Por meandros que dizem respeito à psique de cada um, muita gente não se sente confortável se não estiver no controle da situação. A questão não é delegar os rumos de sua vida a terceiros, é querer estar sempre no comando, o tempo inteiro, inclusive durante o sono.
Estar no controle é útil quando necessário, quando de sua decisão dependem os rumos de um assunto importante. Mas as ocasiões e os períodos salutares para se estar no controle não são os mesmos para todos, e mesmo para os que mais precisam dele, é nocivo ter o comando o tempo todo.
O conforto de se estar no comando é a garantia extra de ter suas necessidades satisfeitas. Isto é o básico, o que justifica ter uma dose de poder nas mãos. Viver sem controle nenhum da própria vida, é ser como um balão de ar quente, que depende totalmente das correntes de ar e pode ser derrubado por uma delas.
A "quantidade" salutar de controle depende das necessidades do indivíduo. Quem comanda milhares de pessoas precisa de muito poder, não só para impor respeito aos comandados mais arredios, mas também para garantir a integridade dos mesmos e seus postos de trabalho. Quem só comanda a própria ferramenta de trabalho, e olhe lá, não precisa de mais do que pequenas doses esporádicas de poder em sua própria vida, raramente de doses maiores e sempre por curtos períodos. Mas ninguém precisa de controle absoluto em momento algum, isto é ilusão com viés patológico.
Há momentos em que o comandante e o comandado precisam exactamente do mesmíssimo nível zero de controle da situação, como quando estão aos cuidados de terceiros, sob supervisão médica, por exemplo. Há pessoas que evitam ir ao médico para não ouvirem o que não querem, são praticamente as mesmas que se recusam a iniciar um tratamento psicológico, pelos mesmos motivos.
O maior problema de se (acreditar) estar no controle o tempo, todo é começar a acreditar que se está certo o tempo todo. Quanto mais e mais consistentes forem os resultados desse estado de poder, mais o indivíduo se convence de que o seu modo de ser e agir é o acertado, com o tempo pode se sentir tentado a recusar delegar poderes. Neste nível, fica-se muito vulnerável à adulação.
Com uma vida bem gerenciada, trabalho bem planejado e eventos previstos com a devida antecedência, a ilusão confortável de se estar no controle da vida torna-se consistente. Isto é fácil de se ver em executivos bem sucedidos, militares de alta patente... e políticos profissionais; estes geralmente querem poder por safadeza mesmo, mas é conversa para outro artigo. Quanto mais sucesso e mais reconhecimento, mais o cidadão se convence de que está no caminho certo, mas com freqüência e trema também se convence de que poderia fazer mais e melhor com mais controle da situação, e passa a pleitear mais poderes; e também tende mais a procurar culpados para eventuais falhas.
Os prejuízos sociais são claros, a pessoa passa a se isolar paulatinamente de seus entes, cercando-se apenas de profissionais, dando brechas para que um adulador (como já disse aqui) tome o lugar da família. O adulador passa a dar o tom pessoal de que só as máquinas prescindem, mesmo sem a vítima perceber. Com o tempo, este passa a ter algum poder sobre seu chefe, por tabela também sobre os colegas, tornando a vida na empresa um inferno.
É difícil convencer alguém a delegar um pouquinho que seja do controle. É como querer tirar o controle remoto da tevê das mãos de um viciado em programas, ele sempre dará uma desculpa, um bom motivo, uma razão razoável para continuar com o controle nas mãos, ou mesmo um ultimato para que tu nem tente tocar naquele aparelhinho. Em ambos os casos, a pessoa acaba abrindo mão de sua vida pessoal em prol daquilo a que se dedica, com progressivo aumento do controle sobre o que está fazendo, estendendo esse mesmo controle à sua intimidade, recusando ajuda de quem consegue adentrar um pouco, mas geralmente querendo saber e dar pitacos na vida do recém-chegado. Raramente não é com a melhor das intenções, mas incomoda receber palpites de quem não os aceita.
O afã de se ter o controle da vida costuma tornar o indivíduo muito ansioso, impaciente em receber satisfações dos resultados que aguarda. O estresse e as doenças que o acompanham não tardam a aparecer. Piora o facto de poucos desses indivíduos aceitarem ajuda, alegam que tudo está sob controle e que irão ao profissional competente assim que terminarem a agenda, mas a agenda é crescente.
Outro complicador para quem insiste em manter o controle da vida, é que acaba se cercando de gente acomodada, que viaja de carona nos resultados obtidos. Não bastasse o desgaste acentuado pela escolha, ainda há parasitas que não fazem sua parte a contento, obrigando o controlador a assumir responsabilidades alheias. Mas se ele tem tanto controle, como não consegue controlar também esses relaxados? É porque o controle total não passa de uma ilusão, um autoconforto que o indivíduo se concede inconscientemente. Os parasitas percebem essa falha e sabem se aproveitar dela, sempre evitando um confronto no qual se dariam muito mal, é claro.
A fragilidade emocional costuma rondar essas pessoas. Com raras exceções, os sentimentos e todos os devaneios de juventude ficam legados ao esquecimento. Como os músculos e o cérebro, a vida sentimental também precisa ser posta em prática para fortalecer o indivíduo naquela área, mas para isso é necessário baixar a guarda de vez em quando, o que implica em abrir mão de se ter o controle da situação o tempo todo e sempre no nível máximo. Quanto mais se insiste nesse controle, mais atrofiada fica a parte emocional, e maior é o temor em baixar a guarda, porque (ainda inconscientemente) a pessoa sabe que a fragilidade lhe renderá feridas.
Não existe receita pronta e acabada que sirva para todo mundo, em área alguma, principalmente para a psique. O único consenso é que a abertura deve sempre partir da fonte, não adianta colocar um fuzil na cabeça do cidadão e obrigá-lo a dizer que abrirá mão desse controle, ele estará mentindo, tanto mais quanto mais arraigado este hábito estiver; de algum modo ele vai exercer o controle, e tão mais patologicamente quanto maior a pressão para que não o faça. Aqui não se trata só de teimosia, trata-se de defender o controle dos rumos da própria vida, que é legítimo, porque quem tenta mudar o outro à força, acaba querendo fazer dele um clone de si.
Como para qualquer mania, e também phobia, é preciso ter tato na lida com essa gente. Como tudo o que vicia, o controle da situação é uma muleta para o indivíduo, é naquilo que ele sabe andar e não vai largar se não aprender outros meios. Para quem não acredita em nada além do seu bem-estar pessoal, como políticos profissionais, tanto faz, estou aqui falando de gente boa, que erra e acerta tentando acertar, sociopatas de colarinho branco não são objecto de minhas letras.
2 comentários:
Quem tem obsessão por controlar acaba não só atrapalhando a vida dos outros como SE atrapalhando. E o pior é que insistem em culpar os outros por "não colaborarem" ou "não serem proativos" quando não aceitam tanta pressão...
"Procurar ajuda? Por que? Eu estou óptimo! Agora volte ao serviço!"
Postar um comentário