27/01/2012

Menina cinqüentinha


Uma pequena pausa nos sarrafos das últimas semanas. Estou cansado e estressado, sem cabeça para continuar a revirar a lama da personalidade humana. Falo hoje de uma surpresa aprazível em um lugar insuspeito.

Foi na terça-feira, em uma padaria aqui perto, na habitual fila do fim de tarde. Por outra porta, ao mesmo tempo em que eu, entrou uma menina em fase ainda precoce da vida adulta. Assim como a oitentinha, não era a tanto a beleza singela e meiga que chamava minha atenção, mas a caracterização; mais ainda a naturalidade com que se portava naqueles trajes. Não fez gênero, comportou-se com a naturalidade de quem está habituada ao tipo.

A saia era curta, logo acima dos joelhos, preta com estampa de pois em um efeito interessante, espaçadas em cima e se acumulando na base, como se fossem flocos de neve em fundo preto. Apesar de curta, e no fim dos anos cinqüenta já havia saias curtas, a saia de tecido fino e cós alto se portava bem. Parecia bem uma névoa com flocos, pendurada à cintura, oscilando com os passos.

A camisete com trios de listras da mesma cor branca, mas mais compactas, mostrava bem a honestidade daquela idumentária que parecia não chamar a atenção de mais ninguém. Honestidade que se traduzia também na falta de enchimento. A moçoila em questão é esbelta, e o volume do busto condiz.

Os óculos de armação fumê fina e lentes grandes deram moldura àquele rosto delicado, sem excessos de maquiagens. Completando o rabo-de-cavalo negro até a base do pescoço. Tudo bem harmônico e agradável.

Fechando a descrição de sua discrição, sapatos baixos, beges claros, com textura de couro de jacaré, com o bico liso em tom mais escuro. A pose de bailarina, ao ficar parada, deu o a graça cinqüentista, infelizmente só notada (muito discretamente) por mim.

Parecia-se com uma boneca, mas uma boneca viva, de carne e osso, que por não se portar como se sexo fosse a única razão de viver, teve sua beleza evidente apenas para olhos treinados. Olhos treinados e mentes maduras, que não se esforçam em permanecer na adolescência.

Não só a pose, mas a postura civilizada, de manter uma distância respeitosa do freguês da frente, não ocupar mais espaço do que lhe cabia e não berrar para fazer seu pedido à balconista. Na realidade nem deu para ouvir sua voz, pois atrás de mim havia o exacto oposto, duas 'senhoras' com roupas 'descoladas' de forte apelo 'jovem'. Calças longas, mas nem um milímetro da educação que aquela mocinha demonstrou o tempo todo. E mesmo com visual moderno, falavam asneiras machistas que me embrulharam o estômago, como 'acha que homem troca a família por prostituta', só faltando recitar "O homem em nada peca". Além de não se aterem ao seu espaço e esbarrarem em mim a cada passo que a fila dava.

Ah, sim, era tem uma característica que hoje soa como crime hediondo para muitos: é branca. Não vi sinais de bronzeamento, pelo que deduzo ter uma exposição prudente ao sol. Nenhuma queimadura de escape de motocicleta nas pernas. Com tipo de jovialidade que não descambou para a auto destruição em voga, ela personificou o sonho acalentado no meio de século passado; uma jovem bonita andando tranqüilamente pelo bairro, comprando o que precisa e voltando para casa sem medo... pena que a decadência de Campinas não condiz com aquela figura.

Fomos juntos ao caixa... Digo "juntos" no sentido de "ao mesmo tempo". Ela atravessou a rua amparando a saia ao vento, subindo a rua Rio Verde, enquanto eu segui pela Sergipe. O pouco tempo foi suficiente para perceber que a graça demonstrada na padaria, está também no modo de andar e em sua postura altiva.

Não me engano, não é a primeira que eu vejo alguém trocando os apelos pubianos pela graça e elegância. Por isso mesmo foi até bom não ter chamado a atenção de marmanjos com aborrescência estendida, teriam estragado a cena e atrapalhado a contemplação. Sem exagero, lembrava bem Liz Taylor.

2 comentários:

Vy disse...

Primeiro, percebo que li algo semelhante num encontro casual desses dentro do ônibus, oi foi no metrô? E achei demais sua minúcia nos detalhes até dos sapatos. Ainda existem pequenos modelos de boa educação e estilo no mundo, mas os BBBs da vida fazem o povo ficar cego atrás de bundas malhadas (com o perdão da palavra)e apelos de toda sorte querendo provar não sei o que, não sei pra quem...
Bom fim de semana querido! Vy

Nanael Soubaim disse...

Foi em um ônibus. O dinheiro do netrô foi enfiado em algum cofre que não o destinado á sua construção.
Há pessoas fartas dos modelos enfiados goela abaixo pelos publicitários, e são justamente a parte que se salva da juventude.