16/12/2012

País sem nação

Ok, o Corinthinans venceu, é campeão do mundo, e nhe-nhe-nhe. Tenho uma dúzia de amigos corinthianos que, espero, resistiram a várias taquicardias seguidas. Eu, pessoalmente, não dei a importância atribuída, mas o evento suscitou uma pequena linha de pensamento, me fazendo lembrar de factos reincidentes.

Ouço dentro de casa, que aqui se torce para qualquer time que for jogar lá fora, mas se for o Goiás, eles torcem até para a Argentina. Similar ouvi de torcedores de outros times, que entrevistados, torceram para o Chelsea, por causa da rivalidade interna. O facto de ser um time brasileiro trazendo a premiação para o Brasil, não lhes pesou na decisão.

Há algo que muita gente, na verdade creio que a quase totalidade, não sabe sobre o oriente médio e a Escócia, mas que cabe muito bem aqui. A Escócia, antes de ser anexada ao Reino Unido, era formada por clãs. Cada clã utilizava pigmentos específicos para fazer as estampas-padrão da região, foi assim que surgiram as diferentes padronagens de xadrez dos kilts escoceses.

A necessidade de padronizar os kilts, e até as saias femininas, quando fosse o caso, era por esses clãs viverem em pé de guerra, literalmente. Era como no oriente médio até hoje, com aldeias que se estranham tanto, que até o idioma sofre pressões de dialelos locais. Em ambos os casos, eles esqueciam suas rivalidades quando um inimigo comum os ameaçava, no caso da Escócia, os ingleses. Era isso que tornava e ainda torna a Escócia, uma nação, mesmo como país subordinado a Londres.

Em ambos os casos, quando o inimigo comum era repelido, voltavam a se digladiar e perpetuar as juras de vingança pela morte, causada pela vingança jurada pela morte causada por uma vingança, que foi causada por outra morte motivada por vingança, que serviu para responder à morte de outro que fora executado por vingança, et cétera, et cétera, et cétera.

Claro que não quero isto para o Brasil. O banho de sangue pela guerra entre as famílias Alencar e Saraiva, à qual o governo da época concedeu uma vergonhosa conivência, por conveniência política, me dá uma lição local suficiente.

Há ainda a lição dos judeus. Desde que eram cativos o Egito, vamos aqui desconsiderar questões e registros meramente religiosos, eles tinham várias características em comum, além do monoteísmo. Preservaram seu idioma, sua cultura, até mesmo os traços físicos que tantas caricaturas têm rendido, e suas famosas habilidades financeiras. Eles sabiam quem eram desde então.

Mesmo dispersos por incontáveis episódios, em tantas circunstâncias que a história talvez desconheça todas, continuavam a ser hebreus, logo em seguida, judeus. Se um deles viajasse para outro país e lá houvesse judeus, haveria reconhecimento mútuo. Ele seria acolhido pelos seus, como pessoas de outras etnias jamais conseguiriam em terras estrangeiras... Talvez nem nas próprias.

Quando eu falo "estrangeiras", considero que qualquer viagem de duzentos quilômetros, até o século XVIII, era uma grande aventura. A maioria das pessoas morria sem jamais ter saído dos arredores de onde nasceu. Os Estados nacionais são relativamente recentes, assim, mesmo uma região mais distante dentro do mesmo país, para muitos era considerada como terra estrangeira.

Continuando, de modo muito mais acentuado do que os escoceses, os judeus formaram uma nação tão coesa e homogênea, que a ausência de um território não a desfez, pelo contrário. Assim como nos plásticos feitos de polímeros aromáticos, a distância física fortaleceu os laços. Assim, quando o Estado de Israel foi fundado, recebeu um povo disposto a defendê-lo a qualquer custo. Ainda que as diferenças internas sejam famosas... Desculpem, a perfeição não habita este orbe.

Voltemos ao caso do futebol, que causa tantas mazelas quanto os chateus radicais acusam a religião de fazer. Aqui temos um agravante, porque as rivalidades internas não são esquecidas em prol da sobrevivência coletiva. O néscio prefere ver recursos valiosos irem para outros países, a ver o time/gangue/partido/raio-que-o-parta alheio recebê-lo. Eles estão se lixando para o Brasil, querem ver seus adversários de joelhos, pelo prazer fútil de assistir à sua derrota.

Vamos ser francos, se algum país decidir ser realmente um inimigo, e quiser nos invadir, com esta mentalidade tacanha vigente, nós estamos lascados. E temos vários vizinhos com governantes ego-megalomaníacos, que adoptam a máxima de "l'etat c'est moi". A Argentina é um deles.

Me vem a sólida impressão, de que se alguém prometer eliminar o time rival, muita gente facilitaria uma invasão. Não estou exagerando, basta estudar as quadrilhas que se denominam "torcidas organizada", não que todas o sejam, para perceber isso.

Agora pensem bem se, neste contexto mórbido, este país tem como sair do atoleiro terceiromundista. O brasileiro sequer se reconhece como brasileiro! Ele é primeiro flamenguista, depois carioca, depois (do Estado) fluminense, e só por último é brasileiro. Isso se não houver uma facção dentro da torcida, porque então a importância do gentílico cai mais um pouco. O sujeito se endivida, sai do emprego, deixa família e o escambau, para ir ver dois jogos do outro lado do mundo, sem nem saber rir no idioma local. Mas vai chamá-lo para uma campanha de conscientização em benefício coletivo! Ele preferirá ver o próprio filho morto, após atravessar o pára-brisas, do que beneficiar o torcedor do "time rival".

Era para ser uma diversão, não era? Mas só se tornou o exemplo de como o brasileiro pode ser anti-brasileiro, além de ter se revelado um poço de corrupção e desdém para com os serviços públicos. Mas, e daí? O meu grupo está bem, está alegrinho, festejando mesmo na miséria, tripudiando sobre seus inimigos de outros times, enfim.

Se houvesse uma ong com um pingo de vergonha na cara, que realmente quisesse fazer algum bem aos compatriotas, se encarregaria de viabilizar intercâmbios culturais dentro do país, entre regiões, ideologias, etnias, classes sociais, entre imigrantes e nativos, enfim, trataria de fazer o brasileiro se reconhecer como brasileiro, tratando de transformar suas diferenças em base de apoio, não em pólos repelentes.

Claro que há os chacais que se aproveitam, que ganham muito com essa mentalidade inconseqüente. São aqueles caras que "roubam, mas fazem", que já têm 13° e 14° salários aprovados de próprio punho, na surdina, e acabarão tendo salários semanais se continuar assim, livres de impostos. Aqueles que impedem construções de aquedutos para beneficiar a máfia dos caminhões-pipa, que dão costas-quentes à exploração sexual infantil nos rincões da região norte, que loteiam as cidades em prol de especuladores imobiliários que lhes financiaram as campanhas, pondo à venda até quartéis, como o Batalhão Anhangüera, em Goiânia.

Mas, tudo bem, o meu time é campeão, o torcedor do outro está chorando e o filho dele foi morto na última briga de torcidas.

P.S: Os leitores mais assíduos devem estar se perguntando sobre os textos de natal. Me desculpem, o espírito natalino, que costumava me tomar logo em meados de Novembro, desta vez me boicotou.

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