08/11/2009

Compre menos


Compre melhor. Não gaste cem reais em mil cousinhas que logo sumirão pela casa, pelas ruas e da tua memória. Gaste cem reais em algumas poucas que farão a diferença, que chamarão a tua atenção cada vez que passar por ela, que terão lugar cativo na casa e todos na vizinhança, se virem, saberão de quem são.


Não compre por impulso algo que deverá durar mais do que um ano. Na verdade nem chocolate barato se deveria comprar por impulso. Na verdade não se deveria comprar chocolate barato, eles pouco têm de cacau e costumam dar diarréia. Em vez de uma caixa cheia de caramelos achocolatados vendidos como chocolate, compre dois ou três bombons mais finos. O próprio preço vai induzir à degustação e ao máximo aproveitamento do acepipe, desenvolvendo paralelamente a boa educação e a paciência, que andam tão escassas em nossa era. Para mastigar só por ansiedade, compre um pedaço de cana, dura bem mais e te injeta a dose de açúcares adequados para acalmar o cérebro.


Não encha a casa com productos feitos por mão-de-obra escrava de presos políticos, não vão durar e logo terão que ser trocados. Compre poucos com carcaças espessas, botões bem ajustados, display ordeiro e manual do proprietário de fácil leitura.


Não vá às lanchonetes ruins, se entupir de massas estranhas e gorduras hidrogenadas que só Deus sabe como foram manuseadas. Vão de vez em quando a boas pizzarias, bons restaurantes, onde se pode comer com calma, escolher com um cardápio totalmente escrito no nosso idioma. Além da segurança sanitária (e dos sanitários) os custos individualmente maiores tornarão a refeição um programa, te farão esperar pela próxima ida e de cada uma delas ter uma boa experiência para contar.


Não compre móveis de quem só tem preço para oferecer. O artigo até pode durar algum tempo, mas não se sabe sob que condições seus custos foram reduzidos. Compre aos poucos os móveis de que necessita, com paciência, sem demonstrar interesse na compra. Deixe que o vendedor te convença a levá-los (o que os "preço-é-tudo" da vida não se importam em fazer) e explicar as vantagens daquela madeira, daquele aço, daquele acrílico resistente, do vidro grosso, daquele desenho. A expressão "móveis de família" não é um adereço, é um valor do qual a maioria das nossas famílias carece. É recurso que poderá ser utilizado para outros fins, como planejar a aposentadoria.

Não vá a toda festinha paga e regada a álcool e sabe-se lá mais o quê. São absolutamente todas iguais em sua falta de conteúdo e segurança. Organize os interessados e arrecade verba para uma festa a cada seis meses, da qual todos possam sair sem medo de serem perseguidos por um psicótico que não foi com a sua cara, no salão de dança. Se aproveita muito melhor pelo engajamento coletivo, pelo custo, pelo envolvimento pessoal com o evento.

Não compre dezenas de publicações medíocres. Além da baixíssima qualidade editorial, o material usado em suas delgadas edições é pouco pior que o papel-jornal. Seus "editores" pouco fazem mais que usar "control+C" e "control+V" para colocar comentários sob protographias, pois textos não há. Compre poucas revistas, mas compre as bem acabadas, com matérias inteiras, imagens originais e material que permite o manuseio despreocupado. Deixarão de ser meios de entretenimento para serem material de pesquisa, no futuro.

Evite ao máximo comprar descartáveis. A praticidade aparente estimula a indolência, que cobrará um preço muito alto, especialmente das crianças. Compre utensílios de matéria-prima nobre, são fáceis de limpar e estimulam a boa disposição, que renderá bons juros especialmente para as crianças.

Consumir melhor é vantajoso para todos, exceto para os desonestos. As empresas vendem menos, mas vendem por mais productos mais aperfeiçoados e que demandam mais mão de obra, mais controle de qualidade, que sustentará um bom valor de revenda por muitos anos. A durabilidade expõe o objecto a falhas e acidentes, reerguendo o combalido ramo de assistência técnica, que ultimamente só tem servido para trocar peças, jogando fora as defeituosas. Peças que são projectadas para acelerar a montagem, mas cujos desenhos geralmente tornam o conserto mais caro do que a reposição.

Consumir melhor dá muito mais trabalho para a publicidade, que precisa se armar de argumentações consistentes e deixar a apelação para segundo plano. Fica difícil colocar uma modelo de biquíni, em pose agressiva, no comercial de um producto para um público consciente. Para vender seria então preciso mostrar o que interessa, respeitar a inteligência do consumidor e ter algo realmente interessante para vender.

Compre menos, mas compre melhor. Desde vendedores mais calmos e atenciosos, passando pela maior distribuição de renda, esta prática também tem resultados de foro íntimo. A ansiedade e o temor da defasagem são cortados pela raiz, as crianças se acostumam com a decoração da casa e passam a não ver tudo como descartável, o macacão sujo de graxa passa a ter a importância que lhe cabe e seu usuário fica mais bem visto. No fim das contas, até a natureza ganha, pois a mineradora pode ser melhor remunerada pelo minério a menos que extrai.

Nunca é demais lembrar, quem compra melhor também vota melhor.

4 comentários:

Nik disse...

Lindo artigo, já mandei por email para meus amigos, Nanael.
Abraço, Nik.

Nanael Soubaim disse...

É esta a idéia, sêo Nik, é exactamente esta a idéia.

umbelarte disse...

A foto é bela e o texto ótimo.
Boa noite.
Abraço

Xracer disse...

Ótimo texto ! Serviu muito à minha reflexão nessa noite nublada de Dezembro !

Vou passar pra meus amigos, contendo o local de onde tirei !

Obrigado !