21/10/2011

Apresentando Ironia, a fina.

Ah, se zangaste? Venga, toro!

Caríssimos, meu apreço por vocês é proporcional ao esforço que têm feito para desenvolver moral e intelecto, conjuntamente. Nem imaginam como é grande, ocupa quase metade do meu dedal de costura.

Lamento, porém que esta estima não tenha correspondência à altura, na realidade vem sendo cada vez mais minguada pela negligência para com os pensamentos mais elevados. Sim, pensamentos elevados, bem acima dos enaltecedores pensamentos pubianos, que têm gerado tamanha harmonia em fóruns de internet. Compreendo a imensa importância de vocês quererem estar certos a qualquer custo, ainda que estejam mais errados do que cair para cima, mas por conta desse comportamento infantilesco estão se esquecendo de cousas muito importantes. Não tão importantes quanto agredir quem nega um beijo, provando que Darwin estava errado ao dizer que evoluíram de animais avançados como as amebas, mas são cousas que facilitariam muito resolver problemas práticos, como criminalidade, violência no trânsito, delinqüência juvenil, corrupção, entre outros que seu assoberbamento tem feito deixar de lado.

Uma dessas "cousas" é a mais antiga professora de lógica e philosophia da humanidade; euzinha, Miss Ironia, a fina.

A ironia é vulgarmente conhecida como "o acto de dizer uma cousa querendo dizer outra". Meia verdade. Na realidade eu ensino a contar uma história inteira em poucas palavras, às vezes apelando à psicologia reversa, o que a paixão arrebatada pela prolixia retórica tem feito empoeirar na estante. Aliás, para os que não sabem, Prolixia Retórica é minha prima, ela não é a mais bonita da família, mas é a mais dada ao que se propõe, por isso tem mais companhias do que todas nós juntas. Alguém aí não entendeu? Ah, deixe pra lá.

Uma de minhas funções é fazer as pessoas ajustarem contas sem terem que recorrer à violência explícita, seja verbal ou física. Isto pode, a muitos dos ultra gênios de plantão, parecer hipocrisia, mas Hipocrisia é minha tia amarga e mal amada que jamais conseguiu inaugurar sua loja, por isso tenta esvaziar as das outras. Uma ironia bem aplicada desnorteia o agressor, que se vê na encruzilhada de mostrar ao mundo o que ele realmente é, ou recuar do ataque. Meu trabalho, então, é poupar vocês de sofrimentos desnecessários, quando a animosidade e as divergências se mostram inexoráveis. Mas como vocês gostam de sofrer!

Vocês têm acumulado conhecimento e malícia, acreditando piamente que a isto se resume ser culto. Talvez até seja cultura mesmo; Ticos e Tecos estressados cultivando cogumelos ardentes.

A recusa em aceitar meus préstimos tem levado vocês à intolerância cega, que é quase um pleonasmo. Vocês acham que quem não for suas cópias fiéis é seu inimigo, acham que as gravações de uma câmera são mentiras de um software golpista, acham que comentários de quem não for da turma é uma tentativa de golpe, acham que suas pessoas podem ser usadas como padrões para julgar e setenciar todo o resto da humanidade, enfim, vocês acham tudo. Estão meio perdidos, não acham?

Vocês desaprenderam a diferenciar uma piada, uma brincadeira, de uma afronta, disto os agressores contumazes se aproveitam para afrontar e alegar que estão sendo perseguidos, quando há iminência de punição. Se vocês não sabem diferenciar, como vão dizer aos malandros o que eles estão fazendo? Eles usam do relativismo compulsivo de vocês para dizerem que tudo depende do ponto de vista. Com minha larga experiência eu digo a vocês, só suas idéias geniais dependem de ponto de vista, as leis da física estão se lixando para elas. Vocês também desaprenderam a diferenciar ponto de vista, de opinião e palpite.

A despeito de toda a evolução tecnológica das duas últimas décadas, a mentalidade social de vocês regrediu meio século para cada uma delas. O Século XIX ainda era marcado pela cultura para poucos, de cujas sobras se servia a população em geral, embora a efervescência intelectual tenha multiplicado os títulos e barateado (relativamente, aqui sim cabe dizer) a literatura. Uma casa com uma enciclopédia e meia dúzia de títulos era uma casa de letrados, de gente culta e atenta aos acontecimentos do mundo. Hoje vocês baixam tudo de graça, em segundos. Talvez esta mesma facilidade lhes tenha tolhido a capacidade de raciocinar para além de seu umbigo, afinal é a única baliza de que se servem hoje em dia. Sugiro que tirem seu bastão do meio do século e o coloquem à direita, andarão com mais facilidade... Século XXI, crianças.

Reconheço que a boa ironia não é fácil de se compreender, que é preciso mais do que ter leitura, mas muito mais ter o hábito de investigar e interpretar a leitura adiquirida. É para bem poucos mesmo, uma minoria da população mundial, só para quem tem quarenta e seis cromossomos. É preciso ter disposição para aceitar que as suas idéias maravilhosas, na prática, podem não ter previsto todas as variáveis embutidas na questão. Estando aberto a este facto, a interpretação de uma leitura torna-se menos tendenciosa, mais atida à realidade, o que geralmente machuca. Ah, sim, esqueci-me de dar nome a esta atitude, é a minha irmãzinha mais linda e delicada, a Humildade. Infelizmente muita gente a confunde com a prima Miséria, que como ela é branquinha e frágil, mas é barraqueira e chama mais atenção. Por favor, não confundam as duas, minha irmã é delicada e bem proporcionada por sua compleição, a outra é esquelética de ruim mesmo.

Asseguro, porém, que não é tão hercúleo assim compreender minhas lições, basta separarem Tico e Teco, colocarem-nos em seus respectivos postos e mandar que trabalhem em vez de brigar. Muito daquilo em que vocês acreditam pode cair por terra, é um risco, mas também um excelente adubo. Eu não tenho nenhuma obrigação de ser agradável, mas aos que se esforçam em tento.

Enquanto não reaprendem, vamos adiantando:
  • Nem todos que discordam de vocês são seus inimigos, bem poucos o são. Na realidade, se pensarem direito, o único inimigo de verdade mora no espelho;
  • O facto de um escritor da béle époque ter dito "Aquela negrinha era muito esperta" constitui um elogio, que pode ter custado a antipatia dos conservadores da época. Aprendam a considerar época e local de uma obra;
  • Nem todos os caras que te cumprimentam estão flertando. Quem te pergunta as horas não está necessáriamente te chamando para o motel, talvez ele nem seja da região para saber dessa neurose local, então não ataque preventivamente, que o outro se torna a vítima;
  • Quem abre mão de exercer um direito não está ameaçando o exercício dos teus, evite alimentar a idéia de que quem o faz é um inimigo potencial;
  • Lembra de Maquiavel? Ele não ensinou a corrupção, ele tentou alertar o povo dos métodos dos corruptos. Lembra de Marx? O que ele disse se concretizou nos países nórdicos. Não tentem interpretar uma obra sem conhecer um pouquinho de seu autor, ele é um humano e suas idéias podem ser diferentes do que parecem;
  • Se a piada te desagrada, procure referências fora do teu círculo de amizades, porque nele a mentalidade tende a ser muito uniforme, e se um estiver errado os outros também estarão. Isto evita o apedrejamento de um inocente, bem como a absolvição de um sacana;
  • Teus heróis são humanos, eles erram; Teus vilões também são humanos, uma hora eles acertam; Não tenha medo de reconhecer isso, faz um bem danado e alivia os ombros.
Embora muitos de vocês tentem, não podem me destruir, vivo no reino das idéias, estou fora do alcance de seu imenso poderio verborrágico. Enquanto vocês se empenham em ser lembrados como os únicos humanos relevantes de sua época, muito mais gente se empenha em ser relevante sem pleitear ser lembrada, é essa gente que me mantém viva e saudável.

Aos que compreenderam o recado, meus parabéns, estarei com vocês o tempo todo, à disposição e com o bom humor costumeiro.

Aos que não compreenderam como gostariam, mas querem empenhar-se no caminho, meus parabéns, estarei com vocês o tempo todo, à disposição e com o bom humor costumeiro.

Aos que não entenderam, não gostaram e estão fazendo birra, meus pêsames, estarei pertinho de vocês, usando-os como mau exemplo em minhas lições de humor negro e mau gosto.

Agora podem voltar às conquistas maravilhosas das idéias em que estavam imersos até agora.

4 comentários:

Lilly Rose disse...

Boa noite querido Amigo,

Ironia mais fina que esta, nem em um fio de agulha !!

Sim, estamos diante de um caos. E cegos pelas facilidades, que hoje a tecnolgia nos oferece.

Ironia tornou-se passado...Isto para aqueles que ainda, bem ou mal, sabem seu significado e precáriamente vez por outra, fazem uso dela.

Estamos todos presos a um mundo poluído de imagens. Uma alucinção coletiva e induzida. E óbviamente, alguém se beneficia deste rélis artifício.

Tudo passa aos nossos olhos como "simplesmente normal".

Mas quando ela, a ironia fina, vem com a verdade na ponta da língua, poucos conseguem identificá-la.

Quanto mais interpretá-la...

Apelam para o todo poderoso dicionário virtual. Mas ele só fornece o significado.

A interpretação é por conta de Tico e Teco.

Mas estes dois esquilinhos preferem brigar ao invés de correr atrás do prejuízo.....

Excelente teu texto Amigo !!!

Abençoado FDS !!
Beijos e Aromas de Rosas...

Lilly Rose

Nanael Soubaim disse...

Sim, a ironia fina está fora de moda, mas eu também.

Newdelia disse...

Num país que se flagela um humorista e acaricia políticos corruptos e crimonosos a ironia não tem vez. Só óleo de peroba, meu querido amigo, e olhe lá.

Bjkas

Nanael Soubaim disse...

É justo aí que está a ironia, fazendo isso nós viramos piada para os outros países, que notam de cara as nossas deficiências e lucram com elas.