15/04/2020

Não é o chinês, é o partido



        Caríssimos, venho fazer um apelo que pode soar como, mas não é um discurso enfadonho de politicalha correcta. Faz tempo que ouço que o americano é culpado por não saber o que seu governo faz, como se outros governos não fossem iguais ou piores do que o deles, especialmente os autoritários, e é usando os mesmos peso e medida que peço para não discriminarem o cidadão chinês. O chinês comum, salvo raras exceções,  não sabe o que seu governo faz. Aliás, quase todo o 1,5 bilhão de chineses só sabe o que o pouco mais de um milhão de membros do PCC o deixa saber, e os poucos que sabem algo, também sabem que é melhor para suas vidas que esse milhão não saiba que sabem de algo.

        A época do regime militar que tivemos aqui foi nada, se comparada à repressão explícita e à onipresente propaganda estatal para intimidação popular que o governo chinês impõe ao povo. Se de 1964 a 1984 ainda se viam charges satirizando nossos governos, com os artistas vivos ainda hoje, lá isso pode custar o desaparecimento sumário do autor. Os chineses que teriam espalhado o corona vírus, nada mais teriam sido do que laranjas inocentes, gente que o governo escolheu para sacrificar em prol de seu interesse em um risco calculado, que agora eles sabem não ter sido tão bem calculado assim. De resto, os chineses sempre se mostram altamente receptivos a visitantes, chegam mesmo a nos achar lindos... mau gosto não é coisa só de brasileiro, meus amigos.

        Temos no Brasil casos de empresários imigrantes chineses que tratam muito mal os funcionários e tentam de todo jeito burlar nossas leis, que já não são lá essas coisas. Bem, esses são os chineses que a China nos apresentou, não são os chineses que muita gente conhece espontaneamente e com quem não tem problemas. Esqueça a política de Estado quando for conhecer a pessoa, especialmente quando essa pessoa simplesmente não sabe o que está fazendo, embora possa parecer que sim. Embora, como todo oriental de regra, eles preservem suas tradições, os chineses admiram tudo o que há no ocidente, a ponto de eles preservarem nossa cultura melhor do que nós mesmos. Para eles é um espanto o continente americano ter construído tradições tão bem resolvidas com tão pouco tempo de existência formal, bem como a velocidade com que nossos costumes se transformam.

        O isolamento de séculos que os países do extremo oriente se impuseram produziram culturas que são estranhas entre si até para eles, mas vamos ser francos, quem come intestino recheado com a carne do animal estripado não pode falar muita coisa dos hábitos alimentares deles. Há um problema sanitário que não difere muito do que encontramos em feiras dos rincões brasileiros mais afastados. Além do mais eles estão tentando se melhorar, e é no ocidentalismo que nós mesmos negligenciamos que eles se espelham para isso. A autocrítica nacional que temos aqui, e que saiu do controle, é coisa que eles não conheciam, especialmente os chineses. A ladainha de "nós levamos a guerra a outros povos" simplesmente não encontra eco entre eles, é coisa quase que exclusiva nossa, e usada com moderação tem efeitos quase milagrosos em uma cultura milenar.

        O modo e  velocidade com que aquela imensa região progrediu, foi por terem agido de modo ocidental para gerar esse progresso, adaptando à sua cultura o nosso modo de fazer as coisas. Lição que nós mesmos temos esquecido de modo vergonhoso, a parte boa da China se ergueu e evoluiu graças à nossa cultura de trabalho e vida pessoal, os ocidentais deveriam estar orgulhosos e venerar seus ancestrais como os chineses o fazem, mas não, os tratamos como monstros assassinos e agimos com escárnio se alguém tenta nos lembrar disso; especialmente os ditos "intelectuais". Nós deveríamos é trazer essas pessoas mais para perto, mas não muito enquanto durar a emergência pandêmica, e ocidentalizar ainda mais seus pensamentos, para que se dêem conta de que são eles que sustentam o governo e não o contrário, e assim pararem de ver um partido único e compulsório como um "pai severo".

        Aliás, sabiam que eles adoram carros americanos? Segundo eles, simplesmente não quebram, teriam a qualidade dos alemães de luxo sem custarem as fortunas que eles cobram. O mesmo vale para todo o resto, inclusive para o design em todas as áreas, como a moda e até a culinária. Achinezar modelitos ocidentais é uma arte que eles aprenderam bem, e roupas ocidentais são as preferidas para o cotidiano, em todas as faixas etárias de todas as faixas sócio econômicas. Claro, os exageros existem, algumas pessoas se perdem com o aparente poder repentino,  mas isso é outra história e não difere em nada de nós.

        Não foi pelas trapaças do regime que eles se ergueram, a ponto de hoje exportarem trens-bala, o chinês trabalha arduamente e não tem medo de passar por ridículo. Uma crítica a uma empresa, um produto ou serviço, por cruel que seja o crítico, não é levada para o lado pessoal, é usada como lição e parâmetro para correção de falhas. Vai criticar uma empresa brasileira, vai! Uma vez um motorista quase me bateu por eu ter reclamado do ônibus, que era uma porcaria e não andava nada! E eles têm monopólio de suas linhas!

        Toda a leveza e atenção à beleza que perdemos desde os anos 1970, eles não só preservam como cultivam, tudo ornamentado pelas coisas que receberam de nós. Os chineses não têm medo de parecerem piegas, da mesma forma as chinesas não rejeitam a feminilidade, e nem por isso abrem mão de serem independentes como mulheres realmente modernas. Disso vem a criatividade e a capacidade de adaptação que eles têm. Eles ouvem, eles fabricam o que nós queremos sem firulas, sem burocracias desnecessárias, sem hesitação. Funcionou, fabrica; não funcionou, faça outra coisa. É um pragmatismo que já tivemos e perdemos com o tempo, por isso os orientais nos ultrapassaram com tanta facilidade. Recebê-los bem e trazê-los para o nosso lado é o mais sensato a se fazer, é assim e não apontando o dedo que eles podem repensar alguns aspectos de sua cultura.

        Aliás, apontar o dedo e aceitar ser apontado é outra praga que assola o ocidente. Perdemos a capacidade de dialogar, hoje em dia temos monólogos entre várias pessoas, porque ninguém aceita mais conversar com discordantes. Quando um se aproxima, pode dar briga. Os orientais, pelo contrário, observam, fingem interesse, sorriem, dão tchau e puxam a descarga, sem levar para o lado pessoal.

        Alguns dizem que na China se fala livremente de política, mas francamente eu não sei até que ponto dizer "não sei se isso vai funcionar" e "deveríamos ter novos dirigentes" podem ser comparados, porque aqui ambos são tolerados, mas lá pode obrigar a família a pagar pela bala. Eles nunca tiveram democracia, então não sabem lidar com ela; ainda. Nós podemos mudar isso, se deixarmos nossa indignação para quem realmente deve ser alvo dela, e não é o povo. Ter perfis paralelos em redes sociais que lá são proibidas, ajudaria muito, e nossa malandragem ocidental é habituada a isso, mas agira seria por uma boa causa.

        Em troca, receberíamos todas aquelas lições de sabedoria e cabedal cultural que tanto e tão explicitamente admiramos, como a precisão e velocidade com que eles executam qualquer tarefa. Quem sabe se sentindo úteis e responsáveis por nós, e assim vendo mais sentido em suas vidas individuais, os índices de suicídio entre eles caia a patamares não alarmantes. Seria uma simbiose, compreendem? Deixamos a estupidez discriminatória de lado e de quebra minamos o poder do PCC por dentro, como um "câncer bom"; e não adianta eles lerem isso, os chineses estão demasiadamente espalhados e acostumados, é um pulo para eles aprenderem o jeitinho certo e disseminarem por debaixo do pano o que o governo quer longe do território chinês... bem, para quem acompanha as notícias de fontes que eles não compraram, é claro e iminente o declínio do regime. Lá isso não pode sequer ser comentado, mas aqui...

        Agora, por que eu ilustrei o texto com uma seqüência de uma jovem flagrada nas ruas de Pequim? Bem, primeiro porque eles também não têm a nossa neurose de querer ser esquecido para todo o sempre, com medo que uma imagem acidental possa condenar a alma ao inferno, a maioria de nós teme sem saber o quê e rejeita sem saber realmente o porquê. Se alguém lucrar com a imagem dela, ela simplesmente processa e ganha.
        Segundo pelo velho pragmatismo oriental, evocando a característica mamífera de se comover com a beleza, e assim facilitar a simpatia pela mensagem. Simples assim.