Muita, mas muita gente mesmo considera a ignorância um alento, como se desconhecer um disparo tornasse alguém à prova de balas. Eu poderia tecer um artigo quilométrico a respeito, mas me aterei a três casos de que tenho conhecimento na prática, resguardando nomes e características pessoais, ara evitar problemas. Inicio com o caso de uma diarista desastrada, facto recente, que reescalonou meu conceito de alienação;
A mãe de uma amiga contractou uma diarista que lhe fora indicada, diziam saber fazer bem o serviço doméstico. A dona da casa saiu para arcar com seus compromissos, confiante, quando a certa altura do dia, a diarista liga questionando, indignada, o que eles tinham feito para as panelas ficarem tão encardidas. Disse ter sido necessário usar uma faca para raspar a sujeira, que estava grudada nas peças, que tinha levado o dia inteiro na tarefa. Voltando para casa, ela viu o que temia: a diarista raspou todo o teflon que havia naquela cozinha.
Não, ninguém é obrigado a conhecer o que não faz parte de seu cotidiano, mas se sair do pequeno mundo onde ele é possível, o desconhecimento do mundo exterior vai trazer problemas; a questão não é "se", mas "quando" vai acontecer o pior. Principalmente se a pessoa insistir em usar de seus modos costumeiros em um ambiente que desconhece, ambos podem ser e geralmente são incompatíveis. Sair da clausura cultural que lhe dá a torpe sensação de felicidade, vai exigir que abra mão do conforto alienativo que pode ser muito caro ao indivíduo, como parecia ser para aquela diarista.
Outro caso é o de um candidato a motorista, que foi fazer um teste na transportadora de um amigo que não vejo há vinte anos, talvez. Acontece que essa transportadora só utilizava caminhões de ponta, que utilizava tecnologia de última geração, que ainda hoje nem todos os caminhoneiros se preocupam em conhecer. O problema ocorreu com o diferencial, cuja função explicarei para ajudar a terem uma idéia do que houve; Por conta da largura de um veículo, e tanto mais quanto mais largo, as rodas da direita e da esquerda giram em velocidades diferentes, em uma curva. Em um caminhão isso é muito crítico, porque é um veículo muito largo, muito pesado e tem pneus com aderência muito grande, o que poderia gerar quebras freqüentes, não fosse aquele componente enorme que se vê por baixo e detrás, que parece uma bola, ele permite que as rodas do lado de fora da curva não sejam arrastadas pelas do lado de dentro, e não atrasem estas, evitando forçar demais componentes muito caros.
Pois bem, não sei a que aquele candidato estava habituado, mas com o diferencial travado (recurso para facilitar sair de atoleiros e outras emergências) ele não só fez uma curva fechada durante o teste, como a fez em alta velocidade, e ainda deu cavalo de pau! Resultado? Um barulho horroroso de metal sendo quebrado, triturado e moído. Um prejuízo que poderia facilmente comprar um carro popular. Claro que ele foi dispensado e claro que a empresa arcou com o estrago, iria cobrar como, daquele duro?
Outro caso é o de um policial, no início dos anos 1980, que foi ao Paraguai em uma excursão de sacoleiros. Foi o "boom" da muamba paraguaia no Brasil e ele quis pegar a boquinha, só que era um sujeito meio xucro, que não abria mão de falar do jeito que falava e nos termos que sempre falava, quase sempre sem se preocupar se iria ofender, afinal sempre freqüentava os mesmos lugares, falava com as mesmas pessoas e nem mesmo se importava com notícias de fora do país. Ele foi ao Paraguai. Acontece que entrou na loja de um chinês, não filho ou neto de chineses, mas um chinês autêntico made in China, com todo o complexo e melindroso código de honra dos orientais.
A certa altura, falando pelos cotovelos, rindo, perguntou brincando se aquela mercadoria era legítima ou se era falsificação; foi expulso aos berros da loja, sem entender o motivo de tê-lo sido. Este caso poderia ter culminado em um assassinato, e a polícia paraguaia da época teria dado razão ao chinês. Ele confiou que sua larga experiência de vida e serviço, o gabaritaria a lidar com qualquer pessoa em qualquer situação, mas outra cidade não é a mesa de bar costumeira com a roda costumeira de amigos, que dirá outro país! Que dirá alguém do outro lado do mundo!
Há ainda um agravante relativamente recente ao apego de costumes locais, é a insistência de muita gente em classificar essa alienação como "sabedoria comunitária", não raro tentando impor a idéia de que isso é vida autêntica, como se ignorância fosse um elixir contra a corrupção. Como se não houvesse parlamentares com diplomas de faculdades pay & play, quando não falsificados. Por corrupção entenda-se todo e qualquer comportamento que cause danos em proveito próprio a terceiros, o que no meu padrão inclui furar fila.
Há uma diferença tão sutil quanto perigosa, entre falar a linguagem que o outro compreende, e simplesmente imitar o que ele fala, este o expediente mais utilizado para tentar "socializar" alguém. A imitação deliberada não melhora a vida do imitado, só o priva de se aprimorar e crescer como pessoa. Aliás, vai uma informação que nem todos conhecem, sobre o modo de falar de gente que nasce a praticamente morre sem sair do campo; é imposto. Sou descendente de gente assim, o modo como eles falavam era imposição dos coronéis locais, que não admitiam que alguém dentro de seus domínios demonstrasse mais cultura do que eles. Em suma, não é uma cultura verbal gestada e formada, é a continuação inconsciente de uma repressão duríssima ao próprio desenvolvimento humano do indivíduo como ser humano.
Uma das muitas lições que aprendi, lidando com adolescentes problemáticos, é que ninguém ajuda o outro simplesmente lhe facilitando as coisas, às vezes a facilidade só atrapalha. Quer ajudar? Mas quer mesmo ajudar? Não tenha pena, tenha respeito; são coisas parecidas, mas uma é a Ruth, a outra é a Raquel.
A mãe de uma amiga contractou uma diarista que lhe fora indicada, diziam saber fazer bem o serviço doméstico. A dona da casa saiu para arcar com seus compromissos, confiante, quando a certa altura do dia, a diarista liga questionando, indignada, o que eles tinham feito para as panelas ficarem tão encardidas. Disse ter sido necessário usar uma faca para raspar a sujeira, que estava grudada nas peças, que tinha levado o dia inteiro na tarefa. Voltando para casa, ela viu o que temia: a diarista raspou todo o teflon que havia naquela cozinha.
Não, ninguém é obrigado a conhecer o que não faz parte de seu cotidiano, mas se sair do pequeno mundo onde ele é possível, o desconhecimento do mundo exterior vai trazer problemas; a questão não é "se", mas "quando" vai acontecer o pior. Principalmente se a pessoa insistir em usar de seus modos costumeiros em um ambiente que desconhece, ambos podem ser e geralmente são incompatíveis. Sair da clausura cultural que lhe dá a torpe sensação de felicidade, vai exigir que abra mão do conforto alienativo que pode ser muito caro ao indivíduo, como parecia ser para aquela diarista.
Outro caso é o de um candidato a motorista, que foi fazer um teste na transportadora de um amigo que não vejo há vinte anos, talvez. Acontece que essa transportadora só utilizava caminhões de ponta, que utilizava tecnologia de última geração, que ainda hoje nem todos os caminhoneiros se preocupam em conhecer. O problema ocorreu com o diferencial, cuja função explicarei para ajudar a terem uma idéia do que houve; Por conta da largura de um veículo, e tanto mais quanto mais largo, as rodas da direita e da esquerda giram em velocidades diferentes, em uma curva. Em um caminhão isso é muito crítico, porque é um veículo muito largo, muito pesado e tem pneus com aderência muito grande, o que poderia gerar quebras freqüentes, não fosse aquele componente enorme que se vê por baixo e detrás, que parece uma bola, ele permite que as rodas do lado de fora da curva não sejam arrastadas pelas do lado de dentro, e não atrasem estas, evitando forçar demais componentes muito caros.
Pois bem, não sei a que aquele candidato estava habituado, mas com o diferencial travado (recurso para facilitar sair de atoleiros e outras emergências) ele não só fez uma curva fechada durante o teste, como a fez em alta velocidade, e ainda deu cavalo de pau! Resultado? Um barulho horroroso de metal sendo quebrado, triturado e moído. Um prejuízo que poderia facilmente comprar um carro popular. Claro que ele foi dispensado e claro que a empresa arcou com o estrago, iria cobrar como, daquele duro?
Outro caso é o de um policial, no início dos anos 1980, que foi ao Paraguai em uma excursão de sacoleiros. Foi o "boom" da muamba paraguaia no Brasil e ele quis pegar a boquinha, só que era um sujeito meio xucro, que não abria mão de falar do jeito que falava e nos termos que sempre falava, quase sempre sem se preocupar se iria ofender, afinal sempre freqüentava os mesmos lugares, falava com as mesmas pessoas e nem mesmo se importava com notícias de fora do país. Ele foi ao Paraguai. Acontece que entrou na loja de um chinês, não filho ou neto de chineses, mas um chinês autêntico made in China, com todo o complexo e melindroso código de honra dos orientais.
A certa altura, falando pelos cotovelos, rindo, perguntou brincando se aquela mercadoria era legítima ou se era falsificação; foi expulso aos berros da loja, sem entender o motivo de tê-lo sido. Este caso poderia ter culminado em um assassinato, e a polícia paraguaia da época teria dado razão ao chinês. Ele confiou que sua larga experiência de vida e serviço, o gabaritaria a lidar com qualquer pessoa em qualquer situação, mas outra cidade não é a mesa de bar costumeira com a roda costumeira de amigos, que dirá outro país! Que dirá alguém do outro lado do mundo!
Há ainda um agravante relativamente recente ao apego de costumes locais, é a insistência de muita gente em classificar essa alienação como "sabedoria comunitária", não raro tentando impor a idéia de que isso é vida autêntica, como se ignorância fosse um elixir contra a corrupção. Como se não houvesse parlamentares com diplomas de faculdades pay & play, quando não falsificados. Por corrupção entenda-se todo e qualquer comportamento que cause danos em proveito próprio a terceiros, o que no meu padrão inclui furar fila.
Há uma diferença tão sutil quanto perigosa, entre falar a linguagem que o outro compreende, e simplesmente imitar o que ele fala, este o expediente mais utilizado para tentar "socializar" alguém. A imitação deliberada não melhora a vida do imitado, só o priva de se aprimorar e crescer como pessoa. Aliás, vai uma informação que nem todos conhecem, sobre o modo de falar de gente que nasce a praticamente morre sem sair do campo; é imposto. Sou descendente de gente assim, o modo como eles falavam era imposição dos coronéis locais, que não admitiam que alguém dentro de seus domínios demonstrasse mais cultura do que eles. Em suma, não é uma cultura verbal gestada e formada, é a continuação inconsciente de uma repressão duríssima ao próprio desenvolvimento humano do indivíduo como ser humano.
Uma das muitas lições que aprendi, lidando com adolescentes problemáticos, é que ninguém ajuda o outro simplesmente lhe facilitando as coisas, às vezes a facilidade só atrapalha. Quer ajudar? Mas quer mesmo ajudar? Não tenha pena, tenha respeito; são coisas parecidas, mas uma é a Ruth, a outra é a Raquel.
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