03/10/2011

Postura é tudo


Esther intermedia a conversa. Sarah contou-lhe de uma amiga que estava sendo hostilizada pelas outras colegas, convenceu a mãe de que seria uma boa moderadora e conseguiu que todas se reunissem para desbastar as arestas. O pivô da desavença avisou de antemão que chegaria uns dez minutos depois das outras, o que deu a estas tempo para destilar sua peçonha...

 - É uma periguete que vive dando em cima do namorado das outras! Cê não imagina o tamanho das mini saias dela!

 - E ainda se faz de santa, fala que não quer nada com ninguém, que nunca deu em cima de ninguém, mas facilita...

Esther vai traçando o perfil de acordo com o que as garotas indignadas relatam. Ela olha para Sarah, que fala em hebraico para evitar jogar lenha na fogueira sem necessidade...

 - E então?

 - Não é verdade, mamma. Elas descreveram de forma exagerada as roupas de Letícia, mas o que disseram dela não é de modo algum verdade.

 - Estão mentindo, se aproveitando que ela não está aqui para se defender?

 - Mais ou menos. Letícia é catarinense, chegou ao colégio no início do ano. Ela está acostumada a andar de mini saias, shorts, calças de malha por Blumenau sem ser incomodada. Ela está acostumada a trabalhar na confeitaria da família, de quando sai da aula até tarde da noite, ralando duro, sem tempo pra dar atenção a gracejos. Ela vai se atrasar porque tem que ajudar nos negócios, mas prometeu apressar o quanto puder o serviço.

 - E o que os pais dela dizem sobre essas roupas?

 - Nada, eles confiam na educação que deram. Há algo que minhas colegas não disseram, é sobre a postura dela, que eu prefiro que a própria mamma veja assim que ela chegar.

E a moça chega. Esther fica impressionada com a beleza da blumenauense. Está muito acima da média, não só os traços, como a forma física e o frescor juvenil. O andar tem o requebrado natural de uma mulher em maturação, sem forçar, com as pernas se alternando em semi-círculo, sem trotes. A cintura fina articulando o quadril largo sob a mini saia negra de cós alto, com o busto farto sob a blusa branca de mangas curtas e tecido denso. Seus dois metros e dez de brancura fantasmagórica se aproximam das judias, já tendo cumprimentado protocolarmente os desafetos...

 - Senhora Esther Gutemman, que prazer. Sou Letícia Soubaim.

 - O prazer é meu, Letícia.

 - Sarah fala tanto e tão bem da senhora, que fiquei curiosa em conhecê-la, posso dizer que admiro muito o seu modo de criar os irmãos...

A judia vê a imagem de meretriz, pintada pelas outras, desaparecer rapidamente. Para começar, apesar de curtíssima, a saia não precisou ser ajeitada em momento algum, se moldando ao corpo com conforto e sem marca de lingerie, apesar das pernas longas e grossas darem passos largos. O conteúdo da conversa da moçoila é  de uma maturidade e relevância que lembra os anciãos. Ela nota as pernas juntas e levemente inclinadas à esquerda, impedindo qualquer visão indesejada, e ela parece estar confortável assim. A coluna erecta evidencia o busto, mas a delicadeza e feminilidade de seus gestos não o faz balançar demais. Nos pés, sapatinhos baixos, pretos, com delicados laços brancos. Mais do que isso, em momento algum ela consome sua lábia no ataque às acusadoras...

 - Então seus antepassados são judeus? E você tem algum conteúdo dessa época?

 - Meus pais nos ensinam a preservar nossa memória - o sotaque é carregado - para termos consciência de quem somos. Uma tradição faz muita diferença em uma família.

 - Meninas, desculpem, mas onde está a pessoa que me descreveram?

Elas começam a tagarelar, apontando a saia curta, a forma física invejável, a beleza angélica, a "pose de santa", mas enquanto isso deixam suas saias (mais longas e muito mais justas) subirem, os decotes abrirem, precisam levantar as calças, se equilibrar nas plataformas, enfim, As duas judias vêem a sociedade encarnada naquelas três, que apontam, julgam e condenam a moça de chanel curto nigérrimo...

 - Parem! Fiquem do jeito que estão. Não movam um músculo sequer. Sarah, abra aquela porta de vidro... Óptimo. Agora vocês três se vejam. Vejam suas posturas, o estado de suas roupas, seus gestos e tentem se lembrar do tom de voz que usaram.

Dá dois minutos para elas meditarem imóveis. Elas vêem seu estado, pensam e imediatamente de recompõe, voltando ao banco em que estavam...

 - Quero que me digam como vocês reagem a uma cantada. Primeiro Letícia.

 - E eu tenho tempo para isso? O cara que fala besteira sem querer compromisso não merece minha atenção!

 - Ah, vai! Vai falar que cê não fica se achando gostosa? Toda mulher gosta de ouvir um machão gritando pra ela do carro... Né?

 - Uai, é! Você não gosta, Sarah?

O olhar de piedade é resposta suficiente. Pergunta à catarinense qual foi a última vez em que recebeu uma cantada grosseira...

 - Estás brincando, não estás? Eu não sou mulher de dar conversa para moleque. Se um deles me cantou alguma vez, não me recordo, pois não dou pelotas para esse tipo. Nem quando era solteira eu me importava com isso.

As três arregalam os olhos, parece que só às judias a aliança não passou desapercebida, no que Esther pede a mão da moça para mostrar bem a o anel de noivado...

 - Estão vendo? Você tem alguma coisa contra suas colegas, Letícia?

 - Nada. Só não gosto das atitudes e da postura delas, não seriam minhas companhias para um passeio, fora isso nada.

Esther começa a falar de aparências, de máscaras e de comportamento. Mostra na pequena gigante os elementos de uma mulher jovem, que vive sua juventude, mas sabe dos limites de seu comportamento. Explica às três que foi o conjunto de beleza, comportamento e simpatia de Letícia que atraiu tanto os rapazes do colégio, porque para transar eles têm quem se disponha a servir ao caso...

 - Já ela, pelo contrário, é só um sonho que eles não podem realizar. Digam, vocês trabalham?

 - Tamos desempregadas, mas temos emprego em vista, já fizemos entrevista e tudo.

 - E o que fazem durante esse hiato?

 - A gente espera... Que mais pode fazer? Os bicos que aparece não paga bem!

- Novamente eu digo, não é só pelas roupas nem pela exuberância plástica que seus colegas babam por ela, é muito mais pela postura. Ela se veste como a moça jovem e cheia de brilho que é. Vocês disseram várias vezes que se vestem para matar... E conseguem. Só que a caça dura pouco, o abate é só um momento, depois os caçadores esquecem de vocês e vão procurar outras. Desculpem a franqueza, mas vocês não se valorizam. Ela se valoriza e por isso consegue usar o que quer sem chamar mais atenção do que o porte já chama. Em algum momento vocês a viram ajeitar a saia? Os seios dela parecem sair do decote? As nádegas dela estão mais arrebitadas por algum salto? 

- Desculpe interromper, eu aprendi um pouco com Lynda Carter, minha mãe sempre foi fã dela. Ela sempre contava em entrevistas que nunca recebeu uma cantada grosseira, minha mãe disse que isso foi por causa da postura que ela tem diante das pessoas, mesmo com as roupas que usava na série. Vocês três podem ficar tranqüilas com relação a mim, eu sou comprometida, me caso em breve, seus namorados não me interessariam nem se eu os conhecesse, mas não posso impedir que garotos pensem bobagem e inventem fantasias, para isto o tamanho da roupa não é barreira.

 - Isso mesmo; postura é tudo. Nada vai impedir que um cafajeste tente falar bobagens, mas a postura é uma boa barreira. Prestem mais atenção à sua volta e verão muitas pistoleiras fantasiadas de mulher decente. Podem usar mini saia, sem problema. Eu usei e foi um aprendizado muito bom, me fez ter mais cuidado com as pernas e com minha postura. Claro que a maestria de nossa amiga é coisa raríssima, mas dá para se usar sem medo de aparecer nada, é questão de treino, de costume e repito, de postura. Vocês percebem? Enquanto gastam energias acusando sua colega, os rapazes que vocês querem estão atrás de quem dá mole, porque vocês sabem que quando alguém quer safadeza, ela fica escrita em neon, na testa.

Mais fácil do que imaginou, graças à persona da acusada, Esther apazigua e esfria os ânimos das três, porque a "branquela exibida" não tem tempo para picuinhas. Elas confundiram o estilo pessoal, o jeito de ser com aquilo a que estão acostumadas e ver em seu meio, que é confirmadamente incompatível com a vida de trabalho árduo e dedicação à família que Letícia leva. Antes de saírem, elas têm uma pergunta...

 - Você usa fio dental, não usa?

 - De vez em quando, na piscina. Em público não se pode facilitar, uso lingeries confortáveis no dia a dia. Dona Esther, a Sarah falou tanto da senhora, que eu acabei falando pra mamãe e ela disse que quer conhecê-la. Pode ser?

As duas aceitam. Vão conversar na confeitaria mesmo, entre um serviço e outro, que é assim que os Soubaim estão acostumados a viver, com o trabalho fazendo parte da vida, e ajudando a moldar o caráter e a postura de seus entes.

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