04/02/2011

Disciplina não é terror

Infância tem que ter cor, cheiro e sabor.
Há nos Estados Unidos um movimento chamado “Mães-tigre”, que em resumo tentam moldar os filhos na marra às suas expectativas. Proíbem que brinquem, que tenham amigos, que expressem suas preferências. Exigem que sejam sempre melhores que todos os outros em que circunstâncias forem, sob pena de punições severas. Devem tirar sempre dez, só entrar em uma brincadeira para vencer, só voltar para casa com medalhas de ouro.


Quem pensa que me conhece até acredita que eu aplaudo isto. Pois eu deploro.


Há uma diferença aparentemente tênue, mas muito sólida entre disciplina e neutralização da personalidade. Isto é o que estas mães chinesas estão fazendo. Elas querem que os filhos realizem os sonhos delas, que sejam o que elas querem que sejam, danem-se os petizes e seu sofrimento. Querem que sejam formados em Harvard e em primeiro lugar.


Direi o que essas mulheres estão fazendo, estão transformando crianças em monstros insensíveis ou em bonecos de marionete sem personalidade. Não dá para todos eles serem o número um, simplesmente porque só há um lugar. Estas crianças se acostumarão a ver qualquer pessoa como uma ameaça ou inimigo, que deve ser subjugado ou eliminado. Até Wallstreet está vendo com maus olhos o excesso de competição, que acaba arruinando as empresas por dentro, pela rivalidade que gera entre os funcionários. Competição é boa em certos lugares, certos horários e até certo ponto. Exigir que a pessoa seja melhor do que todos em tudo, desde a mais tenra idade, é patológico. Só para constar, mamar não é fraqueza da criança.


Para quem não sabe, nos países (como China, que certamente incentiva este disparate) autoritários, onde esta prática é tolerada pelo Estado, o índice de suicídio de crianças é imenso, e ninguém estranha. Brasileiros que viveram lá por algum tempo descrevem horrores medievais à psicologia das crianças. Formam soldadinhos prontos para fazerem o que seus comandantes ordenarem, sem contestações... Ditaduras fazem isto sem o mínimo de vergonha. Não quero iniciar uma teoria de conspiração, mas estas mães chinesas estão me parecendo muito bem orquestradas. Formar levas de pesquisadores em universidades realmente de ponta, como Harvard e Princeton, é o sonho de toda ditadura. O facto de as crianças rapidamente perderem totalmente a vontade de viver não importa a esta gente. Ditadura é sempre igual, de esquerda, direita, de cima ou de baixo, elas são todas iguais.


Vou falar de dois gênios da humanidade, sem os quais o mundo de hoje simplesmente não existiria. Einstein foi considerado um aluno medíocre e pouco inteligente. Gostava de divagar por horas e estava longe do que as tais mães-tigre querem que seus filhos sejam. Ele era considerado distraído e os professores não viam nele um futuro que valesse à pena. Pois o aluno medíocre e pouco inteligente calou as bocas dos céticos de sua época, provando que a matemática newtoniana não poderia ser aplicada além de certos limites. Graças à Deus as antas nazistas não deram crédito às pesquisas de um judeu desengonçado.


Edison se irritou profundamente com a rigidez (não confundir com rigor) com que os reverendos “ensinavam” às crianças, impondo tudo sem se importar com as diferenças de capacidade e modo de aprendizado de cada uma. Foi chamado de preguiçoso e o resto nós sabemos, passou a estudar em casa, sob a tutela da mãe. Embora exigisse resultados, ele nunca pressionou seus colaboradores como as mães-antas fazem com suas crias. Edison tem mais de mil patentes. Sua importância para o mundo foi tamanha, que sua morte, em 1931, fez os Estados Unidos apagarem suas lâmpadas por um minuto.


Todas as pessoas felizes e bem resolvidas que conheço, e de quem ouço falar com alguma profundidade, tiveram em suas infâncias o equilíbrio do rigor com o lazer. Elas tiveram lazeres, fizeram besteiras, aprenderam com seus erros e pagaram por eles na medida do razoável. Tornaram-se adultos felizes e úteis à comunidade. As mães-mongas se esquecem, talvez nem se importem, que é brincando à sua maneira que a criança aprende a ser adulta. A brincadeira é uma preparação para as obrigações da vida adulta. Aos que não sabem, digo que em colégios militares, à margem do que a disciplina rigorosa pode aparentar, os alunos brincam durante os recreios. Os soldados mesmo, nos quartéis, têm vários momentos de descanso e lazer. Por que? Porque um bom comandante sabe que o esgotamento físico é um inimigo traiçoeiro, que pega a tropa desprevenida ao menor descuido de seus oficiais. E mais, soldado feliz é soldado motivado, disposto a dar mais do que simplesmente sua obrigação pela pátria e pelo seu povo. Ok, podem tocar o hino da independência, fui fundo nisto. Mas é tudo verdade. Não, não sou militar.


O que me parece, é que essas parideiras querem ter alguém que lhes permita olhar os outros de cima, querem que os filhos sejam seus pedestais. Se importam somente consigo mesmas. Pela intimidade que adquiri com o tema “política”, acredito piamente no incentivo estatal natal a este comportamento.


Quando ouvi falar pela primeira vez a respeito dessas mulheres, acreditei que talvez fossem úteis à cultural negligência dos americanos na disciplina de seus filhos. Pois o que as imbecís estão fazendo é somente revoltar as mães e dando corda para as relapsas, que a esta altura do campeonato já vasculharam a internet e têm dados para sustentarem o modo solto com que criam seus filhos. Crianças precisam de limites, sim, mas também para suas obrigações. Elas devem aprender a escolher seus caminhos e arcar com eles, devem aprender a cair e se levantar, errar e corrigir seus erros, aprender com os erros para acertar, tudo isto antes dos dezesseis anos, porque depois não haverá mais margem para ensaios. Crianças que só aprendem a receber ordens são pratos cheios para corruptos e fanáticos, enxergam em sua competitividade desmedida qualquer um como obstáculo a ser superado. Em dado momento a mãe-mula também pode ser vista como obstáculo.


Lembrei de outro exemplo, Bill Gates. Para quem acha que liberdade de expressão e escolha fada a criança ao fracasso, nunca ouviu falar deste homem. Não imagina o ambiente de trabalho que há em suas empresas e o quanto ele se tornou útil à humanidade, financiando pesquisas de medicamentos e tratamentos para doenças, tudo a fundo perdido. Gates, em um discurso em 2007 deixou claro seu descontentamento para com a frouxidão da educação das crianças americanas, mas me consta que ele respeita as decisões e escolhas de seus filhos, e faz tudo o que pode para que eles aprendam enquanto podem os valores que quer passar, porque de sua fortuna eles verão no máximo dez por cento. Algum jornal anunciou maus-tratos ou privação de liberdade na família Gates? Eles estão sendo bem preparados, com a disciplina e o carinho de que precisam. Não um ou outro, mas ambos. Mas claro que isto não interessa às mães-de-rapina, elas querem que os filhos sejam úteis somente aos seus propósitos, e aos do partido. Ninguém me convence de que não há mão política nisto.


Rigor e respeito não são antônimos. Respeitem-se os limites de cada fase da vida, dêem a disciplina de que a criança precisa e até pede de modo subjetivo, sejamos pais e não simplesmente pagadores de mesadas ou torquemandas para nossos filhos. Método e organização são bons alicerces para educar uma criança, isto eu vi na prática, não em livros retóricos de gente que se tranca em laboratórios e tira conclusões alheias à vida que corre aqui fora. O estilo varia muito, pois pais e filhos são pessoas, portanto diferentes entre si e dos outros. Não se pode esperar que um Homer Simpson aja da mesma forma que Johathan Kent,  mas ambos podem ser bem sucedidos na criação de seus filhos. Certo, não dá para comparar Clark a Bart, mas dentro do que cada um pode ser útil, este também pode ser bem sucedido. Ele pode ser um diplomata, com toda a malandragem que lhe é particular, enrolaria todo mundo e não cairia nas armadilhas típicas do ramo.


Deixem as tigresas nas selvas. Na civilização as crianças precisam de mãe-gente.

7 comentários:

cRiPpLe_rOoStEr a.k.a. Kamikaze disse...

Tem mãe que é mesmo doida. E num ambiente insalubre assim não tem como a criança não acabar desenvolvendo alguma doença mental, como sindrome do pânico...

Nanael Soubaim disse...

Ou uma psicose.

Newdelia disse...

Liberdade nada tem a ver com libertinagem. Hoje não há freio, não há educação e a coisa é séria, a começar pelas mínimas coisas.
Ouvi outro dia: "todos nos preocupamos com o mundo que deixaremos para ossos filhos. Mas, que filhos deixaremos para o mundo?"
Eu respondo: uns idiotas, sem limites, sem respeito ao próximo, uns alienados sem o mínimo de educação.
Nada que um bom tapa na bunda não resolvesse.
Beijocas

Nanael Soubaim disse...

Foi o que eu disse, quanto às mães relapsas terem neste radicalismo um pretexto para os seus próprios. Gates deixou isto bem claro em seu discurso.

Vy disse...

Estamos vivendo a Era do "estatuto da criança e do adolescente", às vezes me questiono se não deveria ser revisto... As autoridades se esquecem que crianças tendem a competir, impressionar e querem tudo para si, imagine incentivadas à isso? Já os adolescentes agridem fisicamente os professores em sala de aula, arrumam um advogado para defendê-los e "ganham a causa". Graças a Deus minhas fofas já são adultas, e hoje vejo que uns tapas na bunda foram de imenso benefício.

Unknown disse...

MUITO BOM SEU BLOG!

VOU PASSAR PARA AMIGOS!

Nanael Soubaim disse...

Agradeço, amiguinho. Volte sempre.