09/09/2011

Numa sexta qualquer

Dream, a little dream...
Cinco da matina é hora de levantar... Na verdade às 04h50min já estou arrumando a cama para começar a rotina. Os guias não se importam com meu bafo de múmia, então tudo é precedido por uma prece.
É triste ter que descer na Avenida Goiás e enfrentar de dez a quinze minutos de caminhada em um roteiro (àquela hora) cheia de lugares ermos, então não posso me dar ao luxo de um lanche antes de sair, tenho que pegar outro itinerário para descer a uma quadra do serviço. Como durante o trabalho.

A única vantagem de sair tão cedo, é ser a única hora em que o transporte público oferece alguma dignidade, pelo menos naquela linha, porque várias já passam lotadas antes das seis horas. E o trânsito ainda não estressa. Ainda dá para se apreciar alguma coisa do que restou da arquitetura da cidade, antes de o prefeito rasgar os gabaritos em prol da especulação imobiliária.

Pois sim, tiraram os cobradores e a economia não rendeu melhoria nenhuma. Aumentaram o preço da passagem e os mesmos paus-de-arara mal conservados nos levam pelas ondulações da cidade.
Bolsa com apetrechos e refeição, guarda-chuva e sono, muito sono de quem precisa de férias desde o começo de Agosto, mas só terá em Dezembro.

Com a debandada dos guardas municipais para as polícias civil e militar, a autarquia fica sozinha, quando muito com um vigia que nem sempre está lá. Eu abro o portão, passo entre os carros, desço um pouco e subo três poucos. É uma lástima ver aquele computadorzinho pré-cambriano pifado, quase tanto quanto já não ter sala própria.

Faz parte da rotina uma meditação, enquanto faço o chá e, não me custa, arrumo a copa para as moças. Feito o chá, subo e faço outra prece, que o lugar é muito carregado. mais carregado do que aluno empurrado em escola pública.

Começo a trabalhar em minha função propriamente dita, antes do meu horário formal. Na prática é uma hora que dôo ao erário. Muita gente faz isso, não sou o único. É gente que jamais ganha prêmio nenhum, nem é indicado para porcaria alguma de reconhecimento, inclusive para "funcionário padrão". Todo mundo já se desiludiu com os incentivos organizacionais e suas palestras forçadamente empolgadas, não funcionam mais.

Quase tão ruim quanto receber peças atrasadas, é não ter formação em arqueologia egípcia, porque os hieroglifos de alguns fiscais são de lascar! Interpreto por semelhança, vendo várias peças do mané para comparar e deduzir que palavra é aquela. Agrava o vício em prolixia de alguns fiscais, que acabam confundindo com excesso de palavras supérfulas á comunicação. Mas nada supera um sistema que trava utilizando o sistema DOS purinho e simples. Para cada passo que o computador dá, ele precisa enviar solicitação à central e esperar pela resposta, que quando todo mundo está usando pode demorar muito, a ponto de eu precisar resetar a máquina, e às vezes perder todo o trabalho já feito. Alguém aí já viu um computador travar com o DOS? É bizarro!

Entre um serviço e outro, entre um alongamento e outro, vejo pela rede as ameaças do dia, pelo que já escrevi; já faz algum tempo que não recebo, mas é questão de hábito. O problema é que, se com o DOS a porcaria do sistema trava com a semi-censura fútil da prefeitura, imaginem com o ruindows interlerd exploder! Nem a página da Anvisa, órgão máximo da vigilância sanitária no país, podemos acessar para orientar o contribuinte.

Uso meu e-mail mesmo, para fazer o serviço, porque o da prefeitura deu pau há anos e as novas senhas que me mandam nunca funcionam, então prefiro não esquentar com mais essa besteira, há muitas outras que valem à pena. Só que ele, de vez em quando, também trava... Dá nos nervos!

Em um armário, num canto, repousa a placéria esclerosada Epson 2170, que sempre voltava da manutenção pior do que quando tinha saído, inclusive faltando peças. Quando ela passou a só puxar e mastigar papel, em vez de imprimir, a aposentei compulsoriamente. Uma nova? Há uma matricial nova no monitoramento, mas nunca foi instalada, e só pessoal autorizado pode fazer isso, por mais qualificados que sejam meus colegas; e eles são!

Eu não posso com ar condicionado. Infelizmente é um conforto que não posso me dar, pois as dores no corpo, a coriza, a dor de cabeça e a sinusite não perdoam. Fico com a janela aberta, passando calor, suando às bicas em frente à carroça puxada por mula manca que me oferecem. Interessante notar que, com o login na minha conta no blogger, a mula manca menos, mesmo com um retrato de Audrey Hepburn como fundo. Vai entender! A prefeitura dá a impressão de querer que todos os funcionários administrativos comprem notbooks para usar no trabalho.

Outro detalhe que pode parecer bizarro, é eu tomar chá quente durante o expediente, mesmo com o calor me cozinhando vivo. Acontece que o calor de Goiânia, nesta época do ano, vem acompanhado de um teor de humidade relativa baixíssimo, que no mês passado chegou a dez por cento. O líquido quente, ainda que desconfortável, me ajuda a respirar.

Na medida do possível,  e de nossos bolsos, tocamos o serviço a compensar as deficiências de material da autarquia. Papel higiênico, por exemplo, eu levo, porque aquela lixa d'água eu não passo em mim!

Às treze, sete horas depois do início, nem um segundo antes, assino o ponto, pego minhas tralhas e saio sob o guarda-chuva, que o índice de radiação ultravioleta está ultraviolento. São de dez a quinze minutos de caminhada. Acontece que o ônibus que pego para ir, não tem a mesma presteza para voltar, então bato pernas no microondas goianiense até outro ponto de ônibus. O trânsito já está caótico, as bonecas enrustidas já estão exibindo a masculinidade que sonham ter ao volante, os motoristas de ônibus já estão enfartando, enfim. Vou arriscando minha pele para poder voltar para casa.

Às vezes coincide de eu chegar quase junto com o ônibus, às vezes coincide de o semáforo me prender e ele ir embora diante de meus olhos melancólicos. O certo é que não existe horário, na prática não existe não importa o que a secretaria de transportes desumanos fale. Chega o ônibus (às vezes acelerado pelo atraso excessivo, às vezes se enchendo rápido porque o anterior não passou) e eu subo. Enfio o bilhete naquela maquininha infame e passo, vou para o fundo, ser assado enquanto o veículo enche. Nada de delicadezas, a precariedade faz o passageiro se cansar mesmo sentado.

Chego à casa, não raro, uma hora e meia após deixar meu posto. Com freqüência mais cansado pelo transporte do que pelo trabalho. Um carro? Um lap-top? Esqueçam. O salário acaba e o mês continua.

4 comentários:

cRiPpLe_rOoStEr a.k.a. Kamikaze disse...

Tem momentos em que uma moto pode ajudar bastante, mas e o medo de ser atropelado por algum ônibus com freio mal-regulado ou algum dos bambis enrustidos metidos a piloto de fuga...

Jo Meskita disse...

Boa noite Nanael...

Excelentissima (?1)postagem... de certo que quase todos nós passamos por isso, mas ninguem poderia descrever tão bem o dia em palavras tão coerentes... Adorei o Blog. Seguindo desde de já!

Anauê

Lilly Rose disse...

Bom dia meu querido Nanael!!

Mas que relato o teu, amigo !!!
É preciso ser muito cônscio de seus deveres,(como tu és) para enfrentar um rotina deste calibre.

Por Deus, que lástima !! Nem ao menos um bom PC para trabalhar ??

E tu ainda tens a delicadeza de ajudar a arrumar a copa p/tuas colegas ?
Nanael, se minha varinha de condão funcionasse, eu te arranjaria um lindo Fusca, bem do jeitinho que aprecias. E um PC deste século, ao menos.

Eu já vi um PC com o DOS a travar sim !! Eu comecei a trabalhar com Informática qdo mais jovem.
Era realmente complicado, usava a linguagem Basic e D-Basic.

Está na hora das autoridades, seja em Goiânia ou em qualquer outro estado, valorizarem os bons funcionários como ti.

E lhes darem, além de uma melhor remuneração, condições dignas de trabalho !!

Amigo, somente ti para descrever o que passa a maioria dos brasileiros c/tamanha sagacidade. E ainda... com bom humor !!

Que tudo melhore p/ti meu amigo querido !!

Abençoado FDS !!

Aromas de Hortelã...

Lilly Rose

Nanael Soubaim disse...

Kamikaze, a coisa aqui está feia! Até Harley é acuada, imagine uma moto pequena! Seta? Quéquéisso??

Sebastian, agradeço. Sempre faço questão de deixar claro: Não sou o único, a atrocidade é generalizada.

Lilly, pelas tuas intenções nós teríamos o mínimo para trabalhar, mas tenho colegas que recebem complementação para ganhar R$510.

Bom descanso, crianças, tenham juízo.