12/08/2021

Sem surdina e sem vergonha!

 


Não foi uma, duas, três… foram inúmeras vezes ao longo de muitos anos que ouvi falar de controle da poluição sonora em Goiânia, no fim da década passada chegaram a fazer barulho e parecia que daria em algo, mas foi só mais barulho mesmo… como se não tivéssemos o bastante! Antes que comecem a queimar motocicletas e expulsar seus fabricantes do país, um esclarecimento: Quando uma motocicleta sai da fábrica, o nível de ruído é relativamente baixo a ponto de permitir até ouvir o funcionamento da corrente, especialmente em média velocidade. Há casos em que uma moto original nem é percebida pelo pedestre e o condutor precisa acionar aquela buzininha estridente. Apesar de atrasadas em relação aos carros, motocicletas são submetidas a restrições cada vez mais severas de emissões de gases e ruídos, a ponto de até nelas o carburador estar com os dias contados, ainda assim todas já saem de fábrica com catalisador, que em si já restringe a passagem dos gases e reduz o nível de ruído. Em resumo, todas elas saem de fábrica já adequadas ao sacro direito de repouso de estudantes e trabalhadores. Sem exceção, desde a espartana Honda Pop até a luxuosa Gold Wing, até mesmo as genéricas chinesas que usam peças de motos nacionais fora de linha, o fabricante faz a sua parte; quando a moto sai da concessionária é que complica.

 

Para tornar uma motocicleta mais ruidosa, basta remover catalisador e o silencioso, mas isso não pode ser feito apenas cortando o escapamento, ficaria visível a grandes distâncias e os fiscais perceberiam mesmo com o veículo parado, então é preciso levar a uma oficina, quase sempre boca-de-porco, remover os miolos e remontar as carcaças. Pronto, o imbecil tem um veículo com aparência original de moto moderna, mas nível de ruído de fazer inveja às Yamahas envenenadas dos anos 1980. Existem escapamentos esportivos que prometem algum ganho real de potência, quase sempre irrisório para peças que não são baratas, as mais caras chegam a custar o mesmo que uma motocicleta de entrada e mesmo assim não fazem nada de relevante quando sozinhas, mas o aumento do nível de ruído é bem perceptível, especialmente em altas rotações. Aborrece a maioria, mas mesmo com essa artimanha cara ainda pode ser tolerável. Preparar um motor não é para amadores e não é barato; e filtro “esportivo” não é veneno! Basicamente é preciso preparar o motor para trabalhar com os novos limites, e nos modernos isso inclui retrabalhar o módulo da injeção, geralmente sem garantias de que a máquina vai suportar a nova carga de trabalho… e sem garantias de que vai passar na vistoria do Detran.

 

O que os malas fazem é algo bem mais simples e danoso, simplesmente retiram os miolos do escapamento, para combinar com o vazio de seus crânios, e trocam a injeção por um carburador para eliminar o limite de rotações. Eles sabem que a moto será levada para o pátio assim que caírem em uma blitz, mas os vidas-loucas só pensam no prejuízo quando vem a cobrança, e tentam passá-la para terceiros. A receita é simples: um carburador, que simplesmente fornece ar e combustível sem medir nem controlar nada, uma admissão mais aberta e escapamento sem restrições. Assim uma motocicleta que saiu de fábrica mais silenciosa do que as Kombis carburadas, fica mais ruidosa do que um Boeing 737 em procedimento de decolagem. A intenção não é se divertir com o som metálico e puro de um motor a 10000RPM, a diversão é justamente arruinar o necessário descanso do máximo possível de pessoas, porque esses lixos acelerados são ouvidos literalmente a mais de um quilômetro. Piora o facto de eles usarem marchas mais baixas para precisarem manter aceleração máxima a fim de desenvolver alguma velocidade, demorando mais tempo em cada trecho da cidade e atormentando mais pessoas com mais intensidade por períodos maiores. Poderiam estar a mais de 150km/h, mas estão a um terço disso e a população útil paga o preço.

 

Justamente por nada disso ser barato eles costumam usar essas mesmas motos como ferramentas de trabalho, nem sempre é TRABALHO, mas vamos só a este. Uma artimanha para admissão em empresas mais exigentes é pegar o escapamento de uma moto legal na hora da vistoria ou entrevista, troca desfeita assim que consegue a vaga. Por isso nem sempre ser possível e por haver demanda crescente e descriteriosa, a maioria trabalha por conta própria não como motociclistas, mas como cachorros loucos, costurando o trânsito em marcha baixa e alta rotação, dando de ombros para a segurança e o patrimônio de terceiros, destruindo retrovisores (cada dia mais complexos e caros) sem cerimônia e sem o menor remorso, ainda que aquele seja um carro de aplicativo, de que seu motorista depende para levar comida para casa, mas sem retrovisor ele não pode circular. Importando-se unicamente com o próprio prazer, destrói a motocicleta por uso abusivo por quase sempre saber como conseguir outra fácil por meios tortos. Em muitos casos porque o “papaaaaai” passa o cartão e ele tira uma nova da loja no mesmo dia, mas esse estrume de classe alta é assunto para frente. Por causa do estrume pobre os trabalhadores de verdade ganham má fama. Sim, é comum o cidadão precisar comprar uma motocicleta surrada para trabalhar, mas NEM DE LONGE uma moto mal conservada faz o ruído de uma deliberadamente modificada.

 

Já conversei com empresários que usam serviços de entregas e eles me descreveram seu pesadelo com esses tipos. Eles fazem questão de estragar a motocicleta e, quando indagados, soltam gargalhadas abobalhadas, que se convertem em prantos de arrependimentos crocodilianos assim que recebem o cartão azul. A descrição que me fizeram, e que soam grego aos leigos, vão desde garfos zero quilômetro completamente tortos ou trincados a rodas zero quilômetro empenadas como se fossem acidentadas. Quando vão investigar as numerosas multas que chegam, dão graças a Deus por a Polícia Federal não ter batido à porta. Até sugeri que lhes dessem motos eléctricas de baixa potência e aspecto mais feminino, mas eles reiteraram que esses cachorros loucos não dão a mínima, demonstram ter prazer em destruir patrimônio alheio, e seria também por isso que eles não fornecem mais motocicletas, contractam já exigindo veículo próprio para que o prejuízo vá para o bolso de seu causador; à parte os patifes que realmente esfolam o trabalhador, a maioria não fornece a motocicleta porque não quer riscos desnecessários. Bons tempos em que frotas de Fusquinhas com a propaganda da empresa faziam as entregas… mas um Fusca de firma não costura o trânsito com tanta facilidade e não encantaria adolescentes descerebradas sem limites, elas são parte das motivações, o sexo fácil e sem regras fomenta muito esse comportamento nocivo.

 

Claro que a indolência crescente e o padrão de exigência típico de novos-ricos se alastrando por toda a sociedade, tanto quanto o mau gosto generalizado inerente, faz com que o consumidor contemporâneo não se importe com os meios usados para a entrega ser feita, quer tudo na hora e com preço promocional! É o pretexto perfeito para o cachorro louco, e o pesadelo perfeito para quem realmente quer trabalhar direito. É facto que quem trabalha direito preferiria comprar um Mille 1998 para fazer suas entregas, com mais segurança e conforto do que qualquer motocicleta é capaz de oferecer, mas com esse trânsito moribundo simplesmente não dá. Antes de virem falar em custos, façam as contas. O baixo consumo de uma motocicleta se dá em razão da relativa baixa carga de trabalho do motor, que foi pensado para girar rápido e entregar boas porções de força em uma gama ampla de velocidades, se um imbecil decidir abusar dela, principalmente com modificações absurdas, essa vantagem desaparece e a balança pende paulatinamente para o Mille, que com seu motor muito maior pode pegar muitas entregas de uma só vez e cobrir uma área muito grande em uma única viagem, sem expor o entregador a intempéries e abordagens escusas… ou poderia, se prefeitos e vereadores ainda morassem nas cidades de que deveriam cuidar, mas moram em condomínios fechados e muitas vezes nem andam de carro. A película de asfalto aspergida em algumas ruas de Goiânia, por falar nisso, já está cheio de buracos.

 

Antes de algum idiota útil vir com discursos acerca de situações que não conhece, e seus filósofos de estimação menos ainda, eu lidei e de vez em quando ainda lido com esses tipos. Desde meados dos anos 1980 que o declínio das relações familiares (sim, se não quiser ouvir a outra metade da história, dê licença) vem causando ou incrementando esses estragos. Com garotos se casando ou simplesmente “ficando” cedo demais, às vezes antes da maioridade, sem ter aprendido praticamente nada com seus pais, que talvez pouco tivessem aprendido com os deles, tendo que aprender de modo torto as noções de limite que o mundo exterior dá com rudeza; por não ter recebido limites em casa, em vez de meditar a respeito das lições, muitas vezes se revolta por tê-las recebido e acha que por isso ninguém o ama, ninguém o quer, ninguém o chama de Alô Doçura. Nesses mais de trinta anos que eu acompanhei com atenção, cerca de quatro gerações nasceram e cresceram achando que o mundo inteiro lhes deve satisfações e proventos, com a mídia dando suporte a essa mentalidade umbilical. Não, nem todos se corromperam e nem todos os que se sentiram lesados pagaram a terceiros na mesma moeda, mas os que o fizeram eram numerosos e barulhentos o suficiente para causar o estrago, e choraram alto o bastante para atrair as lentes piedosas das câmeras de televisão, comportamento repassado à posteridade putrefata que temos hoje. O assassino passou a ser visto como vítima e sua vítima como apenas um número a servir de palanque eleitoral para direita e esquerda, dando-se ombros à família desamparada, retroalimentando o ciclo maldito.

 

Some-se a isso a fiscalização porcamente feita e meramente punitiva, quase unicamente para arrecadar com multas e taxas de liberação, penalizando quase sempre só o veículo, deixando o meliante livre para arranjar outro e voltar a fazer caca sonora pela cidade. O resultado são os pátios cheios de veículos aproveitáveis amarrados numa burocracia aleatória, obesa e burra, feita por quem não diferencia um disco de freio de um volante, apodrecendo às intempéries, enquanto o cretino está livre para barbarizar. Nem adianta tentar reter a habilitação, eles dirigem mesmo sem ela, às vezes sem jamais terem entrado em um CFC; outra coisa burra que inventaram, porque não atenuou em absolutamente nada a periculosidade do trânsito. Isso vale tanto para os imbecis que pensam que não têm nada a perder quanto para os cretinos que pensam que não têm nada a temer, as leis da física cobram caro para ensinar que estão errados. Quanto ao segundo grupo de amebas com nomes em colunas sociais, cito o caso de um filho de um certo ministro do Fernando Chilique Maldoso, que atropelou e matou por dirigir como louco em Brasília. Por ser menor de idade à época, não tinha habilitação. O que aconteceu bem pouco tempo depois? A porcaria da ECA foi posta em prática! Não defende as crianças de gente realmente ruim e nenhum dos ladradores que a defendem encara um traficante que abusar delas, mas as deixa completamente imunes às responsabilidades com que teriam que arcar, ainda que dentro de sua capacidade cognitiva e de resposta, mesmo que matem a sangue frio, para livrar o mandante do crime de uma acusação… isso quando o ilícito não se dá por vingança pessoal, o que para uma criança pode ser ABSOLUTAMENTE qualquer coisa, mesmo uma contrariedade rotineira.

 

Não foi para defender crianças e adolescentes que essa porcaria foi inventada, foi para dar imunidade aos filhos deles, os que a formularam e aprovaram! O alastramento e agravamento das tensões sociais e de segurança pública não são importantes para eles, não até fazerem discursos para angariar votos do eleitorado desesperado. O resultado é que qualquer besta de classe média que faz consórcio de Hilux passou a se achar parte da casta de intocáveis de Brasília, se vendo no direito de usufruir de uma imunidade que não tem e se achando à prova de balas. Chamar essa trolha precariamente alphabetizada de “elite” é ofender a própria língua portuguesa! Mesmo os que têm recursos para tanto, dificilmente merecem o termo, quando muito estudam para passar e esquecem tudo no dia seguinte. Infelizmente, porém, é nela que a juventude se espelha, gente com muita titularidade ou cobertura midiática e nenhum conteúdo.

 

Esquecendo-se de que as balas são supersônicas, ou talvez não sabendo pois o diploma foi comprado, os biltres mimados aceleram brutalmente no meio do trânsito e não raro desafiam a polícia em suas ruidosas, disformes, cafonas e horrorosas motocicletas, chorando na delegacia e fazendo ameaças quando são submetidos à lei da ação e reação. Então vem advogado que inventa argumento para transformar vítima de pedofilia em réu, papai endinheirado e corrompido ameaçando expulsar todo mundo da corporação, depois o imbecil faz vídeos mostrando o quanto foi injustiçado e prometendo sair do país (quem dera) para sempre, enfim! Fazem tudo o que JAMAIS fariam contra um traficante, cuja lei é a do velho oeste. Então vem um pé rapado encantado com a glamorização do crime e a criminalização da polícia, decide que se o descerebrado com dinheiro pode, um descerebrado ferrado também pode, arranja uma motocicleta mais torta do que sua própria fama e pronto! O descerebrado com dinheiro vê o descerebrado pobre obrando pela cidade e decide que pode mais do que ele, então em vez de simplesmente pôr a vida alheia em risco, a ceifa em um vídeo ao vivo. Aí sim, cumpre a promessa de ir embora do país antes que um flagrante possa acontecer. O descerebrado ferrado então tenta sentir o mesmo nível de adrenalina e se lasca, porque não tem dinheiro nem para a passagem de ônibus, que dirá sair do país! Mas vira herói de debilóides.

 

E com esses paradigmas o comportamento de símios no cio se intensifica, com o Estado se limitando a arrecadar com multas e taxas, sem a mais remota intenção de resolver o problema e perder essa fonte de renda, que não sei para onde vai, mas não é para as ruas da cidade. Solução? Infelizmente não vejo sinal de uma pacífica, embora não queira conflito armado, posto que quem fez o estrago são justo quem faz a lei e quem deveria executá-la, este aliás dá os piores exemplos possíveis. Filho de desembargador, por exemplo, tornou-se imune à lei, quem tentar prendê-lo recebe voz de prisão. Não precisa pensar muito para se dar conta de que além da arrecadação com multas e taxas aleatórias, o facto de os filhos mimados deles fazerem isso inibe qualquer ação efetiva para resolver o problema. É também pela sensação de impunidade que a saúde pública é corroída pela poluição sonora que, por lei, jamais deveria acontecer, mas no Brasil leis são feitas para anularem outras leis que continuam em vigor. Infelizmente foi-se o tempo em que crianças mimadas eram coisas de rico, agora temos desde os anos 1990 pobres mimados também, cuja indumentária grotesca dá subliminarmente o tom de ameaça a quem tentar limitar seus prazeres, combinando com o que fazem com as motocicletas e nelas com a sanidade pública. Em ambos os casos os parasitas sociais correm para suas famílias ou suas turmas, quando a força policial, que é o que impõe respeito à lei e não o nariz empinado de um magistrado arrogante, está em seu encalço.

 

Eu bem poderia aqui incentivar à desobediência civil, incitar a população a fazer justiça com as próprias mãos, dizer que uma parede de caminhões que apareça repentinamente na contramão não daria tempo para essas zoonoses falantes desviarem e evitar serem colhidas pelos para-choques e pneus dos brutos, que jogar balões de água com acetona repentinamente os desnortearia e os meteria em acidentes que poderiam ser fatais, não, eu não vou fazer isso… e nem precisaria. A confiança nas instituições já está no solo, é pouca coisa para se dar um abalo sísmico e nem a “força nacional” inventada pelo pior deles dar conta da revolta, então não haverá desembargador satânico arrogante que gosta de dar voz de prisão a policiais, todos vão simplesmente se esconder como os covardes que realmente são e apenas assistir à lei de Talião ser posta em prática por quem foi posto de lado pelos que interpretam a lei ao seu bel prazer… na verdade isso já acontece aqui e acolá, pontualmente, em rincões onde a pessoalidade ainda permeia relações comerciais e burocráticas. Porque o CPF não chora, o RG não se ofende e o CNPJ não sofre, quem chora, se ofende e sofre é a pessoa que os porta, então para um cidadão indignado e abandonado pelo sistema é sim tudo pessoal. Mais pessoal do que o apego doentio daqueles idiotas de motocicletas pelos seus prazeres baixos.

 

Os que poderiam evitar isso, assim como eles, estão muito acomodados em sua zona de conforto dentro da bolha burocrática em que entraram, como uma casta superior. Aquilo que não lhes doer na pele não será resolvido, já que dentro das bolhas habitacionais em que vivem essas coisas não acontecem, violariam as regras do condomínio.

2 comentários:

Xracer disse...

Perfeito texto, perfeito ! Eu não escreveria melhor , falou tudo !! Magnifico libelo de denuncia das arbitrariedades de desocupados e da inépcia de quem poderia fazer algo mas... da muito trabalho...

Nanael Soubaim disse...

Grato! Não consigo tratar de um assunto sem abordar o que o suporta.