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Trabalho enche barriga, ideologia esvazia cabeça. |
Confesso que já me impressionei com isso. Houve época em que eu acreditava que ideologia era essencial e que sem ela a mentalidade ficaria, se não vazia, deficitária. Cazuza (de quem não sou fã, desculpem) já cantou a necessidade vital de se ter uma.
Acontece que as pessoas crescem (ou deveriam crescer) rapidamente quando alcançam a maturidade. No meu caso, já nasci velho e caduquei aos dezoito anos, talvez por isso tenha facilidade em ver tudo de fora, inclusive a mim mesmo. Ser meu pior crítico tem suas vantagens.
Houve (novamente) época em que a ideologia era essencial, reconheço. Na época da ditadura, era o que mantinha algumas pessoas com a cabeça no lugar, para não desesperar e continuar a trabalhar pelo fim do regime. Não havia internet, então toda e qualquer comunicação de massa era facilmente censurada, até uns esquerdistas tinham um certo medo da União Soviética, pelos mitos propagados. Hoje sabemos que o medo foi muito maior do que o perigo, e que os russos não comem criancinhas. Não no sentido literal.
Mas esta época passou. A ideologia deixou aos poucos de ser um farol para ser mais um dogma. Os ânimos estavam se acalmando, com a esperança de dias melhores, mas estes não vieram e eles começaram a eriçar novamente. Já explico, é só um minutinho...
Após três governos ditos de centro-esquerda (uma direita de cabelinho mais penteado), o país elegeu um governo dito de esquerda. Na verdade uma direita de foice e martelo. Todos os governos eleitos desde 1985, sendo o primeiro por colégio eleitoral, deram sua contribuição para fazer o povo se desiludir com a democracia, a ponto de hoje muito moleque que não sabe o que é um policial mandar calar a boca, ter "saudades" da ditadura. Essa garotada de hoje fala asneiras demais e não tem quem a corrija!
Os problemas começaram com a hiperinflação, me lembro bem, era lucro acordar cedo e encher vários carrinhos de compras, pois no fim do dia os preços eram outros. Não é sentido figurado, no governo Sarney os preços literalmente eram reajustados uma vez ou mais por dia. Elegemos o Collor, que chegou com a fama de "caçador de marajás", mas em pouco tempo descobrimos que ele mesmo era um dos piores, e a inflação continuava descontrolada, embora bem menos. Sai o Collor, assume Itamar Franco. Ele não fez nada, talvez por isso tenha conseguido que as cousas se ajustassem por si mesmas. Pelo menos trouxe o Fusca de volta, mas não foi o modelo
1303, ô raiva! O plano econômico do FHC (seu ministro-mor) deu tão certo, que sozinho o elegeu presidente, mas infelizmente nos deixou vulneráveis demais ao mercado internacional; foram dois mandatos neoliberais. Estávamos no caminho para o primeiro mundo, mas não tardamos a descobrir que éramos passageiros de quinta classe; além de irmos de pé fomos os primeiros a descer no primeiro problema, para voltarmos a andar o resto do longo caminho. Enfim elegemos um esquerdista(?) para presidente. Ele continuou o que o FHC estava fazendo na economia, mas logo nos primeiros meses os jornalistas reclamaram muito. No primeiro ano, por ocasião do Salão do Automóvel de São Paulo, o desabafo era "Nem na ditadura éramos tratados assim!" pela segurança presidencial. Isto na época em que a lua-de-mel sadomasoquista com a imprensa ainda vigorava. Relevou-se, tendo em vista a promessa de honestidade e pragmatismo alardeados em campanha. Mas foi um escândalo atrás do outro, muitos "companheiros" tendo que deixar o governo e o fantasma de Celso Daniel assombrando até hoje.
Para quem não conhece o serviço público por dentro, eu dou uma informação que na cartilha não consta; virou um cabide de empregos ainda pior. Quem já estava lá e não é do partido, está sofrendo horrores, inclusive com salários achatados. Assim como nos governos Sarney, Collor e FHC, incompetentes prolixos e retóricos da base aliada estão atrapalhando, em postos de comando, quem quer trabalhar e dar andamento ao serviço público. Mandam relatórios verborrágicos ao ministério competente com miríades de planos e projectos, que são abandonados assim que começam a dar problemas, que todo projecto dá. Só que eles não informam a interrupção e o governo (só desta vez inocente) fica sem entender os motivos do xingatório. Como vocês acham que os Correios viraram essa caganeira que é hoje? E pensar que eu já prestei concurso para carteiro. Um dia a bomba explode e "ninguém sabe" quem armou.
Todo o trabalho fica nas costas de quem faz direito, tentando evitar que tudo se perca pela inépcia de viciados em reuniões fúteis, discursos coloridos vazios e confraternizações fechadas, que oneram o erário público. Ninguém me mandou um e-mail dizendo isso, cara-pálida, eu estou dando um testemunho. Gente minha e eu também estamos sofrendo isso. O presidente anterior e a actual não são diferentes dos antecessores como parecem, e é aqui que começa meu depoimento contra a ideologia, ou o que ela se tornou hoje.
Durante o governo FHC, eu via gente ligada ao PSDB se lamentando pelas besteiras que ele fazia, embora não abandonasse o barco. Diziam "Quem precisa de oposição, com aliados como esses?". O fogo amigo era a maior causa de perdas do governo no congresso. Os esquerdistas, com toda razão, bradavam que eram mais aliados do governo do que sua própria base aliada.
O governo danava a soltar gráphicos, pesquisas, propagandas e tudo mais para convencer o povo de que tudo estava melhor do que parecia. E os partidários mais ferrenhos, desesperados com o crescimento da oposição, chegavam a ofender abertamente quem não acreditasse nos dados do governo. Eles se negavam a enxergar que a dívida pública crescia, que a corrupção estava aparecendo e alegavam que tudo era intriga da oposição. A oposição atacava com dados da violência, desemprego, balança comercial e todo o resto.
Eu nunca confiei em dados de governos. Se é governo, eu desconfio. Mas os ideólogos do neoliberalismo, que já estava ultrapassado quando FHC tomou posse, insistiam em caminhar nas nuvens e dizer que vender tudo para a iniciativa privada, nos transportaria magicamente para o primeiro mundo. Até hoje eles repetem essa ladainha enfadonha.
Bem, o governo Lula não se mostrou menos privatizador. Perdeu aliados históricos, que se tornaram inimigos histéricos, passou a mão na cabeça de quem foi pego com a mão na massa e a grana na cueca, acabou desmobilizando toda a esquerda histórica moderada que poderia ajudar a resolver o problema, enfim, decepcionou até gente de dentro. Hoje a presidente Roussef se apóia nos velhos inimigos, um deles seu vice-presidente.
Não, eu não gostei quando aquele cretino de mãos lisas, em um interrogatório, jogou-lhe na cara ter mentido quando foi torturada. As mulheres podem ter uma idéia do que é a tortura, basta imaginar um parto que dure um dia inteiro, pelo ânus. Os homens, algo que o panaca parece vagamente ser, não conseguem nem ter pesadelos à altura, se não experimentarem na pele uma tortura daquelas.
Os partidários mais miúdos, aqueles que fazem barulho e volume nos comícios, decidiram também radicalizar. E como radicalizaram! A exemplo dos tucanebas (como os chamam) em sua época de governo, os petebas se esmeram em atacar qualquer um que não tenha se convencido da maravilha que é o governo de hoje. Não estou dizendo "não gostar", basta não ter sido convencido para te chamarem de "viúva do FHC" e começarem a te perseguir. Isto pode ser visto em qualquer lista de comentários de qualquer jornal online do país.
Já não se fazem de cegos para casos de corrupção de seus partidários, simplesmente aprovam; tudo o que minha turma faz é certo, tudo o que a turma do outro faz é errado. Em nome da "ideologia libertária do proletariado historicamente explorado pelas elites econômicas da burguesia continuista e conservadora", eles festejam a impunidade de gente que foi flagrada fazendo o que não deveria. Não faz muito tempo, na Folha de São Paulo, vi a que raias chegou esse fanatismo ideolatra. A notícia era de que uma repórter americana, que cobria as revoltas populares contra Mubarak, fora violentada por partidários do então presidente. Para o meu nojo e da maioria dos leitores, eles acharam que foi pouco, que deveria ter sido violentada até morrer. Alguns ressuscitaram o velho bordão machista de observar a roupa que ela usava (saia longa e jaqueta, ou blusa, não lembro com precisão) para justificar o crime. Tudo porque ela é americana. Não, eles não pensam que têm mães, irmãs, esposas, filhas, nada. Só pensam em ver o "inimigo" ser destruído a qualquer custo. Qualquer custo mesmo!
Com os petebas externando o fanatismo ideolatra, os tucanebas e demonebas se sentiram à vontade para repetir a dose. Só não pregam a volta da escravidão negra e submissão absoluta da mulher porque dá cadeia, pois de resto querem retroceder tudo. A pena de morte, que não resolveu problema em lugar nenhum do mundo, é uma das bandeiras de quem ganha com a insegurança. Muitos deles têm empresas privadas de vigilância. Ignorando deliberadamente as causas da última crise mundial, pregam a quase inexistência do Estado como solução para tudo, pregam que o cidadão deve ficar solto na vida e à mercê das trapaças de especuladores, no pior estilo "cada um por si e todos contra todos". Ou vocês acham que a perseguição selvagem aos homossexuais e a praga neonazista surgiram do nada? Não, caros leitores, eles eram pontuais, mas já existiam. Hoje vêem nos desvairos da pseudoesquerda um pretexto para tentar impor uma pseudoordem à sociedade. A ideologia de extrema direita está sendo alimentada pela ideolatria da esquerda conivente. Na verdade uma se alimenta da outra. Se um dos grupos embarcar em um navio, este afundar e todo mundo virar comida de tubarão, a outra se suicida.
Fazem troça contra quem reclama dos absurdos que o mec libera como livros. Estão emburrecendo mais nossas crianças e eles dizem que quem fala direito é burguês. Eu sou a favor da regionalização da escrita, só enriqueceria a língua. Não é o caso. O caso é tolerar falar e escrever contra todas as regras da língua. Além de tachar Monteiro Lobato de racista sem fazer duas cousas que quem sabe ler direito faz facilmente: Ver o contexto e ler toda a obra antes de dar veredictos. Estou acompanhando a involução, in loco, da população há vinte anos e nunca na história deste país ela foi tão acelerada. Só pra exemplificar, colegas de trabalho que dão aulas em faculdades, estão lidando com a primeira leva que passou pela malfadada "progressão continuada". São alunos que estão na faculdade e não sabem nada. Uma chegou a tentar secar luvas em um bico de bunsen, após passar álcool, porque achou que com teor de 70% não seria mais inflamável. Sofreu uma queimadura leve porque foi ágil e tirou a luva rapidamente. É só um mau exemplo do que os governos anteriores implementaram e os seguintes mantiveram. Quer saber? São grandes as chances de esta aluna formular um medicamento controlado que vocês terão que tomar. E os partidários do governo acham lindo o aluno não sofrer trauma nenhum em decorrência de reprovações politicamente impatéticas, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá... Há cousas antigas (
aqui e
aqui) que fazem muita falta. Reler os bobos de glúteos planos que eles idolatram e me mandaram ler, como se eu não soubesse as bobagens que escreveram, não faz falta.
Enquanto um grupo quer levantar muros em bairros nobres, para impedir a entrada de pobres que não forem empregados de moradores locais, o outro quase confessa que quer tornar crime hediondo a ascensão financeira; alguns mais exaltados confessam abertamente. Os dois falam em salvar a democracia, mas ambos namoram apaixonadamente ditadores que suas lideranças apóiam ou apoiaram. Um tenta justificar o pardieiro em que Berlusconi transformou a Itália, já que ele é um direitista sem-vergonha da pior estirpe. O outro age como se Ahamadineijad fosse um revolucionário de esquerda e se recusam, às vezes com agressividade, a tocar no desrespeito aos direitos individuais, especialmente das mulheres.
O lema deles é "Quem não é nosso soldado é nosso inimigo". Juram que quando tomarem definitivamente o poder, todos os problemas desaparecerão, que a sociedade será feliz para sempre e que a paz eterna reinará no Brasil. E muitos deles realmente acreditam nisso, o que os torna mais perigosos.
Liberar as drogas? Eu já disse (
aqui) com teor técnico, sem opiniões pessoais guiando, porque não acontecerá. Não do jeito que os paranoicos querem. Teve gente chiando, mas só conseguiu reclamar com discursos e prolixia. O mesmo para os que querem simplesmente matar os dependentes, como se novos viciados não fossem aparecer por causa da execução de alguns.
Ah, querem saber qual a minha posição. Vou dizer; um grupo já me chamou de pelego reacionário, o outro chamou o que escrevo de lixo comunista. A minha posição é a do bom senso, da racionalidade e da repulsão de ideolatras. Ideologia já foi algo bom e necessário, hoje é só uma palavra usada para justificar qualquer atrocidade que seus portadores queiram cometer. Eu sou (e trabalho duro em prol) a favor do respeito incondicional ao modo como cada um quiser viver, mas muito do que alguns chamam de "liberdade" é o sonho do crime organizado. Eu sou a favor de se disciplinar as crianças desde cedo, mas muito do que alguns chamam de "educar" é repetir erros que culminaram na porcaria em que o mundo se tornou hoje. Eu rechaço radicalismos. Sou contra a especulação, mas também contra o controle do estado na privacidade do cidadão. O mundo material jamais será perfeito, mas é perfeitamente possível colocar nele só o que há de melhor de cada idéia; e mesmo assim faríamos besteiras. Mas para tanto é necessário deixar o ego de lado e não querer ser parte de um grupo de heróis que salvará o mundo dos inimigos que enganam a população, et cétera, et cétera, et cétera.
Eu não sou (e não bebo) refrigerante, para aceitar rótulos. Quando eu simpatizo com um movimento, não me vejo obrigado a dar o mínimo apoio aos seus erros, nem mesmo fazer vistas grossas. Mas na base do 100% por mim ou 100% contra mim, os portadores de ideolatria não aceitam a presença de quem não agir como um soldado que passou por lavagem cerebral profunda. Assim como fazem com todas as palavras, transformaram o termo "ideologia" naquilo que lhes apraz, ao sabor de suas inseguranças e deficiências psicológicas. Ideologia, não sei se fui claro, não existe mais há uma data, bicho!
Aos que ficaram zangadinhos comigo, por ter contrariado seus heroizinhos, leiam aqui, peguem seu banquinho e saiam de mansinho.