09/07/2011

Carona humaniza até o trânsito

Estou indo para aqueles lados. Entra!

Quem viu o transporte público de Goiânia há cinco anos e o vê hoje, lê com desdém, e até um pouco de raiva, a recomendação de intelectuais para se deixar o carro em casa e usar o ônibus. O secretário de transportes da cidade acha que para nós, pagadores de seu salário, o que temos hoje está bom demais, se negando maquiavelicamente a reconhecer que nossas linhas de ônibus já foram invejáveis. Ele não usa, então mente de forma descarada a mando de quem patrocina campanhas eleitorais.

Sei que no restante do país a situação não é muito melhor, via de regra é daqui para baixo. Mas já enchi vocês demais com minha irritação em outros textos recentes, então paro por aqui com a parte política. Vou a uma solução prática que não depende da senvergonhice estatal.

Dêem carona. Acostumem-se a levar amigos e parentes, quando o destino estiver em seu itinerário. A convivência que o cotidiano corrido nos tolhe é outro bônus. Havendo mais de um com carro, pode-se fazer o rodízio, que funciona como rateamento das despesas. É preciso que o carro seja muito, mas muito beberrão para que quatro pessoas a bordo não consigam lucro com a substituição. É preciso que faça menos de três quilômetros por litro e seu motorista não conheça nenhuma técnica de condução para optimizar o rendimento.

Um carro particular é totalmente flexível, pode deixar cada um à porta de onde precisa estar. Para quem nunca teve o desgosto de precisar do transporte público, digo que chega a ser perigoso descer do ônibus e ainda ter que caminhar até o trabalho. Em época de horário de verão a situação piora, com a noite ainda vigorando e as sombras encobrindo facilmente um meliante. Nem falo na espera de uma hora e quarenta minutos que já amarguei, ainda mais para uma linha que já foi das melhores da cidade e hoje é uma merreca como qualquer outra. Em Goiânia, pelo menos, quem precisa de ônibus não pode sair ao compromisso com menos de uma hora de antecedência.

Quem tem crianças ou idosos em casa não pode sequer pestanejar a respeito. Não bastasse o serviço ruim, os ônibus são muito altos, tanto na altura do solo quanto na dos degraus. Nossos ônibus são fabricados como os caminhões, duas longas e espessas vigas de aço ligada por travessas, formando uma escada forte e fácil de ser adaptada a diversas necessidades. O problema é que a única necessidade de um ônibus é transportar gente, não precisa levar cargas com imensas variações de altura. O chassi de vigas recebe uma carroceria, cuja altura é adequada àquele. Nenhum ônibus é mais baixo em relação ao solo do que a espessura de seu chassi.
O ideal é que todos fossem monobloco, como os antigos ônibus da Mercedes-Benz, mas com piso baixo. Um monobloco com piso baixo consegue ser tão acessível quanto uma Kombi, ou mais, porque o preço de um ônibus permite recursos de acessibilidade. Mas em nome de baratear customização extrema, como se uma estrutura tubular para monobloco não o permitisse, usa-se o velho e caminhonístico chassi de vigas. Facilita a customização para o cliente, mas é péssimo para o usuário urbano. Especialmente para crianças e idosos.

Aqui vou novamente contra a maré e aconselhar o uso de carros grandes. Não, caros leitores, ao contrário do que o senso comum e leigo prega, carros grandes podem desafogar o trânsito, basta que estejam cheios de gente. Vamos para uma conta simples; Um Ford Galaxie tem cerca de 5,36m de comprimento, um Ford Ka tem 3,83m. O Galaxie leva seis pessoas, o Ka (o novo) leva cinco. O Ka tem 1,64m de largura, o Galaxie tem 1,99m. Na prática, três pessoas no banco de trás do Ka sofrem quase tanto quanto no do Fusca, no Galaxie vai todo mundo folgado, inclusive a bagagem. Na prática, um Galaxie faz o serviço de dois Kas. Dois Kas têm 7,66m de comprimento, mas no trânsito precisam manter distância, então acabam ocupando no mínimo dez metros.
Mudando de marca, Um Dobló pode abrir mão do porta-malas e levar sete pessoas. Sete pessoas em 4,25m de comprimento. Não é grande como parece, mas é encorpado e volumoso, o que garante o conforto dos passageiros. Faz o serviço de dois carros pequenos ocupando muito menos espaço.

As antigas peruas americanas... nem tão antigas assim, a Caprice Wagon saiu de linha em 1996! Podiam levar até nove pessoas, com um banco suplementar embutido no porta-malas. Ela tem o tamanho aproximado do Galaxie, um metro e meio maior do que o que nos acostumamos a comprar, mas faz o serviço de dois ou três carros pequenos; porque ainda compramos caro carros de quatro lugares.
Para o nosso caso, é possível fazer uma adaptação assim na Caravan, que tem um assoalho sobre o tanque, para nivelar o assoalho, o espaço é suficiente para um banco embutido de dois lugares, fácil de ser regularizado no Detran com o carro em boas condições de uso.

Mas mesmo um carro pequeno, para apenas quatro pessoas, pode fazer com louvor o serviço, simplesmente tirando três outros carros das ruas e quatro passageiros dos paus-de-arara urbanos. Durante o percurso, aproveita-se o tempo da viagem, porque muita gente só tem a ele para ter um pouco de vida social. Usar a carona para colocar os assuntos em dia é uma prática preciosa, que pode evitar o distanciamento que acomete amigos e familiares que pouco se vêem. Havendo rodízio a prática só fica mais preciosa, porque o inconsciente grava com prioridade quem é útil, aperta os laços sociais. Falta de vínculos e compromissos sociais, sabemos, é uma das causas da delinqüência.
O motorista percebe em pouco tempo, que aquele sujeito com quem compartilha a carona também é pedrestre, também pode lhe doer o atropelamento de alguém. Isto, alguém que faz questão de andar sozinho no carro, ou nunca usa transporte particular, dificilmente desenvolve. Aquele garoto atravessando a faixa passa a ser filho de alguém, porque ele estará se acostumando a dividir o carro com mais pais de família. Percebe que o seu filho também atravessa ruas.

Alguém vai dizer que o ônibus leva mais gente em um espaço proporcionalmente menor, é verdade. Mas a estes peço que voltem lá para cima e leiam o que já escrevi a respeito. A corrupção corre solta no transporte público. Reduzir sua importância é um meio eficaz de combate à farra com dinheiro público. Por causa dessa corrupção os veículos são sempre superlotados, mal conservados e os itinerários podem mudar sem aviso prévio ao cidadão. Afinal eles trabalham para o governo, não para o cidadão que sustenta o governo. Em uma situação próxima à ideal, o carro poderia ser utilizado somente em dias de folga ou para viagens, mas o Brasil está longe de uma situação boa, quanto mais próxima à ideal.
Bicicleta? Sim, é uma boa opção de transporte individual para curtas distâncias. Mas não dá para levar a família nela, é só para quem não precisa levar mais ninguém consigo.

Não bastassem o conforto e a segurança, o hábito ainda contribui com a melhoria do transporte público, que com menos demanda atenua o péssimo serviço aos usuários. Aliás, com a carona se tornando uma cultura, as empresas de ônibus e metrô teriam que rebolar para conseguir passageiros habilitados. A carona é uma ameaça letal ás máfias do transporte público.

4 comentários:

Anônimo disse...

A idéia da carona é boa, mas no RJ corre o risco da PM te parar achando que você faz transporte alternativo clandestino. Até provar que você não fez lotada...

Nanael Soubaim disse...

Mas que governador incompetente! A cultura da carona inibe também o transporte clandestino! E se uma família inteira estiver no carro; pai, mãe e filhos adolescentes?

cRiPpLe_rOoStEr a.k.a. Kamikaze disse...

Hell de Janeiro enquanto for governado pelo Sérgio RosCabral vai ter sempre umas coisas bizarras acontecendo. Mas a idéia de dar carona entre amigos é razoável.

Nanael Soubaim disse...

"Hell de Janeiro" foi óptima!