01/04/2011

Sem copa e sem vexame

Para quem não está a par, Goiânia concorreu para sede de jogos da copa. Fui contra desde o começo não por não gostar de futebol, seria a favor se fosse bom para a cidade, mas por ter consciência do vexame pelo qual passaríamos.
As obras estão atrasadas no país inteiro e tudo acabará tendo que ser feito nas coxas e a toque de caixa, com problemas estruturais, brechas para desvios pela pressa entre outras mazelas. Em Goiânia não seria diferente, seria bem pior.

A estrutura hoteleira goianiense é pífia. Só temos um hotel cinco estrelas, na avenida República do Líbano, que já enfrenta uma via sobrecarregada, com tráfego de caminhões pesados e dificuldades para entrar e sair de carro do estabelecimento. Fora que é uma região repleta de clínicas e hospitais, com todos os agravantes e limitações inerentes. A maioria dos outros hotéis, o grosso da rede hoteleira da capital, prescinde de mão-de-obra qualificada, o que por si só já seria a ruína de um negócio onde há um mínimo de concorrência. Quando se lê o panfleto de um hotel desses, quem não conhece até se impressiona com a lista de conveniênias. Lá chegando a história muda; o auditório raramente tem metade do tamanho que a photographia fazia parecer, não tem ventilação adequada e só comporta o público prometido se todos ficarem de pé; a piscina é pouco mais do que uma banheira a céu aberto ou está em outro endereço, isso quando a tem, a maioria não tem nem área externa que não seja o estacionamento; a cozinha é bastante limitada, quando existe, não funciona até mais tarde e nem muito cedo; o estacionamento raramente excede o frugal, com vagas feitas para carros pequenos e estreitos, a serem balizados por experts.
A rede hoteleira goianiense está bem dimensionada para pernoites, para mais do que isso ela deixa a desejar. Receber equipes técnicas, imprensa, artistas e turistas de um evento tão grande seria desastroso.

Nosso transporte público estava ruim há cinco anos, piorou quando o último prefeito eleito tomou posse e hoje está completamente arruinado. É muito comum um ou dois ônibus de uma linha quebrarem e não serem substituídos, permanecendo em via pública e ocupando as vagas de estacionamento já tão difíceis. O popular "frescão", microônibus que cobram muito mais caro por itineários incertos e algum conforto, não estão aptos a carregar milhares de torcedores, repórteres e turistas. Se por fora (e de longe) a frota não parece estar tão ruim, chegando perto os remendos e a idade ficam nítidos, por dentro a dificuldade começa na subida, alguns modelos antigos estão perfeitamente adaptados para trilhas e alagados, não para o transporte urbano de tão distantes do solo. Bancos vandalizados, parafusos com pontas à mostra, janelas emperradas e acabamento se acabando, são cousas que vemos no cotidiano. Imagine um repórter de San Francisco sair de seus excelentes serviços de transporte e dar de cara com um Busscar Urbanus, com quinze anos de uso e aspecto de que foi montado com peças de um ferro-velho.

Aliás, o vexame começaria pelo aeroporto. O Santa Genoveva é pouco mais do que um barracão com puxadinhos. Cindy Lauper teve o azar de (aqui e aqui) precisar desembarcar nele, já que não há outro. O prédio é acanhado, está literalmente caindo aos pedaços em cima dos passageiros. A pista não suporta aeronaves de grande porte, ou seja, as delegações teriam que descer em Brasília e de lá virem de ônibus para Goiânia, se sujeitando a tietagens, paparazzi, acidentes de trânsito, engarrafamentos e tudo mais. As obras de ampliação foram paralisadas há anos por indícios de fraude.

No caso da cantora, ela tem a sorte de que aqui ainda se come muito e muito bem por pouco dinheiro, mas porte e quantidade de estabelecimentos não suportariam a pressão de uma copa do mundo. Os serviços se deteriorariam rapidamente e logo faltariam alguns ítens de alimentação na cidade, especialmente porque todo mundo iria querer mostrar ao seu país o "exótico pequi", que ainda não é cultivado em escala comercial e desapareceria rapidamente. Além de algumas de suas propriedades terem sido patenteadas por estrangeiros... mas esta é outra vergonha, que fica para outro artigo.
A maioria dos estabelecimentos da cidade ainda é muito provinciana, não tem e não cogita ter serviço de entrega, obrigando a quem quer ir buscar. Estacionamento é para poucos, os investimentos são quase todos feitos no salão e na cozinha, o restante é tido como supérfulo.

Celg. Aliás, Hellg; aglutinação neológica do inglês "hell" (inferno). As estações e subestações estão sempre no limite, como a companhia não passa de um cabide de empregos, não tem verba para corrigir e muito menos modernizar a distribuição de energia. Os riscos de um apagão no meio de um jogo noturno seriam tão reais quanto iminentes, teriam que escolher entre alimentar a cidade e alimentar a partida... provavelmente ficaria todo mundo no escuro. Além de terem que rezar para não chover em parte alguma do Estado de Goiás durante um jogo, porque o fornecimento cai a qualquer ameaça de chuva. Fios caídos pelas ruas são comuns, eles permanecerem assim por dias é mais comum ainda.

A rede de internet goianiense é tão ruim que dá pena, pegando carona na precariedade da infraestrutura da distribuição de energia e telephonia. Quem tem internet móvel ainda se beneficia dos caros serviços das operadoras de celulares, mas quem acreditar que um estabelecimento com internet sem fio está livre dessa precariedade, se dará mal. Mandar novidades em tempo real para a imprensa de fora seria um grande problema, principalmente porque todo mundo iria fazê-lo ao mesmo tempo. Quem não tivesse uma estrutura própria e muito cara, teria prejuízo.

Não temos atração turística nenhuma. Salvo a Praça Cívica, a casa de Pedro Ludovico Teixeira e o teatro Goiânia, quase nada de art déco restou na cidade. Era o estilo arquitetônico original, ainda bastante comum há até dez anos. O antigo prefeito rasgou os gabaritos e deu de ombros para o plano director, quase tudo foi derrubado para a especulação imobiliária e o charme dos anos 1930 que Goiânia ainda tinha desapareceu. Ainda há parques, que são pouco mais do que pistas de corrida; fora isso só feiras que há muito não têm o caráter cultural e artesanal que as justificavam, só servem para quem não quer pagar icms. Não despertam interesse senão de sacoleiros que vêm e se vão no mesmo dia, não tendo tempo para apreciar nada e não se importando com o estado em que deixam, a cidade, as feiras onde fazem suas compras.

Nas mãos de prefeitos irresponsáveis e uma câmara municipal de aluguel, Goiânia se tornou uma cidade como outra qualquer, cujos pontos de destaque não passam de reles lembranças. Perdemos a tranqüilidade interiorana que tínhamos sem conseguir em troca os bônus da modernidade. Não há verba para adequar a cidade às exigências da fifa, não em tempo hábil. Precisaríamos praticamente reconstruir toda a capital, que nem rede pluvial e de esgoto tem que satisfaça seus moradores, quanto mais uma leva de estrangeiros acostumados a ter bons serviços públicos.

Brasília será sede de jogos e os brasilienses já estão preocupados. Estã construíndo hotéis para atender a todos, mas não sabem o que farão deles quando o evento terminar. Serão prováveis elefantes brancos obstruindo a paisagem, a não ser que os transformem em condomínios.

Goiânia, de concepção bem mais antiga e muito mais carente da mais elementar manutenção pública, mal dá conta de seus habitantes. Foi melhor para o Brasil inteiro, isto evita que certos jornalistas brasiphobos usem a cidade para denegrir o país.

2 comentários:

Marcelo "Muta" Ramos disse...

Nanael, mesmo Sampa corre o sério risco de passar vergonha na Copa do Mundo, já que essa é mesmo a unica coisa séria que pode acabar acontecendo por aqui...

bem só espero que eu me engane!

Nanael Soubaim disse...

Em Goiânia houve o agravante da pretensão megalomaníaca do então prefeito, cujo ego obstruiu sua visão do ridículo a que estava se prestando.

São Paulo ainda tem uma infra estrutura gigantesca que pode ser remendada e maquiada, nós nem sonhamos com isso.