda colada no asfalto. Não sei quem inventou essa #@*$*!!!, mas se o conhecer, o colarei no asfalto da Avenida 85 no alto verão. O coitado do loser está tão imerso em suas desventuras, pensando em como resolvê-las e evitar outras, que nem se toca de que aquela maldita moedinha está colada, ele se abaixa para pegá-la; no mínimo mexe com o pé, na esperança de que esteja solta. Mas se ele a ignorar, outro vem e a pega, porque desta vez é uma moedinha perdida de verdade.

Alguém aí já acertou na loto? Eu já, há muito tempo. Não, eu não perdi o bilhete, ele estava em casa. Na época eu era um garoto, a pessoa responsável por levar e registrar, esqueceu justamente o meu bilhete. Em valores de hoje, daria uns três milhões.

Ao contrário do perdedor, caríssimos, a desventura do loser não depende só dele. Enquanto aquele faz besteira e colhe o que plantou, o outro costuma contar com a impontualidade, a negligência, os chiliques, a má vontade e toda sorte de problemas alheios. Aliás, em sua fase mais aguda e crônica de baixa mar é que loser mais precisa ser compreensivo com os outros. Não tem jeito, ele se identifica com a tristeza alheia.

A vida de consumo do loser daria uma comédia capitalista, sua relação com o fornecedor seria  uma tragédia comunista. O que o loser quer, geralmente é difícil de se encontrar, até aqui é algo comum. O problema é quando ele descobre que há um comércio com estoque, só que ele nunca encontra tempo para ir até lá. Isto é particularmente perigoso, porque o que gostamos costuma sair de linha rapidamente. As chances de ele só encontrar aquilo como doador de peças, ou pelo preço de um carro novo, são grandes. Na hipótese de o loser coneguir comprar o que deseja, se não ocorrer um milagre, vai acontecer algo de errado com o producto. Pode ser que venha com um defeito de fábrica, mas algum funcionário sacana da loja o terá usado fora dos padrões da fábrica, depois reembalado, e a tua garantia naufraga. Na hipótese de ele estar perfeito, se alguém não o destruir, um evento grave acomete sua vida e o artigo acaba sendo esquecido, o loser nunca mais consegue usufruir daquilo.

As promoções não são para o loser. Se houver um producto quebrado, é o que ele vai comprar, fechado na caixa, com as letrinhas miúdas alertando que é ponta de estoque e a loja não se responsabiliza por quebras. Se estiver em ordem, todo cuidado é pouco, porque será importado e a loja não terá peças de reposição. Quanto mais baixo for o preço, maiores as chances de o loser não conseguir o seu, mesmo que durma à porta da loja. Aliás, provavelmente só haverá promoção depois de ele comprar, pelo triplo do preço posterior. Não importa o quanto valha, para o loser será mais caro.

Receber ligação por engano, em horário impróprio, é para os fracos. Eu, um loser de carteirinha e membro do 33° grau da irmandade, recebo ligação de financeiras me oferecendo empréstimos consignados quando estou atravessando a rua, com as mãos cheias de sacolas. Como tenho gente com problemas em casa, não posso deixar de atender. O ápce aconteceu uma vez, no fiofó da madrugada, quando por três vezes meu celular tocou, com uma ligação a cobrar. Tendo que acordar cedo para trabalhar, e uma ligação de madrugada é comum em emergências familiares, acabei atendendo; foi engano... a cobrar... de Santa Catarina.

Em um show, não importa onde o loser esteja, é lá que estará o pior som, a maior bagunça e os banheiros em pior estado. Ver o espetáculo? Só se um dos holofotes queimar, porque estará refletindo, ainda que acidentalmente, bem na tua cara... Mas aí ninguém vê nada e o show é cancelado. Se for um grupo estrangeiro, provavelmente terá sido a última apresentação antes de a banda se separar, ou morrer em um acidente de avião em alto mar.

Outra diferença entre o perdedor e loser, é que este jamais se faz de coitado. O loser que se preze sofre com dignidade, de queixo erguido e com uma bolsa de gelo na cabeça. Ele sai a campo para tentar reverter o prejuízo, normalmente contando apenas com seus parcos recursos e sua força de trabalho. O humor de um loser se torna mais fino e rico em ironias, com o passar do tempo e da experiência. Mas também fica mais difícil de digerir, e muita gente acaba levando como ofensa pessoal. O loser não pára para chorar pitangas, ele as chora em movimento mesmo, se parar elas se multiplicam.

Normalmente o loser não tem noção de sua força, ela raramente aparece sem uma situação de alta emergência. Ele costuma ser carismático sem se dar conta, sem sequer tentar sê-lo, às vezes sem querer ser. Colocá-lo no palco é uma roleta russa, ele pode travar de tal modo que serviria de cabide, mas também pode se surpreender consigo de tal modo, que na saída será cercado de gente querendo saber onde fez o curso de oratória. Ele não costuma memorizar citações e passagens históricas, mas consegue facilmente levar para a vida toda as suas lições, cousa que a maioria das pessoas (principalmente intelectuais) negligencia.

O loser é um amigo fiél, quase sempre a única pessoa com quem se pode contar na fase mais negra e fria de uma depressão, proque ele sabe o que é isso e não vai tratar como frescura ou um efeito meramente químico, ele respeitará a pessoa. Ficará com a cabeça doendo de tanta tragédia ouvida, mas deixará o outro desabafar até o fim. Ele sabe o que é um coração quebrado, pisado e pulverizado, sabe o que é ser alvo de chacotas, de bullying, o que é ter longas marés de azar e ninguém compreender como não consegue sair dela. O loser sabe se colocar na pele do outro.

O loser por excelência é como Charlie Brown, um humano que merece ser chamado assim.

2 comentários:

Vy disse...

Ei, Charlie Brown? Tá querendo companhia? É só pedir que tô aqui!!
Beijo! Vy

Nanael Soubaim disse...

Outro, Fadinha.