As rodas de liga leve foram pagas à parte. |
A respeito dos últimos e salgados
aumentos nos preços dos carros, não é culpa só das montadoras. Elas querem
vender, é disso que vivem, mas sabem que não podem cobrar o preço de um Rolls
Royce por um Mobi. Assim como nós queremos receber o máximo possível pelo mínimo
possível de horas de trabalho, elas também querem valorizar o que oferecem, mas
sabem que isso tem um limite. Sim, dá para fazer um carro robusto e confiável
para vender por menos de quarenta mil reais na concessionária, zerinho e reluzindo
a tinta da fábrica. Tecnicamente é perfeitamente possível até por menos, mas
esse preço baixo teria um custo alto que vocês não poderiam pagar mesmo que quisessem;
e eu sei que não querem. Por isso lamento informar que os carros realmente baratos estão em processo de extinção, não compensa mais investir neles. Para entender isso, precisamos ver o que encarece
tanto um automóvel hoje, mas me aterei àquilo que simplesmente não pode ser
retirado do carro, sob pena de nunca ir às ruas. Temos primeiro os itens de
segurança activa e passiva, que são os grandes responsáveis pela proximidade de
preços entre um pé de boi e um carro de acabamento médio. Não se trata só de
instalar, é preciso testar DESTRUINDO protótipos no decorrer do desenvolvimento
do modelo.
A célula de sobrevivência é
projectada para suportar colisões em velocidades consideráveis sem permitir que
os ocupantes sejam atingidos, o que acarreta não só aumento de peso, mas também
exige que outros componentes sejam superdimensionados, o que constitui uma
imensa dor de cabeça para a engenharia, que não pode permitir que um Ônix Joy
fique tão pesado quanto uma Suburban, isso acaba excluindo o uso de aços mais
baratos e fáceis de serem trabalhados, que precisariam ser empregados em
grandes quantidades, agravando ainda a falta de espaço interno. É preciso
utilizar aços mais nobres e estamparias mais sofisticadas, mas tudo isso
equacionado para que os custos não sejam proibitivos para o público do modelo
em questão. Então uma vez a estrutura de proteção escolhida, já conformados em
pagar alguns milhares de bolsos a mais por isso, o carro pode ir para as ruas?
Não!
Por mais forte que seja a
estrutura, é a desaceleração brusca que mais causa ferimentos em uma colisão.
Não importa a velocidade, se a parada for suficientemente suave, os ocupantes
sobrevivem. É necessário haver zonas de deformação progressiva, para que os
danos sofridos pelo veículo dissipem o máximo possível da energia da colisão; é
por isso que se diz que o para-choque de uma moto é o motociclista. Os testes
que resultam na destruição dos protótipos visam encontrar o ponto de equilíbrio
entre o tamanho do capô e a máxima absorção possível, sem que o interior do
carro seja gravemente afetado, isso é particularmente complicado em carros
compactos, e também por isso eles decidiram não investir mais na Kombi porque,
né… a zona de deformação ali é zero… O ideal seria mesclar o uso de aço com
boas ligas de alumínio, que também é abundante e muito fácil de fundir, mas
estampar o alumínio é quase um pesadelo, exigindo matrizes especiais e mão de
obra mais qualificada, por isso peças feitas desse metal são tão mais caras.
Ainda temos equipamentos de
segurança activa que são altamente problemáticos não só para comprar, mas
também para instalar, especialmente porque a maioria é de tecnologia
relativamente recente, por isso mesmo ainda cara; ABS, airbag, ARS, controle de
tração e mais uma penca de equipamentos que em breve serão obrigatórios em
todos os automóveis novos de produção em massa no Brasil. O problema é que eles
precisam conversar entre si, e compatibilizar tantos sistemas diferentes rouba
meses de estudos e testes exaustivos… e caros. Tudo seria mais simples se não
precisassem de softwares, mas precisam e nenhum deles é para amadores. Ainda há
o facto de que vai demorar para serem equipamentos leves e compactos, eles
tomam espaço, tiram capacidade de carga e exigem mais do alternador, o que se
reflete no consumo, não só no conforto, fora a fragilidade mecânica e
sensibilidade climática de tudo isso, simplesmente não podem ser molhados, o
que exige tirar espaço no cofre do motor e do porta-malas para não tirar dos
ocupantes, só que isso pode inviabilizar, vide os Land Rovers, uma manutenção
sem equipamentos complexos e ainda transformar o porta-malas em um porta-luvas,
e tome mais ansiolítico para a engenharia.
Não bastasse tudo isso, para essa
tralha toda ser eficiente, é necessário um nível mínimo de qualidade na construção
e montagem, com isso ela fica menos onerosa para um grande carro de luxo do que
para um compacto popular, e por isso este nicho está ameaçado de extinção, pois
está praticamente no limite para absorver os custos de tudo isso sem se tornar
inviável. O facto de não haver uma empresa que fabrique todos esses
equipamentos em uma só linha de montagem, bem como não haver um módulo único
que faça o serviço de todos eles, o que seria tão arriscado quanto caro para um
investidor, ajuda a atrapalhar. Não se pode esperar uma redução de custos sem
perda de segurança e qualidade antes que uma dramática evolução de software e
hardware aconteça, e isso ainda demora um tempo para ser dramática o
suficiente, até lá o Ônix vai sofrer para manter seu preço suficientemente abaixo
do Cruze.
Todos os fabricantes sonham em
poder utilizar os racionais, compactos e baratos motores dois tempos
refrigerados a ar em seus carros, isso por si já reduziria muito os custos de
produção e manutenção, mas nem em sonhos um carro com um motor desses seria
aprovado na mais porca das legislações ambientais, não com o combustível padrão
disponível. Não é só a adição de catalisadores e injeção electrônica, quem dera
isso bastasse, é preciso que esses dois itens sejam também testados e
maltratados até a destruição para que sua eficácia seja comprovada. Vale
ressaltar que o catalisador, além de cerâmica sofisticada, se utiliza de metais
raros, e caros, para cumprir com sua função. Também por isso, e pela
fragilidade inerente, não pode ser instalado de qualquer jeito e nem em lugar
inacessível, pois precisa manter a temperatura sob controle para funcionar sem
ser danificado, o que demanda interferências no layout do monobloco. Lembram do
Fusca Itamar? Precisaram deslocar o silencioso para dentro do para lama
esquerdo, para o catalisador caber. Sorte que o conceito dos anos 1930 permite
isso, e ambos ficaram em lugares bem protegidos sem subtração do escasso espaço
interno do Fusca, em um carro moderno isso é bem mais complicado e por isso os
antigos menos antigos do que o Fusca virtualmente não teriam conseguido voltar
a ser fabricados nem como lotes promocionais.
Ainda no tocante às emissões, é
muito difícil para mecânicas antigas e consagradas, que já tiveram seus custos
de desenvolvimento pagos pelas vendas e por isso seriam extremamente baratos
para serem utilizados em versões de entrada, se adequarem às normas de emissões;
também por isso a kombi perdeu o motor a ar, mesmo contando com injeção, bem antes
de sair de linha. A questão não é só queimar o combustível, mas queimar de modo
que as reações no interior da câmara de combustão resultem em níveis aceitáveis
de gases nocivos, algo para o qual os limites decrescem rapidamente, em breve
os derivados do petróleo não conseguirão mais atender à maioria das
legislações. Se há, por exemplo, uma variação significativa de temperatura no
interior do motor, como acontece nos refrigerados a ar, o controle electrônico fica
menos eficiente e o trabalho do catalisador é prejudicado. Da mesma forma a
maior formação de pontos quentes dentro do motor dificulta o uso de gasolina
comum, assim como o trabalho de monitoramento da injeção, o que levou as fábricas
a reduzir deliberadamente as potências desses motores em seus últimos anos de
produção, para contornar o problema e manter o produto em linha o máximo
possível. Seria como uma Montana utilizando o motor 151 quatro cilindros que
foi do Opala, que tem força bruta e confiabilidade de sobra, mas não atenderia
às leis ambientais. Sim, há meios para equacionar isso, mas para a maioria das
pessoas, e presidentes de companhias são pessoas, simplesmente não compensa.
Mas o que mais dificulta a vida de
quem sonha em produzir um modelo popular no Brasil, talvez seja justamente o
consumidor brasileiro. Não dá a mínima para equipamentos de segurança e
controle de emissões, mas ama ostentar! Para terem uma idéia com acento que é o
certo, quando a GM decidiu lançar o Celta, teve o bom senso de consultar o
público alvo. Seria uma das poucas vezes que o consumidor realmente ajudaria a
projectar o carro que iria comprar meses depois. O pé de boi que a engenharia
tinha em mente foi descartado. Imaginem o Celtinha velho de guerra com um
painel pobre como o do Fusca, só velocímetro e marcador de combustível, com
retrovisores e lanternas traseiras perfeitamente simétricos, de modo que
servissem de qualquer lado. O acabamento interior exclusivamente de plástico
rígido e porta-malas totalmente pelado. O banco traseiro teria penas dois cintos,
pois seria para quatro pessoas, e não permitiria o rebatimento fácil que
transforma um hatch subcompacto em um furgãozinho, para isso seria preciso
tirar o banco do carro, e nada de console central de tipo nenhum. O sistema de
ventilação seria mínimo, apenas para manter os ocupantes vivos, só haveria um paras
sol de plástico rígido para o motorista. Ah, claro, para racionalizar a linha
de montagem, haveria só a versão de duas portas. Teria sido significativamente
mais barato, mas como sabemos, não foi isso que o consumidor decidiu, preferiu
pagar mais. Se já tem manolo reclamando que as caixas de rodas dele são muito
pequenas para as rodas que eles querem usar... Ainda há um agravante, um carro
muito básico precisa de uma tiragem gigantesca para que os investimentos e a
apertada margem de remuneração da fábrica sejam pagos, ou seja, o Celta teria
morrido logo se não tivesse sido o sucesso que foi.
Se pensam que isso é um pé-de-boi
de fazer inveja aos carros militares, ainda há meios de depenar e baratear mais.
Por exemplo, tirando a máquina do vidro das portas, que então seriam de correr,
como nos antigos caminhões Mercedes 608 e na Kombi corujinha, basta ver os ônibus
urbanos para saberem o que é. Os bancos poderiam ser apenas conchas de plástico
minimamente estofado, impossibilitando qualquer regulagem que não fosse de distância
do volante, o que seria exclusivo do motorista. Já imaginaram ter que fazer
muita força para frear? Ou então ter que pisar bem fundo num pedal de curso muito
longo? Seriam as opções para compensar a falta do hidrovácuo, que é o aparelho
que ajuda a frear sem que isso se pareça com uma aula de musculação. E por
falar nisso, que tal ter que parar totalmente o carro para engatar a primeira
marcha? A não ser que seja um motorista muito experiente e habilidoso, para
compensar a falta dos caros anéis sincronizadores, que nos permitem passar as
marchas às vezes mal pisando na embrenhagem. Tapetes? Que tapetes? E o
porta-luvas pode muito bem ser apenas um buraco maior, sem tampa, assim como a
luz de cortesia poderia funcionar apenas com intervenção humana, sem essa de
ligar quando se abre a porta e desligar quando fecha, instalação eléctrica é
coisa cara! Não podemos nos esquecer das rodas com apenas três parafusos e de
usar os mínimos pneus 145R80, que foram do Fiat 147. Parece estranho? Há países em
que um cidadão de baixa renda não se importa em ter que esticar o braço para
regular o retrovisor do outro lado, neles os carros mais espartanos do mundo
gozam de relativo prestígio.
Ainda há uma solução que faria
vocês jogarem pedras em quem sugerisse, que é utilizar eixo rígido na
dianteira. Explico, trata-se de trocar a suspensão relativamente complexa da
dianteira, que torna o carro mais fácil e confortável de ser controlado em
pisos ruins, que são a regra em nosso país, por uma barata e robusta barra que
ligaria rigidamente as duas rodas, assim o que acontecesse com uma se
refletiria na do outro lado, e no volante, tornando qualquer irregularidade no
asfalto um pesadelo cacofônico dentro do carro, fazendo tudo tremer a cada
trepidação. Claro, isso seria coroado com um ou dois feixes de molas transversais em cada eixo, substituindo as confortáveis e caras molas helicoidais; sim,
perto do que eu estou descrevendo, o Celta é um Opala. Nos anos setenta eu
passei por isso, ainda havia carros em que um pneu fofocava sobre o seu lado do
piso para o outro e para o volante. Se serve de consolo, essa receita tornaria
o carro mais rápido, ágil e econômico, além de baratear muito a manutenção... Mas é claro que vocês preferem pagar vinte mil
reais a mais para não passar por isso! Mesmo que percorressem rotineiramente
estradas de boa qualidade entre condomínios de luxo, vocês não tolerariam ser
vistos em um carro assim! Mesmo que uma boa calibragem atenuasse muito os
problemas de conforto, e isso uma montadora consegue fazer sem dificuldades,
vocês não tolerariam descer um degrau social ainda que fosse bom para vocês! Então
paguem!
Sem todos esses supérfluos que
vocês amam, e se a lei permitisse, os carros populares poderiam ser assim: