05/05/2011

Como uma parede de vidro

Tão bonito! Mas o vidro não deixa passar.
Hoje precisei sair à tarde, mesmo sonolento como tenho estado há semanas, sem a devida cooperação do trabalho e do transporte público. Esqueçam o que a prefeitura de Goiânia diz, é mentira, os paus-de-arara estão piorando e vão encarecer.

Aproveitei a saída para, na volta, visitar uma amiga que há cerca de um ano não via. O irônico é que, no longo trajeto do trabalho para o ponto de ônibus,  passo na esquina com o TRE (aqui), onde ela trabalha como bibliotecária. Perto, mas não necessáriamente acessível. É como a parede de vidro de uma confeitaria, são poucos centímetros entre as mãos e os doces, que mesmo assim permanecem inacessíveis. Passo e vejo o prédio todos os dias sem poder atravessar as duas pistas e o largo canteiro central.

Quando saio da Vigilância ando apressado, pois não existe de pontualidade no transporte. Já o vi passar diante de meus olhos, ainda circulando a Praça Cívica, bem antes do que deveria, mas também já o vi atrasar a ponto de gente que deveria pegar o anterior ainda estar lá. Ou seja, eu não posso realmente fazer visitas regulares a esta amiga, simplesmente porque não dá. Sempre há algo para eu fazer à tarde, sempre há um problema que esqueceram de me contar e eu preciso sair para resolver, mas às vezes eu estou é esgotado e não consigo mover um dedo sem um sono para refazer o corpo.

Minha amiga Dedinho já foi minha chefe, quando era bibliotecária da finada Escola Técnica Federal de Goiás. Foi um ano e meio do melhor trabalho que já fiz, onde mais me realizei. Vão-se vinte anos e os bebês dela já são rapazes. Mas ainda mantém vícios da infância, como acreditar que o facto de a mãe trabalhar perto de um lugar, permite que ela vá ao mesmo quando bem entender. Não dá, crianças, trabalho é trabalho, ainda mais quando envolve a fogueira de vaidades que é a política.

Infelizmente, do mesmo modo como não consigo visitar esta amiga, também não consigo visitar mais ninguém. E olha que só pude visitá-la porque ela estava trabalhando, e o trabalho dela fica no meio do caminho, desta vez tive a rara disponibilidade de prazo para parar e conversar um pouco, só um pouco. Dizer que a culpa é da vida moderna é cair em um lugar mais do que comum, um lugar qualquer. Acontece que os rumos da vida acontecem por nossas escolhas e por nenhum outro motivo. O problema é quase sempre não termos consciência dos custos que essas escolhas terão, mas precisamos optar assim mesmo, às cegas. Cego tropeça ao menor descuido.

Não cabe minunciar as escolhas que fiz, só é útil dizer que optei pela maturidade. Não sei como estaria se tivesse escolhido ser um adolescente comum, especular possibilidades passadas é ter saudades do que não existiu, sei que escolhi abandonar a infância depois dos dezesseis anos e isto ditou todo o resto.

Dedinho ainda hoje é uma mulher bonita, de língua ainda afiada e ainda grilada com revoltados de boutique. Ficamos a conversar sobre nossas desventuras no serviço público, um falando ao outro das pendengas do seu trabalho, de cousas que não ousamos falar em público sob risco de processo administrativo. A todo momento, como aconteceria se fosse ela a me visitar, alguém vinha nos interromper, à vezes para falar mal da reunião que acontecia sob discursos enfadonhos, outras para pedir uma publicação que o TRE não assina. Mas em vez se estressar ela usa da ironia fina que a maioria já é incapaz de comprender, ainda assim funciona.

Ficou claro que aquela amizade bonita e o respeito mútuo de duas décadas estão intactos, graças a Deus. Mas também ficou muito claro que o tempo passou, que não daria para conversarmos um décimo do que há para se conversar ainda que fosse um dia inteiro. O pior é que não é só entre nós, ela deu a entender que também padece um pouco deste mal. A fada madrinha que me permite saídas esporádicas, está cada vez mais preguiçosa e avarenta. Já não posso mais esperar até a meia-noite, hoje tenho que voltar antes das dez e olhe lá.

Por algum tempo chegei a me perguntar o que estaria fazendo de errado para tudo isso acontecer, mas a equação sempre dá zero. É a tal parede de vidro que acaba nos deixando com fome a poucos centímetros da comida. Não é culpa minha, nem de ninguém. Se por um golpe do destino nos encontrássemos todos, com tempo para tagarelar e decidíssemos quebrar essa parede, talvez pudéssemos reverter a situação. Mas para tanto é preciso acontecer o que não acontece. É preciso eu conseguir ver a Dedinho com alguma freqüência, podermos conversar com alguma tranqüilidade, estreitarmos os laços que permanecem firmes, quase uma volta aos anos noventa.

Os leitores mais assíduos se perguntarão se com Maria Cristina também é assim. Sim, é. É até pior. No caso dela há o agravante da inoperância de gente realmente perversa, que não dá a mínima para os alunos que são a razão de seus empregos, sobrecarregando-a.

Os amigos que amealhei ao longo da vida são pessoas interessantes, maduras, com cultura e senso crítico afinados. Somos totalmente diferentes em muitos pontos, mas onde somos semelhantes, somos quase gêmeos. O custo de permanecer longe dessas pessoas é alto, porque a vida não me deu gente à altura para fazer, na medida do razoável, o serviço que eles fazem com um pé nas costas. Nem sempre é necessário haver uma conversa, a boa companhia já faz o dia melhorar substancialmente. Amigos assim não são encontrados em botequins ou boates, são garimpados no cotidiano, peneirados e lapidados com persistência e respeito mútuo. É muito para se perder.

Nossas disponibilidades de horários não batem, às vezes sequer existem. As perspectivas são de agravamento, de continuar subindo a Rua 10, contornando a Praça Cívica, entrando na Avenida Goiás e descendo até o ponto de ônibus. Sabe Deus até quando.

6 comentários:

Vy disse...

É o mesmo que encontrar alguém do lado oposto do metrô. Não dá pra passar, dar a volta ou seguir do lado contrário. Eu mesma sofro desse mal e olha que moro numa cidade infinitamente menor. É nessas horas que a net ajuda, ás vezes é a única saída... Bom fim de semana querido!
Vy

Nanael Soubaim disse...

Aduhirê. É o bom uso da rede que ajuda a atenuar esta segregação.

Vy disse...

Dá uma olhada nos últimos trabalhos da Amanda no Fantástico Universo!
Coruja, eu? Imagine!...

Holly disse...

Oi!!!
Gostei do seu post, nada parecido com os meus q quase não tem nada escrito, rsrsr
És seu aniversário, não é?!
To meio atrasada, mas como vc já deve ter notado, meu tempo está escasso, mas mesmo assim... Parabéns, aqui está uma coisinha pra te deixar alegre (talvez vc até já tenha visto...), mas juntando oq eu gosto, com oq vc gosta, vamos ver se descobre como foram feitos... XD

http://www.palat.com.br/cars.htm
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Nanael Soubaim disse...

Conheço o Dan, trocamos uns plás de vez em quando. Ele costuma trabalhar com renderização no Studio 3D, não sei se já arranjou algo mais sofisticado.
Abraços, fiota.

Vy disse...

No meu blog tem um post pra você!
Será que vai se lembrar?...
Beijão! Vy