16/08/2011

Para sanear o Brasil; 2 de 3: o poder é seu!


Tenham a fineza de não pular etapas e começar pelo primeiro texto (este) da trilogia. Grato.

Serei menos rascível agora. Parem de acreditar que todos fariam o que vocês fariam na mesma situação. Ninguém serve de parâmetro para o comportamento alheio. Eu, por esta mentalidade besta, seria corrupto, machista, racista, xenophobico, homophobico, altamente proselitista e o escambáu de “istas” que vocês tiverem em mente. Eu tive a chance para contrair e alimentar cada uma dessas chagas. Tive e paguei o preço de não tê-lo feito. Olhem direito ao seu redor, analisem com frieza e verão bem perto pessoas fazendo exactamente o que vocês não fariam na situação em questão, por mais prazeroso que seja para vocês; talvez seja só para vocês. Então não tem sentido chamar alguém de otário por não ter aproveitado uma chance que vocês gostariam de ter.


Por exemplo. Quem compra um carro eléctrico gasta pelo menos cinqüenta por cento mais por um desempenho mais modesto e uma autonomia (quase sempre) pequena. É otário? Está querendo ser diferente? Ir na onda da moda? Quem te disse? Tu conheces a pessoa em questão para dar o veredicto? Isto é o que poderias pensar de alguém com a tua mentalidade, mas ninguém tem exactamente a mesma mentalidade de outra pessoa. Então parem de ver o mundo como uma extensão de seus anseios, porque cada um tem o seu particular, por mais que os de vários se pareçam não são os mesmos. Duas pessoas não fazem a mesma cousa exactamente pelos mesmos motivos.

Entendidos? Certo, então comecemos com o segundo texto propriamente dito. Comecem repetindo para si mesmos que vocês podem viver sem quase tudo o que se vende ou oferece “de graça”. Vocês não precisam do último tablet 3D que projecta seu monitor em paredes de até três metros. Seria interessante ter um, claro, mas ninguém precisa disso para viver. Quase tudo o que vende é supérfulo, então não faz sentido depositar seus sonhos e esperanças nessa quinquilharia toda. Convencendo-se disso, fica fácil fazer boicote, arma letal que todo cidadão tem no coldre, cheio de munição.

Deixemos as paixões e ideologias de lado para analisarmos o que faz bem e o que corrompe a sociedade.
HÁBITOS


O teu comportamento no trânsito. Vamos, fale. Quem te disse que parar em fila tripla só por cinco minutos não atrapalha ninguém? Faça um esforço e ponha-se no lugar do estressado que está buzinando alucinadamente, olhando o relógio com um desespero difícil de se encontrar. Pode ser só estresse, claro, mas também pode ser uma ambulância. Se ficar difícil imaginar a dor alheia, bata com a cabeça em algo duro e se imagine dentro daquela ambulância. Ficou fácil, né. É assim que a corrupção cotidiana de cada cidadão ajuda a manter o país sujo e atolado.


A rua não te pertence, nem ela, nem a calçada. Não podes fazer delas o que bem entendes. Aliás, calçada não é lixão e não pode-se confiar que os garis vão catar aquele papel de bala. Já viram alguém escorregar em papel de bala? Aquele troço é tremendamente liso em pelo menos uma face, para evitar adesão e proliferação de bactérias. Seria mais barato usar papel comum, poroso, mas este só serviria como embalagem secundária, em contacto com o doce continuaria a ser aquela armadilha fatal para idosos e pessoas de muletas.


Corrupção é desviar-se deliberadamente de suas obrigações em proveito próprio, às custas de recursos alheios. Quem atrapalha o trânsito de veículos e pedestres está fazendo mo quê? Quem atira lixo em via pública em vez de guardar até encontrar uma lixeira (muitas vezes o fazendo com a lixeira ao lado) está fazendo o quê? Quem fuma em ambiente público fechado está fazendo o quê? Quem usa qualquer droga, inclusive álcool, e sai às ruas como se ninguém tivesse nada com isso, gerando transtornos e danos, está fazendo o quê? Quem liga o som no último volume, obrigando os outros a ouvirem o que não precisam, está fazendo o quê?


Em todos esses exemplos, o indivíduo está se apoderando da liberdade, saúde e até vida alheia em função de seu prazer. Priva-se do direito à mobilidade (e à respiração) quem nada lhe deve a respeito.


Aos que espernearem e tentarem me enfiar goela abaixo a ladainha de “no primeiro mundo isso”, “na Holanda aquilo”, “Nos países avançados ninguém tem nada com isso”, eu digo de modo terminal: Nesses países ninguém dá a mínima para ninguém. Se a pessoa morre em via pública, o corpo é removido três dias depois por causa do mau cheiro. Não é respeito, é indiferença. Nesses países onde há liberdade de autodestruição, a vida é insuportável, tanto que suicídio de crianças é banal. Repito o que disse lá atrás: Consumo e prazeres não tornam ninguém feliz, às vezes nem mesmo os animais se contentam com satisfação biológica, então me poupem dessa egoísta conversa pseudo-libertária. Há uma diferença gigantesca entre o indivíduo e a causa, eles só se importam com a causa, o indivíduo que se lasque.

CONSUMO

Sabe aquele I-pod com MP537 baratinho? Por que será que ele é baratinho se tem tantas funções? Ainda que seja uma porcaria e só dure uns meses, tamanha versatilidade tem um custo, dá muito trabalho para ser produzido. Só escala de produção não explica tudo. A explicação é muito simples, leitores: Trabalho análogo à escravidão, ausência total de qualquer direito trabalhista, manipulação cambial descarada, desdém para com o meio ambiente, propinas para permitir práticas condenadas por qualquer organização séria. Há muitas empresas que conseguem assim reduzir seus preços sem mexer na margem de lucro, como a Apple. Essas empresas não querem saber, se abstém de tomar conhecimento dos meios utilizados para a fabricação do que leva sua marca. Demitem seus próprios compatriotas para fomentar o trabalho semi-escravo, quando não o escravo. Boicotem. O que eles permitem que façam com os trabalhadores, não hesitarão em fazer com vocês. Aliás, boa parte desta vigente crise econômica mundial é fruto podre da ação de biltres assim, que usam o bordão “só negócios, nada pessoal” para justificar qualquer atrocidade com que estejam envolvidos; como a máfia faz para tentar atenuar uma condenação.

Não sejam mesquinhos. Algo que fica barato demais sem ter havido um grande salto nas técnicas de produção, tem algo de muito errado embutido no preço. Infelizmente já demos corda demais para essa gente, é difícil encontrar algo portátil que não tenha sido feito por terceirizados de países tolerantes com a crueldade. É difícil, não impossível. E se começarmos a boicotar, concordando em incluir salários decentes e boas condições de trabalho no preço, passará a ser fácil. Não se iludam, os preços não caíram na mesma proporção dos custos aos especuladores. Eles estão lucrando mais e não vão abrir mão desse dinheiro fácil passivamente.

De tanto terceirizar tudo, a maioria das grandes corporações deixou de existir, não passa de um monte de escritórios, cuja única função é burocrática e especulativa. Vejam quantos productos têm made in china em suas etiquetas. O facto de serem todos muito semelhantes não é coincidência, uma terceirizada fabrica para muitas empresas, um dos modos de reduzir custos é fazendo tudo igual, nas mesmas matrizes, às vezes só mudando o logotipo do cliente.

O mesmo fazem aquelas lojas populares, que vendem baratinho e em troca tratam o comprador como se estivessem fazendo um favor em vender. Em vez de arcarem com todas as responsabilidades, como um verdadeiro adulto faria, terceirizam todos os serviços que podem sem se importar com as condições de trabalho dos terceirizados, mesmo que isto signifique matar uma criança de colo para pressionar a mãe a se demitir. Eles não dão a mínima. Antigamente fazia-se por dinheiro o que se gostava de fazer, os indivíduos agora fazem o que der dinheiro e não lhes mandar para a cadeia. Não importa o quê.


Eu pago mais caro com prazer. Se não posso pagar por servidores bem tratados, fico sem. Tenho muitos conhecidos com pilhas de traquitanas tecnológicas penduradas no corpo, eu não tenho mais do que meu velho celular que já tem três anos. Triste? Não por isso. Nenhuma função biológica foi afetada pela falta de uma tela sensível ao toque. Só tenho saudades do meu walkman, montado em Manaus com peças do Japão.

O mesmo vale para comida, meus filhos. Ninguém precisa de carne para sobreviver, com poucas exceções. E os que precisam, precisam de pouca, bem pouca. Então, antes de reclamar dos desmatamentos, conflitos agrários, ET Cetera, aceite pagar um pouco mais por um bife que deu mais trabalho para ser produzido. Para quem acha que comida orgânica (juro que nunca vi comida metálica) não dá lucro, o príncipe Charles Spencer da Inglaterra é o maior produtor de comida orgânica do mundo, e está rolando na bufunfa com isso.


Pensem bem, comam um pouco menos por algo mais saboroso, tanto ao paladar quanto à consciência. O consumo crescente estimula a mudança de meios modos de produção.
O mesmo vale para residências. Não aceitem pagar a indecência que cobram por cubículos. Isto é especulação. Se te obrigam a comprar móveis cada vez menores e mais frágeis, e carros cada vez menores, eles não terão a mínima vergonha na cara em reduzir ainda mais os espaços. Não existe motivo técnico para que um apartamento custe muito mais do que uma casa do mesmo tamanho. Quando eu digo “muito mais”, não aceito mais do que vinte por cento, para um apartamento muitíssimo bem equipado. Porque já vais pagar condomínio pelo resto da vida, além do IPTU, o imóvel não será realmente teu. Quem alimenta a especulação imobiliária é o comprador. São Paulo precisou limitar essa miniaturização porque começaram a apresentar plantas de apertamentos com 36m². Nenhuma família, por menor que seja, se suporta com menos de 120m² para circular. Com 36m² é melhor morar numa Kombi adaptada com banheiro químico, é mais barata e tu se livra dos vizinhos chatos num segundo.

ENTRETENIMENTO

Por falar em consumo e drogas, boicotem os artistas que usam indiscriminadamente alucinógenos, são um péssimo exemplo de que seus filhos não precisam.


Acham que fui duro e directo demais? Talvez, mas se eu delongasse vocês não prestariam atenção à mensagem principal.

Sim, esses que usam e falam besteiras são mais carismáticos, têm “atitude” (simiesca) e fazem mais macaquices no palco. Mas vá a um quartel e veja gente fazendo muito mais macaquices, pulando mais, correndo mais, se pendurando mais e por aí vai, sem recorrem a porcaria nenhuma além de seu próprio preparo físico, e um pouco de disciplina. Para quem não entendeu a mensagem: É perfeitamente possível fazer tudo e muito mais sem recorrer a muletas químicas.

A vida do artista não é da minha conta enquanto não trouxer prejuízos, mas aqui não se trata apenas de um hábito destrutivo, ou uma excentricidade, é questão de saúde pública e muitos outros factores. Muitos deles não só usam como divulgam e incentivam os fãs a usarem também. A diferença entre a vida pública e a privada, é a que o artista deixa ser veiculada. O que ele fizer em sua casa e não infringir a lei, não é da minha conta. A partir do momento em que ele começar a estimular a imitação de sua vida privada, então a coisa muda de figura, porque os hábitos incentivados podem me acertar na rua.


Boicotem. Se o artista se porta publicamente mal, deliberadamente mal, sem jamais fazer o mínimo esforço para mudar, boicotem. Ninguém pode ser reprimido por ter péssimo gosto musical, mas gostos pela autodrestuição não devem entrar em suas casas. Aceitem a pecha de caretas, autoritários, antiquados, se for necessário. Autodestruição sim, é a cousa mais careta e antiquada do mundo, e precisa ser extirpada do cerne da civilização.


Antes que alguém comece a tacar pedras nos pôsteres de Elvis Presley e Emy Winehouse, investiguem suas histórias para se livrarem de mitos. Eles morreram tentando se livrar do mal.
Deixem, porém, claro que não é contra a pessoa, mas contra suas atitudes. Isto qualquer adulto formado consegue diferenciar. Se o artista em questão estiver se esforçando para melhorar, prestigiem-no e deixem claro que rugas nada têm a ver com impopularidade. O maracujá enrugado é o mais gostoso.

É tudo muito difícil? Sim, eu sei que é muito difícil, afinal NÓS MESMOS alimentamos essa bandalheira toda por um século inteiro! Não vamos mudar um século de péssimos hábitos em poucos anos, mas se não começarmos, jamais conseguiremos mudança nenhuma.

Lembrem-se da premissa mais sagrada do capitalismo, que tem sido subvertida pelos especuladores e maus agentes: Quem paga, manda.

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