29/05/2010

Tá mais ou menos demais!

Bicho, eu fico grilado com os carinhas que ficam reclamando de tudo, só falam e fazem questão de enfatizar os riscos e os custos, mas na hora de ajudar a resolver ou pôr em prática, meu, eles se pirulitam!

Tá todo mundo numa nice, trabalhando para garantir os troques no fim do mês, buscando uns baratinhos para os problemas com os quais lidam. Então aparecem os bokomokos e jogam areia em tudo. Como no caso da questão de o governo brasileiro (claro, elementar, lógico, notório, óbvio) estar enrolando demais para ajudar no advento dos carros eléctricos em série no país, como outros já fazem há anos. Basta uma reportagem mais ou menos séria (como esta) trazer à luz os motivos da demora, e um monte de desagradáveis aparece para tecer comentários que levariam qualquer depressivo ao suicídio. Teve uma que afirmou que o álcool polui mais do que a gasolina, cliquem lá em cima e procurem a dita cuja (e depois cliquem aqui para verem a resposta da Audi). Eles não ajudam em nada e não sacam nada da parada, bicho. Felizmente há os que não dão trela para o trololó dos carinhas, como a Cidade-Estado de São Paulo (ver aqui) que já encomendou formalmente alguns Nissan Leaf para a frota da companhia eléctrica.

Mas quem dera a turma do não-ajudo-só-reclamo estivesse apenas na esphera dos comentaristas torpes de internet. O motivo de atrasos no caso supracitado é uma briga entre o ministério do atraso e o do desperdício, que em vez de trabalharem juntos, como se fossem parte de uma equipe que é muitíssimo bem paga para resolver pendengas e deixar o Brasil prafrentex, agem como se fossem times adversários; tal qual o ministério da mata virgem com o da roça queimada, pelos quais já estaríamos sufocados ou passando fome. Um reclama que o outro está atrapalhando os negócios, ou desabrigando populações ribeirinhas, ou o escambau à quatro. Ninguém deixa a cargo de técnicos dar os veredictos pertinentes a cada caso, só querem reclamar, na base do "quem mais chora, mais mama". Vem cá, meu, quem mora na jogada sabe que dá para fazer bem mais com muito menos recursos. O problema, neste caso, é que para tanto os cargos de caráter meramente político perdem o poder de sedução, deixando de existir e reduzindo o poder de barganha. Não é só no governo do Lhulha-lhá, isto aconteceu no do Fedegando Henrique Caloso, do Clloro, do Zezé Sarninha, et cétera. É, camaradinhas, a democracia brasileira acordou de porre, nem quero saber como será a ressaca.

A questão dos reclamões vai além. Eles não ficam contentes enquanto não sugam até a última gotícula de alegria de quem tenta levar a vida. No caso de comentários de internet, que é o mais estereotipado, eles chegam a chamar a turma para humilhar quem goste do que eles não gostaram, e ai de quem encontrar uma solução plausível para os problemas dos quais reclamam, este será vítima da inquisição cibernética. Porque reclamões são como vampiros, só sobrevivem com a agonia da vítima. Que vão sugar então o raio que os parta! Há os que chegam a sabotar sítios e blogs, com ataques à senha, para se vingarem de quem não lhes serviu de capacho. Eles ainda confiam no anonimato, esta praga que gera a maior parte da má fama dos internautas brasileiros, a ponto de algumas páginas não aceitarem IPs daqui.

Uma das principais táticas dos reclamões é usar de falsos dados científicos, misturando o "eu ouvi dizer" com pesquisas que pouco ou nada têm a ver com o assunto. Ficar no jogo da palavra contra palavra é um orgasmo, porque a saraivada de reclamações pode varar anos, e se o outro tiver o bom senso de não delongar, declaram vitória. Depois voltam para suas vidinhas medíocres que em nada foram beneficiadas pelos transtornos que causaram.

Há o caso recente do uso de tasers pela polícia. Há o risco de complicações, no caso de cardiopatias ou neuropatias do atingido, mas nada foi comprovado de grave. Os reclamões usam este risco, ainda que pequeno, para tentar barrar o uso das pistolas de choque eléctrico. Sim, reclamões, existem outros tipos de choque, mas não vou desenrolar o longo tapete do tema em um blog básico e sem pretensões acadêmicas, procurem uma página de física ondulatória ou similar. Eles se esquecem, ou fazem questão de ignorar, que o uso desta arma potencialmente nociva a pessoas sensíveis, se destina a reduzir o uso de armas cem por cento letais, para que estas só sejam postas em ação quando não houver outro recurso. Mas o reclamão não quer saber, ele só quer travar o que não conhece (ou pensa que conhece) ainda que signifique piorar a vida coletiva. Assinar um documento autorizando o uso exclusivo de pistolas de pólvora em si mesmos, eles não assinam. O taser permite que um tiro mal calculado (ou atrapalhado por imprevistos) tenha possibilidades de correcção, o revólver não permite.

Na verdade o reclamão crônico só pensa em si mesmo, não admitindo que o mais remoto e brumoso sopro de possibilidade de algo sem importância o atingir. Chegam a causar guerras em outros países na tentativa de fazer com que idéias lá nascentes não cheguem ao seu quintal. Ele só pensa do aqui e agora, não admitindo que em um futuro próximo a demanda de energia possa ser suprida, ou que as soluções caminhem junto com esta demanda, o que é o ideal. Seria, se não fossem os reclamões burólatras.

A revista Oficina Mecânia, recentemente, perguntou ao Detran qual a utilidade da vistoria veicular, uma vez que o Passat que levaram foi plenamente aprovado pelos testes e mesmo assim a presença do turbo (que reduz emissões se bem dimensionado) o reprovou. A resposta, típica de um ignorante que não sabe calcular uma cilindrada, foi esta: "As características do veículo foram alteradas de acordo com as especificações do Contran. O Detran insere e emite a documentação do veículo constando as modificações de acordo com o laudo do Inmetro. No caso de fiscalização, o agente poderá identificar se as alterações do veículo estão de acordo com o documento. Quanto a questão de emissão de gases, poluents (pleonasmo) ou ruídos, o veículo deve atender a legislação do Conama". A revista, que tem o laudo positivo do Inmetro e perguntou como contribuinte pagante dos salários, recebeu uma retórica vazia como justificativa. O facto se deve a uma portaria feita por totais ignorantes no assunto, que visa reprimir "ações indesejáveis" de turbocompressoress, compressores mecânicos e óxidos nitrosos. Por não terem conhecimento mínimo, não sabem que dá para triplicar a potência, com muito menos eficiência e maiores emissões, sem os aparatos citados. É o que dá colocar gente indicada pelas bancadas em posições que demandam conhecimento técnico e bom senso. Alguém ouviu falar que turbo só serve para tirar racha, outro alguém não se deu ao trabalho de fazer estudos científicos (como clicar alguns links na internet) e o temor de um leigo foi acatado como risco. Tranqüilizar o cidadão? Nem pensar, soluções fáceis não cabem no mundo dos reclamões.

Este é só um exemplo mais absurdo, outros ocorrem diáriamente com gente que não tem a quem reclamar, ou não tem um blog ou revista para divulgar o absurdo.

Fiquem longe dos reclamões, isole-os. Não deixem seus filhos perto deles, é sério, isto é contagioso. Reclamar e depois dar as costas é um meio fácil de colocar nas mãos de terceiros toda a responsabilidade pela solução de um problema. As crianças não podem se acostumar a isto, ou a situação do país não muda.

Levem seus planos adiante em segredo, ou os reclamões vão sabotá-los só para provar que estavam certos, ainda que estejam errados; e quase sempre estão. Só contem quando estiverem tão adiantados que não podem mais ser detidos, ainda assim sem dar detalhes. A maior raiva do reclamão (que geralmente é um vampiro social) é ver um problema antigo ser resolvido a contento, sem maiores traumas, com ambas as partes ganhando, porque isto o desarma e deixa vulnerável a fragilidade emocional e psicológica que lhe é patente. Então ele procura ajuda ou some, em ambos os casos nos livramos do problema.

Lembro ainda hoje de uma tira do genial Laerte, em que um velho (três momentos) reclamava: "Hoje está quente demais", "Hoje está frio demais", "Hoje está mais ou menos demais". mas só tem graça nas tirinhas dele, na vida real é o "O" do borogodó.

22/05/2010

Desçam do pedestal


A maioria das pessoas ainda não compreendeu que só na maioria dos dicionários o sucesso vem antes do trabalho, na maioria pois em alemão "arbeit" vem antes de "erfolg", uma louvável excessão.

É muito perigoso alçar vôos altos logo de início, quem o faz acaba (quase sempre) em dívida com alguém que pode lhe podar as asas em meio às nuvens. Foi o caso recente de dois irmãos customizadores de automóveis, que participavam de um programa de televisão e fizeram mais sucesso do que muita gente queria. Eles têm talento, disposição para o trabalho, experiência no ramo automobilístico, mas eram totalmente crus em termos de televisão, bem como do conceito que esta faz de "sucesso". E quem conhece televisão, sabe da fogueira de vaidades que alimenta, além do que a maioria dos directores não dá a mínima para intrigas e traições, desde que não envolvam o nome da emissora.

No caso desses garotos, a perseguição está se dando além das raias internas, havendo inclusive sabotagem cibernética em seus sítios e no blog recentemente aberto.

Isto não teria acontecido com Henry Ford. Quem for americophobico, pare por aqui, a rasgação de seda será longa.

Ford era filho de fazendeiros, gente humilde que não conhecia outra vida que não a do trabalho duro. Não precisa ser para tanto, mas isto forjou o caráter de aço-vanádio que lhe caracterizou por toda a vida. Ele não rejeitou trabalhos pequenos e mal pagos, para aprender a lidar com o que mais gostava, automóveis. Não lhe incomodava o facto de que um carro fosse, na época, pouco mais do que brinquedo de endinheirados, o que ele não era. Apesar do gênio ruim e da teimosia que lhe custou muitos desafetos, a humildade de dar um passo de cada vez e sempre no tamanho de suas pernas era patente. Mas a exemplo dos nossos amigos, Ford tinha um talento imenso e persistência de sobra, diferenciando (também) por sua época não ter tido o extremo mau gosto que a maioria dos customizadores de hoje tem. Ele se fez por si mesmo, por seus méritos e pela credibilidade que não veio de herança, asim como o amigo Thomas Edson, Ford subiu a montanha do sucesso a pé, com a ascenção ficando mais rápida à medida que suas pernas ficavam mais fortes. A Ford Motor Company só saiu do papel quando ele estava em condições de amealhar investidores, mas ainda assim na posição de dar as cartas. É assim até hoje, com a família Ford ditando as regras que safaram a companhia da crise que matou a antiga rival, pois a GM que existe hoje é outra empresa. A influência do fundador da empresa é tamanha, que os descendentes não esitam em colocar na presidência um estranho que lhes mereça a confiança, caso não haja um parente devidamente capacitado e preparado para o cargo, como ocorre com os Porsche. Outra, Ford pagava bem às mulheres e dava emprego para negros, em uma época em que isto poderia arranhar a imagem da empresa.

Uma das principais lições que Ford deixa é que não existem atalhos, existem armadilhas. Caminhar mais ou menos depressa na estrada é particular de cada um, mas atalhos não existem, a não ser nas estradas de verdade, na da vida são arapucas de quem nos quer viciar no prazer do êxito fácil, tomando assim o controle de nossas vidas, podendo puxar o tapete quando bem entender.

Acontece que ninguém é atraído pela comodidade do atalho se a indolência do orgulho não estiver activa. Sonhar com o estrelato, ser apontado e parado nas ruas, sair em capas de revistas (quase sempre fúteis) e jornais, cobrar os tubos por alguns instantes em uma festa de desconhecidos, tudo isto é muito tentador para quem já conhece o conforto, imaginem para quem acha uma delícia um bombom feito com gordura hidrogenada. Não há problema acreditar que se merece mais, o problema é acreditar que o "mais" deve ser dado aqui e agora, porque "Mais rápido" é justo o que está escrito nas armadilhas dos atalhos.
À medida em que alguém aceita ser colocado no pedestal, fica mais dependente dos favores alheios, um pedestal mal permite se movimentar, quanto mais sair por conta própria em busca do que se necessita. O orgulho não permite ver isto, só permite ver os outros lhe trazendo o que deseja a todo momento, sem sentir a atrofia muscular e a crescente apatia pelo vício no conforto. Quando digo conforto, não falo de almofadas e temperatura amena. É qualquer conforto, qualquer cousa que nos prive dos pequenos e efêmeros sofrimentos que são normais e necessários durante a vida, inclusive drogas.

Descer do pedestal incomoda, tanto mais quanto mais tempo se passou nele, mas só faz bem. com o tempo se reaprende a fazer o que se necessita por seus próprios meios. Quando chegar o momento de ascender, com o campo já pronto, não haverá ninguém capaz de lhe puxar o tapete, nenhuma promessa de prazer capaz de te desviar de teu alvo, nenhum plano econômico desastroso capaz de dizimar tuas conquistas.

Almejar o sucesso é lícito, mas é preciso estar preparado para ele, porque nos exige dar todo o nosso melhor o tempo inteiro. Quem faz sucesso se expõe, e a sombra dos podres fica muito visível diante das luzes do estrelato, se já não tiverem sido resolvidos até então, serão um ponto fraco muito vulnerável. É necessário ter um passado, não perfeito, mas digno de ser apresentado, sem que alguém lhe aponte o dedo no nariz dizendo "Não fosse o teste do sofá, bem, você não estaria aqui, então baixa o tom, viu". Há uma imensa diferença em ter recebido auxílio de alguém e ter sua imagem sido fabricada poe alguém.

Aos que almejam o sucesso por seus méritos, aconselho que estudem muito, não decorando lições da faculdade, mas estudando por conta própria e com afinco tudo o que lhes for útil para alçar o vôo desejado. Não esquecer que hermitões não fazem sucesso, pois não existe ninguém ao seu redor e talvez nem se saiba de sua existência, só eles podem se gabar de não dependerem absolutamente de ninguém (em termos, mas fica para outro texto) e de suas vidas serem problemas exclusivamente seus. Quem vive em sociedade precisa do outro, tanto mais quanto mais alto se está. Não rejeite trabalho e não deixe que uma proposta fantástica o afaste da clientela já cativa, é esta que vai manter o negócio se o cliente soberbo e reluzente decidir te abandonar. Lucro fácil se reverte facilmente em prejuízo, o único lucro que fica no teu bolso é o do trabalho honesto, o resto a especulação leva embora quando quiser. Confiem nas pessoas, mas só até onde elas merecerem a tua confiança, mesmo as mais bem intencionadas podem te arruinar se receberem mais do que estão preparadas para gerir. Imaginem as mal intencionadas. Não procurem ajuda da mídia, deixem que a mídia ofereça seus serviços. Este pequeno detalhe muda completamente a relação de poderes, assim não precisa desdenhar, mas também não se encante com o brilho nem com os índices de audiência, quem compra o teu producto pode justamente ser aquele que não gosta dos programas de grande audiência. Mantenha a qualidade, ainda que precise reduzir sua margem, aprenda com os erros da Toyota, porque ela mesma já está aprendendo.

Mas principalmente, SEJAM VOCÊS MESMOS. Não tentem parecer o que não são, não finjam gostar do que não gostam, não sejam surfistas sociais, surfe é para quem pega onda. Quando o degrau galgado começar a subir pelo peito, vá lavar pratos, passar um pano e uma cerinha na casa, engraxar seus próprios sapatos, pegar um ônibus para não esquecer do que é sofrer privações. Desçam do pedestal.

14/05/2010

De brinde, o carro

Entre cálculos e negociações, os dois conseguem fazer um abatimento aqui, outro acolá, adicionar um agrado, mas continua caro. Entretanto, sabem que o que o Estado dá com uma mão, tira com a outra e ainda cobra pelos honorários.
O primeiro lote vem com ICMS, royalties, ISSQN, Confins, Seguro ambiental, Seguro de logística, pedágio (que também tem ICMS, IPTU, et cetera) entre outros menores...
- Mas como assim?
- É que são sete pedágios ao longo da estrada, a velocidade média mal passa dos sessenta por hora. E dá-lhe troca de marchas, frenar, acelerar, retomar velocidade, queimar mais combustível... Só em São Paulo o rapaz pagou quarenta e quatro passagens de pedágio.
- Tá, entendi. Por que IPI? Não é só matéria-prima?
- Sim, mas utilizam maquinário importado caríssimo. Fabricar esse equipamento aqui custaria mais do que a própria jazida.
- Lá fora não se paga isso.
- Não, mas entrando aqui, tem que pagar.
- Meu Deus... Vá, continua. E o segundo lote?
Novamente vêm ICMS, ISSQN, royalties, Confins, Seguros de toda sorte, IPVA, IPI directo, IPTU, entre outros menores. O caminhoneiro paga IPVA, Seguros, Pedágios para dar com pau, ICMS pois tem que fornecer nota do serviço prestado, manutenção e alimentação do caminhão. O posto de combustível também paga e repassa uma horda de impostos em cascatas, em série e paralelas...
- E ainda não acabou?
- Tá na metade. Mas sabe que é juro sobre juro, né.
- Então eu vou levar o carro de brinde, tô comprando imposto, meu!
- Poderia ser pior. Se você tivesse optado por aquele importado tão "baratinho", iria morrer em um motor novo, também importado, no primeiro defeito que desse.
- Por exemplo?
- Gasolina adulterada, porque eles não bebem etanol. Conhece alguém que saiba mexer naqueles motorzinhos made in China? Um V8 americano é mais barato de manter e consertar.
- É. Pior...
O próximo bloco repete todos os impostos supracitados, adicionando o licenciamento da frota, os gastos com empresa de segurança privada, licença especial para armazenar combustível, enfim, chegam ao preço do carro...
- vinte e um mil reais, redondos. Fora o licenciamento, o seguro, você sabe.
- Só pra me localizar, sem os impostos cobrados na mineradora, depois de novo os mesmos na siderúrgica e na petroquímica, novamente na fábrica e prestadores de serviços, final e novamente em cima de vocês, quanto custaria?
- Vamos ver... Vamos sentar. Sônia, pega o calmante.
Leva-o para uma poltrona confortável, próximo à caixa de primeiros socorros, onde um piripaque pode ser rapidamente socorrido...
- Oito mil reais.
- Putz-que-paralho!
Ele não passa mal, mas é uma dificuldade conter sua indignação. Não fosse a taxação em cascata, progressiva e com ágio, poderia estar comprando um sedã de médio luxo em vez de um hatch popular semi-urbano. Enfim, como comprou na promoção, levará a pintura metálica.
Volta no dia seguinte, para buscar o carro regularizado. O vendedor lhe entrega um grosso encadernado com notas fiscais de todos os impostos pagos, desde as fontes de matéria-prima até a assinatura do cheque...
- Ali está o seu brinde.
Aponta para um carrinho com não mais que três metros e meio de comprimento por um e meio de largura. Leva quatro adultos sem folga, desde que não sejam muito pesados, pois o torque do motor não dá para muito. Não é tão econômico, os testes são feitos em situações alheias á realidade, aqui fora existem rampas, variação de carga e tudo mais que um motor fraco pena para empurrar, acaba bebendo mais que um mais potente...
- O que ele tem?
- Vamos lá. Motor de quinhentas cilindradas, dois cilindros, pneus 135/00-R-13. Velocidade máxima de 125km/h, faz de zero a cem em quarenta e seis segundos...
Lágrimas escorrem a cada linha da ficha técnica. Deveria ter aceito o convite do irmão e ir morar com ele na Irlanda, mas agora não dá, não com mulher e filho. Não acredita que vendeu seu Monza com painel digital para comprar um monte de impostos, acompanhados de um pedaço de lata que faz o antigo Mille parecer uma Maserati. Até o vendedor tem vergonha de oferecer um carrinho para adolescentes a um pai de família, mas sai muito caro homologar um carro no Brasil. Agora ele sabe porque não deixam importar caros usados, mesmo os que atendem às legislações de segurança e emissões. Por este preço compraria fácil um Caprice com décadas de vida útil pela frente. Sempre quis ter um Caprice.
Sem rádio, bancos de lona estofada e armada em tubos de aço, direção mecânica, acabamento de plástico barato, suspensão por duros feixes de mola nas quatro rodas e interior preto fosco, a pintura é só externa, para poupar tinta. Liga o motor de seu Nacional Meio e ouve o sopro anêmico dos trinta e nove cavalos a altos 6500 giros. Tem que acelerar muito para ter alguma potência. Os pneus, três centímetros mais finos do que os dos antigos populares de mil cilindradas, são duros e transmitem até o relevo do piso de concreto. Mas ele sabe que está dirigindo um brinde, um chaveirinho que acompanha tantos impostos que não lhe dão benefício algum, que o calhamaço completo certamente pesaria mais do que o carro. De cara mantém a curta primeira marcha para, com esforço, vencer a rampa da concessionária. Que enganação! Até o Fusquinha 1300L ano 1977 do seu pai acelera mais, na metade do tempo e com carga plena. Mas já gastou o dinheiro. Ganha a rua.
Ao lado vê, parado no sinaleiro, um BMW Série 1, pelos quais os alemães pagam o que vale. Mas o dono teve que desembolsar o valor de uma casa para tirá-lo da loja, imagina só o valor das peças. Sorte dele que BMW não quebra. Já o seu Nacional Meio não inspira confiabilidade, não para o uso intenso a que se destina, mais adequado a uma perua de tração traseira. O BMW sai silente e rápido quando abre o sinal, o Meio sai esgoelando meia potência para acompanhar o trânsito. Poderia ter mais um cilindro, sim, mas a montadora teria que pagar a carga tributária de dois cilindros extras e encareceria muito o carrinho, que ficaria de fora do programa do governo. Logo descobre que da terceira não pode passar, não na cidade, senão perde velocidade na primeira ladeira. Ah, se arrependimento matasse, se pudesse não ser responsável pelos canalhas que elegeu, se pudesse ter sido uma boa pessoa na encarnação passada e ter nascido Belga, por exemplo.
Chegando em casa, triste, dá de cara com um Chevrolet Caprice Wagon, semi-nova com alimentação de Fórmula Indy, para poder beber etanol. Vermelha, lindíssima, que custa no país de origem pouco mais do que pagou pelo treme-treme ambulante. Ao lado, fazendo pose com a chave, a mulher que sempre o faz lembrar porque a pediu em casamento...
- Esse sofrimento foi muito bem feito, pra você aprender a não cair na conversa do governo. Na próxima, você me ouve.
- Que carro é esse?
- Seu irmão falou com amigos da embaixada americana. Assim que venceu o prazo legal, ele comprou o carro pra gente. Com malandros, meu amor, aprende, só funciona a malandragem. Principalmente malandros em cargos eletivos. Foi tudo legal, nos mínimos detalhes. Dá esse treco aí pra sua sobrinha e vamos aproveitar o carro novo. Além do mais, não é seguro levar duas crianças pequenas nesse banco traseiro aí... É, estou grávida de novo.
Final feliz, mas só porque ela não acreditou na propaganda do governo.

08/05/2010

Teophobia

É justo reivindicar respeito pela posição que se assume. Se não convence, não há como acreditar. Por muito tempo houve discriminação contra os ateus, e ainda hoje há quem olhe torto para quem não tem uma religião. É inconteste que muitas seitas são verdadeiras fábricas de ateus, distorcem ao seu bel prazer as escrituras sacras, estas já deturpadas por traduções mal feitas, e fazem na prática exactamente o oposto do que é pregado. Pegaram o sexo e os sectários de outras religiões para anti-cristo e os matariam a todos se pudessem. Ateus então, não mereceriam sequer serem considerados pessoas. Fanatismo religioso é uma granada que destrói quem a tem, mas fere a todos por perto.

Nos últimos anos, porém, tem havido um exacerbo do que seria justo. Chegou ao ponto de um ateu ter (em suas palavras) tentado converter os teístas ofendendo suas religiões, com actos como colocar santos em posições sexuais, rabiscar piadinhas contra o islamismo e vandalizar os lugares públicos de preces. Tudo o que o idiota conseguiu foi dar combustível e oxigenar as alas mais radicais. Além de pagar multa, prestar serviços públicos e arcar com as custas judiciais. Tudo isto na Europa, que alardeia sua tolerância étnica e religiosa para o mundo todo. Bem feito.


Está havendo um ódio teophobico. Deixei de ler revistas até então bem conceituadas nos meus padrões, sem ligar para o viés ateísta que têm, por passarem a publicar textos extremamente tendenciosos, ridicularizando tudo o que não pode ser picado e analisado em laboratório. Quando dão espaço a religiosos fazem parecer que eles falam de uma agremiação sócio cultural, com fins de preservação de uma tradição e nada mais. Quando vi, estavam atirando até contra mim. Aliás, não só revistas como programas de televisão. Não é coincidência haver também um crescimento de programas e revistas claramente dirigidos para religiosos, especialmente aos menos tolerantes, que se gabam de testemunhar "milagres" todos os dias na igreja que freqüentam.


Equilíbrio, se uma asa cresce a outra também precisa crescer.


Uma religião não é uma agremiação étnica, mas não adianta tentar explicar isto a quem quer ter sempre e a qualquer custo a última palavra. A falta de respeito cega a ponto de tornar os ateus radicais exctamente iguais aos radicais teístas, confundindo dogma e religião. O primeiro é invenção humana, uma legislação que tem falhas como tudo o que o homem faz. Quem se guia por ele está dizendo, por tabela, que D'us é o homem que escreveu aquilo, então não tem como não fazer idéias equivocadas. Palavras mudam com os milênios, conceitos mudam os sentidos das frases e os textos, se traduzidos por quem não conhece a fundo o idioma quando da época, perde completamente o sentido original. Tradução, claro, se faz por homens.


Estamos aqui falando do Criador, não de uma criatura que surgiu junto com o monte de galáxias que eles chamam de O universo, mas é só um monte de galáxias, fora do qual ainda não se consegue enxergar com as técnicas disponívei; questão de tempo e pesquisas. Se para quem estuda e medita à sério é difícil imaginar, que dirá quem não tem interesse? De não ter interesse a não respeitar há um abismo.


Os teístas não acreditam que vão continuar vivos depois de morrerem, eles acreditam que só o corpo físico vai morrer e a parte não material continuará com outras atribuições. Para um teísta o corpo não é a pessoa, é um instrumento que ela usa para agir no mundo e ao qual está ligado por um espaço de tempo. Em suma, a morte seria apenas a paralização das actividades biológicas do organismo ao qual estamos ligados, apenas ligados.


Há os que defendem que as crianças não deveriam ser levadas a uma igreja, pois não têm capacidade de discernimento para decidir se querem ou não seguir uma religião. Os pais iriam, então, sozinhos? Deixariam as crianças com quem? Ou seriam obrigados a abdicar da freqüência enquanto não atingissem dezesseis anos? A mim mais parece militância anti-religiosa do que pregação de respeito ao direito de escolha. É como dizer que a criança deveria andar pelada, durante o verão, por não ter discernimento para escolher um modelito elegante.


É de criança que se forma a personalidade para o mundo, assim como os laços familiares. Gostem eles ou não, e os radicais não gostam, ir à igreja periodicamente com a família reforça sim os laços entre pais e filhos. Poderia ser um clube, mas aceitar um compromisso que nem sempre é agradável ajuda a se preparar para a vida, que a vida nem sempre é agradável. Sair com a família só quando é divertido ou conveniente é um veneno, pois na adolescência a família raramente é divertida e quase nunca conveniente. Se não houver o compromisso moral firmado, os laços familiares se afrouxam facilmente. Gostem ou não, e houve época em que eu não gostava, a religião favorece o estreitamento desses laços.


Atribuir a D'us a culpa pelas mazelas do mundo é agir como o criminoso, que culpa a vítima porque usava roupas curtas. Não é O Criador quem leva as pessoas boas e deixa as más no mundo, nós é que (majoritariamente) não suportamos uma pessoa realmente boa por muito tempo. Gente boa faz nossos defeitos aparecerem mais, isto incomoda muito. Gente civilizada faz nossas grosserias parecerem animalescas, isto incomoda muito. Gente má, por outro lado, nos dá motivos para reclamar sem a preocupação de fazer a nossa parcela para resolver o problema. Gente má se esmera em seduzir, isto apraz. Gente má faz tudo para entreter, isto apraz. Nós mesmos tratamos as pessoas más muito melhor (inclusive votando nelas) do que as boas pessoas. A culpa, se é que cabe usar esta palavra, é nossa. Pessoas boas são pessoas, se não se sentem bem tratadas elas vão embora de um modo ou de outro.


Catástrofes? Nós invadimos lugares que os nativos de então diziam ser perigosos. Nós ignoramos todos os sinais da natureza, por mais de um século, de que estávamos degradando nosso próprio meio de vida. Nós expomos nossos filhos e a nós mesmos aos perigos que o mundo reserva para os incautos. Por que cargas d'água o planeta deveria se moldar às nossas vontades? Ele tem seu próprio ritimo, sua própria evolução. O mundo nos avisou, não temos o direito de culpar a ninguém. Aliás, a arrogância alegadamente racional do homem é que o fez se declarar proprietário do mundo, mesmo sem ter encaixado uma pedrinha sequer para formá-lo.


Doenças existem porque suas causas existem, óbvio! E nós não fazemos o mínimo para evitá-las, deixando tudo nas mãos de profissionais diplomados, engomados e bem pagos pelos laboratórios que fabricam as vacinas. Daqui vem outra mazela da humanidade, esses profissionais sacrificam anos de vida pessoal para fazer algo que preste, dão as instruções completas para erradicar as doenças e nós só nos lembramos de tomar a vacina. Higiene pessoal, cuidar da cidade em que vivemos, enfim, agir como uma comunidade em vez de um monte de egoístas sem escrúpulos é o que deveríamos ter feito.


Quando falamos que as pessoas "morrem", vamos deixar algo bem claro, os teístas acreditam e muitos recebem provas suficientes para acreditar, que nossos amados não desaparecem. A morte biológica, como já disse, não mata a pessoa. A dor é pela separação (o que mesmo assim não é bom para ambas as partes) não por uma aniquilação na qual nós não acreditamos. Insistir em repetir "Seu filho morreu, não existe mais" pode constituir um pedido para lhe provar de forma cabal a vida pós-túmulo, por suicídio involuntário. Estará ofendendo a família em luto. Ficar longe de uma pessoa amada, à força, é tão doloroso quanto um luto por óbito.


Culpar D'us pelos males do mundo é cousa de homens pré-históricos, que não tinham discernimento e achavam que uma cobra trocando de pele era uma divindade.

Eu tenho amigos ateus, eu já estive no caminho do ateísmo. O que nunca fiz, porém, foi desrespeitar ou tentar ateizar os outros. Fazer pouco da crença alheia é faltar com o respeito, muitos ateus se vangloriam de ignorar o quanto acreditar é importante para quem acredita. Não é só para consolação, é religação com O Criador. Não acreditar não isenta de respeitar.


Aos teístas equilibrados, aqueles que balançam mas não caem no buraco (porque ficar firme não é trabalho para reles humanos) peço o mesmo comportamento para ambos os radicais: Ignorem. Mantenham o devido respeito, mas o exijam também. Se eles insistirem, ignorem e saiam do lugar antes que uma granada (que pode ser uma bomba de bobagens) exploda. Tua sanidade saberá recompensar.
De resto, que Deus lhes dê tino.

01/05/2010

Salário X e salário Y

O que ele tem em mãos é das reivindicações mais absurdas de que já teve notícia. Um grupo de funcionários propondo um aumento salarial só para os homens; primeiro para não onerar tanto a empresa, segundo porque eles achavam que mereciam, terceiro porque seria usual homem ganhar mais do que mulher para a mesma função. O representante se mantém de nariz empinado e olhando de lado, enquanto o gerente lê o documento com rápidas olhadelas para o sujeito. Este acredita que é a reivindicação mais vantajosa que a empresa já teve, uma vez que mais da metade do funcionalismo é feminino.
Deixando o documento de lado, ele dá seu parecer com uma notícia...

- Há planos de um reajuste salarial para vocês. Temos uma reserva que nos permitiu passar sem grandes problemas pela crise e conseguimos anexar alguns concorrentes que estavam falindo.

Um breve silêncio enche a sala, enquanto o reivindicante ensaia um sorriso de triunfo, certo de que os "brios de macho" falarão alto. Se sente muito incomodado em receber ordens de uma mulher, quer pelo menos ganhar o mesmo que sua chefe imediata...

- Entretanto o aumento é generalizado. Não existem motivos para suas colegas também não usufruírem do benefício.

- Tem um, que é incontestável - protesta - e você vai concordar comigo. Nós somos homens, portanto temos que ganhar mais, de preferência o dobro.

Vendo a cara de perplexidade do gerente, ele derrama a velha retórica cambaleante de Adão inocente vitimado pela perversa Eva, da glória masculina pelos séculos, de como era bom a mulher ficar em casa, de como o mundo está acabando porque elas criaram asas, et cetera. O homem se levanta e vai à estante. Dela traz um exemplar da Constituição e outro da Consolidação das Leis de Trabalho...

- Não houvessem outros motivos, aqui há dois para eu pagar a elas o mesmo que lhes pago. Não vou rebater a suas explanação, pois ela só provou uma profunda ignorância e apego à superficialidade dos conhecimentos.

- Deus fez o homem primeiro, portanto o homem é melhor.

- Pode ficar com todos para você, eu prefiro uma bela mulher.

- Mas o que é a lei do mundo frente à lei de Deus?

Vendo que aquilo iria se delongar demais, decide tratar do assunto...

- Você leu a parte que lhe convém da qüinquagésima sétima tradução da bíblia, com todos os erros de tradução e alterações de cunho político inerentes a um livro milenarmente usado para justificar o que não presta. Eu estudei nos originais, sem tradução, sem edição; Adão e Eva foram criados ao mesmo tempo, unidos pelas costelas, em dado momento foram separados. Passaram a viver experiências próprias, em dado momento a serpente enganou Eva, Adão entrou no barco porque quis, não havia mais ninguém para obrigá-lo.

- Que absurdo! Você está negando o que dizem as escrituras sagradas! Está negando a palavra de Deus! Isso é uma...

- Pára de me encher o saco. Eu já disse, estudei nos originais em aramaico, sânscrito, grego, hebraico e latim. Você leu o que te interessava de uma re-re-re-re-re-re-re-re-re-re-re-re-re-re-re-retradução. A equiparação salarial e de benefícios continua.

- O usual era homem ganhar mais, e o salário da mulher ser pago pro marido.

- O usual era alguém como você não ganhar nem para comer, mas sei que tem casa e carro novo, e que este é o seu único emprego. Estou vendo que você se apega a qualquer coisa, qualquer idiotice para conseguir ser algo mais do que alguém. Aqui você não vai conseguir isso. Nós pagamos salários, não salário "x" e salário "y", pagamos salários. Já sei, vai apelar para os meses de licença maternidade. Primeiro que elas compensam eventuais faltas com mais qualidade de trabalho, segundo que ser mãe é uma função social muito importante e não sei por que diabos não é remunerada, terceiro que esta empresa pertence a uma mulher.

- Que absurdo! Que absurdo! Tudo o que eu disse não o sensibilizou nem um pouco? A sua própria honra não vale nada?

- Não confundo honra com vaidade. Agora me deixe trabalhar, que tenho muito o que fazer.

O homem sai frustrado e furioso. Uma hora depois volta com os outros seis, todos com cartas de demissão em mãos, como um ultimato. Joseph não se intimida, assina todas e manda o departamento de recursos humanos pagar todos os direitos, e chamar os candidatos já cadastrados para as vagas. Há um início de confusão, a segurança é chamada para conter os machões, cujo líder ainda esbraveja...

- Um cristão de verdade teria aceitado os nossos argumentos.

- Mas sou judeu, exactamente como Jesus. Tirem eles daqui.

A única mulher que conhece que deixou feliz a carreira para cuidar de casa é sua Esther, que o fez de livre escolha e iniciativa, mas adoptou isto como um sacerdócio pessoal e não quer saber de Sarah recebendo ordens de marmanjo, ela apanharia mesmo já casada. Lhe conta quando chega em casa, ela manda os meninos irem passear e dá ao marido as honras matrimoniais como recompensa.