07/02/2014

Poupem gerúndio

Twitter by Orlandelli

O Ministério do Racionamento adverte, o gerúndio está com os níveis mais baixos da história, desde que foi inventado, ainda na pré-história. Pedimos aos cidadãos que façam uso comedido da linguagem, para que não falte em um futuro próximo, pelo menos até a próxima safra ser colhida.

Não se trata de uma metáfora colorida, que floresce rapidamente em qualquer canto e  mesmo sem cuidados, o gerúndio é uma fruta fina que tem sido consumida com voracidade e desperdiçada sem dó. Então, antes de xingar os perdulários, o Senhor Ministro do Racionamento mandou comunicar o alerta, para conhecimento e providência popular.

Seguem algumas recomendações.

  • Evitem gerundiar sem necessidade. Usem sempre o presente ou o futuro simples, eles quase sempre resolvem o problema de comunicação, geralmente até melhor do que um gerúndio indevidamente colocado;
  • Não ponha dois gerúndios seguidos em uma  oração, muito menos em uma só frase. É sabido que o vício pelo gerundismo força alguns dos dependentes a aplicar até três doses seguidas, em uma só frase. Não reproduziremos para justamente dar o bom exemplo e poupar o artigo que, repito, escasseia rapidamente;
  • Faça duas ou três versões do texto, para se assegurar que aquela quantidade de gerúndios é realmente necessária à comunicação da idéia. Caso seja, faça o texto mais curto possível, de preferência com linguagem mais seca, com orientações para que as partes não respondam com a mesma fartura;
  • No decorrer dos acontecimentos, faça como os portugueses, informem que as coisas estão a acontecer ou que acontecerão. De início as pessoas estranharão, mas vão entender e logo se acostumarão, o que até aumentará a riqueza do linguajar do vulgo;
  • Não dê opiniões que não lhe forem solicitadas, pois o risco de gerundiar sem necessidade é muito grande. Grande parte do desperdício de gerúndios, se deve às colocações intrusas e à falta de conteúdo, que incluem o desperdício das palavras "enquanto", "nível" e "junto", cujos níveis também começam a baixar de modo preocupante;
  • Reaproveitem textos, assim as pessoas passarão por eles e só perceberão o que estiver realmente fora de lugar, já tendo conhecimento seu conteúdo, o que evita que gerundiem em pensamentos, conseqüentemente também por palavras ao balbuciarem o que lêem.

Caríssimos, a situação é crítica. O Ministério do Racionamento jamais pensou que algum dia, nem nos sonhos mais loucos, seria necessário fazer uso comedido de uma linguagem tão popular, mas os tempos nos dão lições duras, urge que tenhamos consciência e a pratiquemos

Os grandes focos de verborragia, ainda não estancados, são os intelectuais de ar-condicionado e o serviço público, este sabidamente desdenhador do erário, quanto mais do vocabulário. Suspeita-se que a intenção seja, a fim de não parecerem que não sabem o que estão falando, quando geralmente realmente não sabem mesmo, parecerem mais cultos e inteligentes, causando boa impressão no público com textos prolixos, repletos de retóricas,  dialéticas e, claro, gerúndios desnecessários.

Sabido também que essas pessoas são muitas vezes protegidas, não raro em cargos comissionados ou indicados por políticos aliados, pedimos a compreensão do cidadão ordinário, que não faz uso de linguajar rebuscado para impressionar terceiros. A culpa não é sua, mas como no racionamento do FHC, novamente cabe a nós o ônus de restaurar a normalidade linguística, com o uso estritamente necessário do gerúndio.

As redes sociais, no entanto, não escapam ao vício gerundiocômano, em especial quando se trata de algum garoto a tentar impressionar uma dama de grandes encantos, ou mesmo petizes ainda mais crus do que o mesmo.

Pedimos também que evitem o uso de "enquanto", "nível" e "junto", especialmente seguido das partículas "de", "ao" e "em", estas que ainda têm bons estoques, mas não mais confortáveis como quando de nossas mocidades.

Alertamos, caríssimos, que pode haver alguma impopularidade inicial, na adoção dessas medidas, mas elas são absolutamente necessárias e demandam a maior adesão possível, para que a população em geral também as adopte por imitação; afinal, é tudo o que a massa faz mesmo.

Se tudo mais falhar, teremos que importar o português lusitano e utilizá-lo de modo definitivo, o que mesmo assim pode não estancar a verborragia, nos obrigando à penosa e prolongada transição para substituição do idioma. Talvez tenhamos que falar romeno, se não quisermos nos tornar de facto colônia cultural dos americanos; sim o nome daquele país é América.

Sem mais, aqui termina o comunicado do Ministério do Racionamento.

Nenhum comentário: