27/01/2011

Apagam-se as luzes


Por pouco dinheiro, uma hora de felicidade.
Salas de cinema são entretenimentos baratos. Cada vez menos baratos no Brasil, reconheçamos, mas ainda são. É cada vez mais comum haver salas em shoppings e menos nas ruas. Os motivos vão desde o conforto e a conveniência, até a segurança, que em nosso país ainda é crítica, a ponto de conversíveis serem pouco vendidos por não poderem ser utilizados à noite sem sérios riscos aos ocupantes. E olha que há buggies abertos baratinhos por aí.


A vantagem das salas em shoppings acaba se tornando uma armadilha, não só pelo preço maior. Em ambiente fechado elas te privam da noção de tempo, podendo te fazer sair tarde demais, que em terras tupiniquins significa perigoso demais, gerando mais gastos com táxi. Entre um filme e outro, o risco de estourar o cartão de crédito é iminente. Ou vocês pensam que eles alugam espaços para cinemas por amor à arte?


As salas de rua são mais expostas aos meliantes e às intempéries. É fácil pensar que um elemento vai se espreitar na multidão para se aproveitar de vocês, porque se puder ele vai. As chuvas costumam prender à porta do cinema quem acaba de sair de uma sessão, pois ainda não temos o hábito de levar guarda-chuvas, e as chuvas tropicais sempre foram mais inclementes do que as do hemisphério norte. Com o esvaziamento dos últimos anos, a renovação de filmes fica mais difícil, já que as salas pagam pelas cópias. Não dá para piratear filmes de prata como se fazem com DVDs, sai muito mais caro e sem qualidade. E quem conhece sabe, a película ainda hoje tem uma qualidade que nenhum sistema digital conseguiu igualar. As imagens podem ser ampliadas numa proporção de fazer raiva aos fabricantes de processadores. Por isto é caro trazer um filme.


Mas as salas de rua também têm vantagens. Elas são abertas em lugares habitados, nos quais o cliente está a poucas quadras de distância, bastando assim uma pernada para se voltar para casa. Podem ser um ponto de encontro e um foco de coesão para a comunidade. Infelizmente a especulação imobiliária acabou por dificultar a modernização destas salas, já que qualquer pedacinho de terra custa os olhos da cara em lugares bem localizados, sendo mais lucrativo vender para empreiteiras construírem edifícios de condomínios. Elas tiveram mais três ameaças sérias de morte, ao longo do século passado:


• O advento da televisão. Acabou não colando. A qualidade da transmissão à época era péssima, valia mais como meio de comunicação em tempo real, e as salas passaram a utilizar as telas widescreen, em substituição às quadradas de até então;


• O advento do videocassete. Este foi uma ameaça mais consistente, mas nem todos os filmes estavam disponíveis em fita e a ida ao cinema sempre foi parte de um programa, assim como a ida a um restaurante;


• A queda brutal na qualidade, nos anos oitenta e noventa. Esta quase matou Hollywood.


A decadência de uma sala de cinema tem cinco fases: Demora na renovação do acervo, exibição só de filmes velhos, exibição só de filme pornô, exibição de filme pornô velho e finalmente virar igreja caça-níqueis. Há no centro, em uma parte residencial, o Cine Santa Maria, que só tem filmes pornôs... Goiânia já teve vários cinemas, ao menos uma sala em cada bairro, hoje há algumas no centro e a maioria é de empresas de fora, em shoppings.


Entre os que resistiram, há um em São Paulo que deveria ter sido tombado pelo Estado, não derrubado por sua incompetência e descaso para com a cultura: O Cine Belas Artes.


Fundado em 1943, como Cine Ritz, quando o mundo se precipitava na pior guerra de todos os tempos, o Cine Belas Artes tornou-se um foco de entretenimento para pessoas que viam seus pais, filhos e irmãos sendo mandados para a morte certa na Europa. Aqui um blog que tentou de tudo para preservar o cinema, uma galeria e notícias recentes.


Nas duas décadas seguintes conheceu sua fase áurea, com o cinema mundial, inclusive o nosso, produzindo artigos que valiam a prata em que eram impressos. Com o tempo tornou-se uma das poucas salas a exibir filmes clássicos sem que os estúdios lançassem edições remasterizadas. Filmes de alta qualidade para quem não nasceu a tempo de vê-los em seu lançamento.


Sua sede, na Rua da Consolação, próximo ao metrô Consolação, está ameaçada pela especulação imobiliária. Foi estipulado um aluguel altíssimo para o quê ele precisaria de patrocínio, que conseguiu a tempo, mas o contracto não foi renovado e o dono do prédio o quer. Sim, aos extremistas de direita irascíveis, o proprietário do prédio tem o direito constitucional de dispor do imóvel dentro dos limites da lei. Da mesma forma como a prefeitura tem o de tirar tua casa para abrir uma rua e demorar anos para começar a pagar menos do que ela vale. Essa mentalidade do cada um por si e todos contra todos já causou estragos demais. Nós vivemos em comunidades, não em cavernas isoladas.


O que os críticos não entendem, e não se esforçam para entender, é a importância cultural do Belas Artes. Ele faz parte da história recente de São Paulo, e se está “decadente”, como muitos alegam, o facto não afasta os freqüentadores fiéis. Se esquecem, desculpem o trocadilho, que a falta de memória é um dos entraves ao desenvolvimento do país, porque PIB para um bom padrão de vida nós temos. Ignoram solenemente que a valorização da cultura pelo Estado é um dos grandes muros que separam o Brasil dos países com boa qualidade de vida generalizada. Mas assim como os marxistas de boutique, os direitistas azedos querem que o mundo se molde às suas idéias tortas e viram as costas para o resto. Roma, Paris, Londres e aos poucos também Moscou, são exemplos de cidades que têm boas receitas naquilo que esses críticos desprezam, sua cultura e memória.


Ainda que tardiamente, por interesse (e pressão) público, o processo de tombamento já começou. Foi protocolado o pedido. Não é a falta de público, é o egoísmo de quem só enxerga seu próprio umbigo que está matando a cultura no país. Resta esperar que saia a tempo de evitar que uma igreja caça-níqueis acabe comprando o prédio, porque estas não desprezam só a cultura, desprezam absolutamente tudo o que não for de sua influência, inclusive mandados judiciais. Este, até que tudo se resolva, é o último mês de funcionamento do cinema, cujos funcionários já estão de aviso prévio.

22/01/2011

Sobre as regras de trânsito

 
Pode não parecer para muitos, mas o facto de tu se achares muito gostoso e melhor do que os outros não te imuniza às leis, muito menos às de trânsito. O pára-choque daquele caminhão não está nem aí para teus diplomas, teu cachorrão, tua pistola (ilegal) nem para o teu papai doutorzão. Por isso considero oportuno abordar o tema de forma directa.


Vaga exclusiva para deficientes físicos.

Pisca alerta não é indicativo de "parei aqui e tô nem aí". Sua função é alertar aos outros condutores de que o teu carro está com problema. Não te dá imunidade para parar em local proibido, fila dupla, em cima da calçada, nem mesmo para andar na contramão. Uma vez ligado o dispositivo, o veículo deve ser levado para um lugar (permitido) seguro e o triângulo de sinalização utilizado.

Não existe nenhuma regra que proíbe ligar som alto entre as 22h e as 06h.. É mito. A regra proíbe som alto em todo e qualquer horário e em qualquer logradouro público. Então para quê vai servir a meia tonelada de som na tua picape? Deverias ter consultado a legislação antes de alterar o veículo.

Ao contrário das pistas de corrida, em vias públicas o sinal amarelo não significa "acelere para não comer poeira", ele significa "reduza, vai ficar vermelho". E por que parar se teu machismo idiota exige que sejas o dominante da região? Porque outro idiota com um carro maior ainda pode ter a mesma idéia de si, e na colisão ele terá razão nos autos. O amarelo é uma transição, ele evita te pegar desprevenido e dá tempo para reduzir a velocidade.

Aquelas listras longitudinais pintadas em cada lado da esquina não são descanso para pneus. Talvez até pareçam, mas não são. São indicação de travessia para pedestres, que podem ter inclusive a tua mãezinha no meio, sem que tu vejas. Desta feita, é para parar antes delas, sempre antes, nunca em cima ou depois.

Esquinas, embora sejam práticas para tanto, não são lugares estratégicos para se sair para qualquer lado. São espaços que devem ter cinco metros de escape. Significa que deves manter cinco metros, no mínimo, da esquina ao estacionar. O motivo é evitar que idiotas coloquem seus carros na quina da calçada e obstruam a visão de quem vai converter.

Guias rebaixadas não são feitas para preservar a soleira das portas, são feitas para facilitar o acesso dos carros à garagem. Ou seja, guia rebaixada é indicativo de que aquele portão à frente guarda outro carro, que tem o direito de sair e entrar quando o dono quiser, para o quê a entrada deverá estar desobstruída. Já aquelas guias estreitas, são para cadeirantes. Embora fosse muito bem feito, eles não conseguem pular, andar sobre o capô do teu carro e retomar o caminho.

Aquela placa redonda, com um "E" preto marcado por um "X" vermelho não significa "Eu tô no carro e se precisar eu saio". Significa "PROIBIDO PARAR E ESTACIONAR, NÃO INTERESSA POR QUANTO TEMPO". Se um ônibus arrebentar a tua traseira nestas condições, ele estará certo. E sejamos francos, tu costumas caçar briga com quem reclama e usar o lugar como vaga particular.

Por falar nisso...

Aquela placa retangular azul, com uma representação em branco de um cadeirante, significa que a vaga é EXCLUSIVA para deficientes físicos, e as raias transversais ao lado são para dar o espaço de que os mesmos precisam para sair e entrar no veículo, elas não são espaço para outro carro ocupar e a vaga não inclui deficientes mentais, ou seja, tu estás errado. Cai fora.

Sinal verde significa "pode passar que é a tua vez", mas não te desobriga da sinalização em caso de conversão. Se vai virar, tem que dar o sinal, causar um acidente por converter sem sinalizar pode sair mais caro do que vale o carro. Já ligar o sinal não te permite virar, te obriga a virar, pois a função dele é avisar aos demais das tuas intenções, e os demais vão esperar que vires para então continuarem seus caminhos. Como saber se a seta foi ligada sem querer? Há uma luzinha no painel que mostra isto claramente.

Como diz o padre Alcides, não existe pecadinho e pecadão, quem rouba uma caneta tem a mesma índole de quem rouba um carro. Andar na contramão só por uns metros, para não ter que dar uma volta enorme, é tão perigoso quanto viajar de Goiânia à São Paulo na contramão, os riscos de se causar um acidente são os mesmos. Piora o facto de que na cidade as esquinas terem prédios que obstruem a tua visibilidade, o pedestre não vai esperar que um imbecil surja do nada de onde não deve surgir.

É mito que um Corolla tem mais direito no trânsito do que um Mille. Assim fosse, aquele Jaguar poderia te tirar da vaga quando quisesse, porque em um cabo de guerra ele te vence sem sequer usar torque máximo. Marcas, modelos e preços não entram na elaboração de uma lei de trânsito.

Ficar só com um pneu em cima da calçada é estar em cima da calçada, obstrui a passagem de pedestres e cadeirantes do mesmo jeito, está sujeito a multa e reboque do mesmo jeito, o cidadão pode quebrar a tua lanterna do mesmo jeito e alegar que não teve espaço para evitar o incidente.

Bicicletas não estão livres das leis de trânsito, só de IPVA e afins. Andar na contramão, em cima da calçada, obstruir o tráfego de pedestres e outros, te sujeitam à perda do veículo, que poderá ir a leilão se a guarda de trânsito te flagrar.

Um ônibus coletivo, embora rústico e muito desconfortável, (provavelmente) custa, pesa e pode muito mais do que o teu carro. Não subestime a lerdeza de suas reações, pois esta mesma lerdeza dificultará desviar do teu carro, se decidires cortá-lo no trânsito. É lento para acelerar, mas em velocidade a tua Dodge Ram se torna uma pulguinha diante dele.

Aliás, corredores exclusivos para ônibus são exactamente isto, exclusividade deles e de veículos de emergência, não são para idiotas fugirem do trânsito. O que quer que te aconteça se entrares nela, a culpa será tua, não importam a barbeiragem dos motoristas autorizados a trafegar nestas vias; tu JAMAIS deverias estar lá.

Os carros de emergência (polícia, bombeiros, ambulância) não estão brincando de apostar corrida, estão tentando evitar uma tragédia. Então não queiras brincar de piloto nestas horas. Se eles estiverem atrás, com a sirene ligada, então sim, neste caso, podes sair no sinal vermelho, poderás utilizar isto para se poupar de multa e pontuação. Veja bem, não é permitido sair da frente, é OBRIGATÓRIO sair da frente.

O som alto do teu carro não é desculpa, é agravante para um acidente. A lei preconiza a obrigatoriedade de o motorista ficar atento ao trânsito, não importa o que aconteça dentro do carro. Se o som te distrai, baixe o volume, ou isto será usado como risco assumido em caso de processo por lesão corporal ou homicídio.

Se não houver uma placa proibindo, podes até tentar fazer uma conversão à esquerda em via de mão dupla, mas estejas ciente de que a culpa sempre será tua aconteça o que acontecer, os carros que vierem logo atrás podem te fechar que estarão com a razão, porque para fazer a barbeiragem terás que ficar parado, esperando o trânsito da outra mão, obstruindo a em que estiveres.

Se tu filho de doze anos já dirige bem, ele está livre para pistas fechadas, vias internas de condomínios e manobras de estacionamento. Mas até completar dezoito anos e tirar a carteira, está expressamente proibido de sair à via pública ao volante. É lei, não interessa se concordas ou não. Ele sabe controlar o carro, mas é uma criança e não sabe se controlar. Se bater ou atropelar alguém, ele entra em desespero e agrava o acidente. Os outros não vão lhes avisar que sairão repentinamente, em alta velocidade e sem dar a seta. Não importa quanto domínio tenha do próprio carro, do carro alheio ele não tem nenhum. Nem ele, nem tu.

Os políticos a quem recorres para quebrar multas, são os mesmos que permitem ocupação ilegal de áreas perigosas, que retundam em catástrofes como as que nos castigaram neste início mórbido de ano. Se pedires um favor ao infeliz, ele vai te cobrar na hora de livrar a própria cara-de-pau. Ter o nome na lista de investigados da Polícia federal pode ser muito desagradável.

Dúvidas? Cliquem aqui.

15/01/2011

RIP Cultura

Quem conheceu a TV Cultura nos anos 1990 sabe da pérola que era. Infelizmente seu sinal só estacionou em Goiânia tardiamente, mas com muitas reprises do programa Rá-Tim-Bum e jóias dos anos 1980 ainda serviam bem e eram apresentadas.
A agilidade de uma grade que não subestimava a inteligência do telespectador com excesso de explicações, era uma das tônicas, ao contrário do que as redes privadas já faziam, deturpando a idéia original do politicamente correcto, tornando-o uma censura branca. Afinal, quem não sabe o mínimo não entenderá explicações do médio.
Foi uma época rica em bons documentários, apresentadores compromissados com o público da emissora e não com os níveis de audiência, programas estrangeiros que jamais passariam na Globo ou SBT.
Até mesmo o Repórter Eco, que trata de um tema quase sempre tocado com extremismo, dosava a linguagem e transbordava as informações relevantes, sem querer exterminar a espécie humana nem transformar os entrevistados em estrelas.
A Cultura era uma rede pública de rádio e televisão. Valia à pena relevar o sinal mais fraco e vulnerável para ter alguns instantes da sensação do que seria viver no primeiro mundo.
Embora fraca em recursos financeiros, era uma ilha de qualidade e respeito ao espectador. Há muitos vídeos daquela época (aqui) na rede. Falava-se a verdade, pois o patrocínio não tinha peso para calar o jornalista, muito menos a vaidade política. Como acabei de dizer, não tinha.
O primeiro escabro foi um famoso esquerdista assumir a presidência da Fundação Padre Anchieta, que mantém a TV Cultura. Esperava-se que alguém perseguido e censurado pela ditadura desse o bom exemplo. Não deu. Soninha Francine, apresentadora do programa RG (um episódio) foi demitida após dizer que já fumou maconha, em uma entrevista à Veja. Ela disse claramente que aquilo destrói a vida de uma pessoa. Não foi convidada a se explicar, se desculpar ou mesmo dizer em seu programa porque as drogas são tão perniciosas, o que teria sido uma grande contribuição ao público (majoritariamente jovem) do programa. Ela foi demitida. Sumariamente, sem direito a choro nem vela.
De então em diante a situação da emissora se deteriorou. Os dirigentes seguintes agravaram em vez de consertar as besteiras de seus antecessores, funcionários foram demitidos a pretexto de enxugar a empresa. A última pendenga tem como pivô um lavajado que há nas instalações da emissora, que serve aos funcionários. O presidente actual João Sayad alega que nem a Globo tem um lavajato dedicado... Imagino o impacto que dois peões têm nas contas de uma emissora, que por  menor que seja faz circular muito dinheiro. Não, não estou defendendo que todo mundo tenha lajavato e lanchonete grátis para seus funcionários, é apenas um exemplo da avareza que tomou conta de uma emissora que deixou de ser pública para ser estatal.
Uma das maiores perdas foi com a demissão da jornalista Salete Lemos, por ter escancarado a farra e os abusos dos bancos no Brasil, de forma que todo e qualquer espectador pudesse compreender, sem economês e sem verborragias supérfulas. O patrocínio passou a ter mais peso do que nas emissoras comerciais. Bem mais, porque para um patrocinador conseguir demitir um jornalista de renome e prestígio público, precisa este ter dito algo de muito grave, ofendido pessoalmente a empresa e não ter aceito réplica ou retratação.

O golpe de misericórdia virá agora, a emissora terceirizará (aqui) parte da programação. Por causa das dívidas trabalhistas (cerca de R$ 160.000.000,00) causadas pela má gestão dos antecessores, menos de um terço da programação deverá ficar à cargo da Cultura. Menos de um terço. Isto inclui o fim do contracto com TV Justilça e TV Assembléia, esta, para quem não sabe, permite ver direitinho o que os parlamentares estão fazendo, por mais que eles disfarcem. A outra é um verdadeiro mapa para quem precisa recorrer, ou quer evitar ter de recorrer, ao judiciário. São programas de grande utilidade para o público que a TV Cultura amealhou nestas quatro décadas. O presidente da entidade diz que é justo o contrário, para concentrar o "reduzido talento administrativo na telinha e no rádio". Reduzido por causa dos erros crassos e da intervenção política na emissora. É fácil prever que uma enxurrada de igrejas caça-níqueis fará a festa, além dos polyshops da vida.


É triste o terceiro artigo da nova fase do Talicoisa (aqui) dar uma notícia dessas, mas é nosso dever informar não só o caminho das flores, mas também alertar para os escorpiões que se escondem entre as floreiras. A emissora está na iminência de perder, em ações judiciais, quase o dobro dos R$ 84.000.000,00 que o Estado repassa como orçamento.
Se antes a despreocupação com índices de audiência garantia a adesão do público cativo, hoje o afastamente do mesmo é desculpa para passarem a usar a relação custoXaudiência como baliza. Decerto que a qualidade da audiência caiu, ou programas imbecilizantes chamados de shows de ralidade não teriam um terço do público que têm. As pessoas estão com preguiça de raciocinar sobre o que estão vendo. Por isto mesmo a boa e velha Cultura se faz ainda mais necessária. Depois da internet, o público percebeu que não precisa se prender às porcarias da televisão privada para ter entretenimento; depois dos desmandos ele percebeu que também não pode mais contar com a rede pública para isto. Eu mesmo não agüento ficar mais do que cinco minutos diante de uma televisão ligada. Via de regra, nem dois minutos. A vontade de ir ao banheiro e descarregar o barroso impera, ou mesmo a necessidade de respirar ar fresco e oxigenar minhas sinapses. Fiquei sem televisão, de novo. Doarei minha tevezinha P&B de cinco polegadas, ela durará algum tempo até os sinais analógicos serem extintos, mas para mim se tornou inútil.

Espero francamente que o elenco remanescente consiga, ao fim das ditaduras de esquerda e direita que enfrentou, retomar o caminho que garantia à emissora a pouca e fiél audiência que tinha, sem as imensas dívidas trabalhistas que a estupidez das administrações posteriores renderam. Porque seria triste, uma perda lamentável ver a TV Cultura ter o mesmo fim da Manchete (aqui e aqui).

Ainda bem que temos os Youtubes da vida, ou programas como Bambalalão e espaciais como os do Palavra cantada (como aqui) ficariam inacessíveis ao público infantil de hoje, que precisa do respeito que estes programas tiveram com nossas gerações.

08/01/2011

Coitadinhos!

Há pouco fiquei sabendo o que faz um deputado federal. Me deu um dó, um nó no peito e outro no bolso, que não sou trouxa.

Ser paraninfo de formandos deve ser muito extenuante! Imaginem, encomendar um terno completo só para isso! Terno é caro, vai o auxílio-paletó todo nesta brincadeira. E ainda ter que alugar o carro, arranjar o motorista, se hospedar, atender à militância local, enfim, é tremendamente cansativo.

E padrinho de casamento, então! Que absurdo ter que dar presentes a tanta gente, só para poder pedir votos depois! As verbas indenizatórias vão para o espaço num instante. Mandar fazer um fraque é caríssimo! E um doutor-deputado não pode usar o mesmo fraque duas vezes, seria ultrajante à sua excelência. Cada evento exige e ameaça de morte por um traje exclusivo, eles representam o povo!

Mas não é só o ilustríssimo que se apresenta ao evento em sua homenagem. Não, caros leitores, o coitadinho tem que levar, vestir e paramentar a esposa, quando não uma filha mais exigente. Sabemos como esses jovens de hoje se recusam a viver com o básico, no mínimo exigem que um secretário de gabinete vá assessorar. É muita despeza para onze mil reais. E se a festa for de um correligionário? Então o sofredor precisa pedir complementação indenizatória!

Gastos extras, então, nem me atrevo a imaginar o que sejam. Deve ser algo sofisticado demais para um homem vulgo do povo compreender.
O povo deve parar de aborrecer os anjinhos de terno que fazem coro em Brasília! Os santinhos são (mal) pagos para representar seus eleitores em festinhas particulares, eventos em homenagem própria, diplomacia extraodrinária em praias de países ricos e mais uma miríade de despesas que não entraram na conta.

Votar projectos, orçamentos, emendas, cobrar ação do executivo, fiscalizar obras públicas para que? O povo precisa vê-los agindo, e só se vê um autruista desta estirpe trabalhando em festas, em eventos, nos comitês de suas bases eleitorais, no superfaturamento de obras, em fraudes licitatórias, em desvios de recursos que deveriam ir para as escolas, cousas do tipo.
Aliás, vocês viram a propaganda na tevê? Que mentira absurda! Que irresponsabilidade em enganar o povo, fazendo todos acreditarem que um professor tem algo a ver com o desenvolvimento de um país! Vão à Suécia e vejam como eles tratam seus parlamentares. Lá, cada um tem seu próprio palácio, com sua própria frota representativa, um batalhão policial sob seu comando e tudo mais. Por isto os suecos vivem como vivem, podendo se preocupar com problemas de países pobres, porque seus parlamentares são tratados como reis. Eles nem precisam de salário, podem simplesmente entrar em uma loja e tomar posse do que for de seu agrado, mesmo que seja a vendedora, é assim que se manda um país para o primeiro mundo. Lá todo mundo foi passado de ano, sem precisar de professores, esta raça inútil.

Onze mil, minha gente, é pouco demais! Não dava para os gastos particulares que a constituição não prevê em parágrafo nenhum. Deveríamos é trabalhar ao menos uma hora a mais por dia, para dar um vencimento condizente a estes baluartes da democracia!
Aliás, o cargo deveria ser vitalício e hereditário! Assim os pobrezinhos não teriam que gastar com campanhas, nem se estressar com votações, ou temer que gente do povo possa subir e tomar seu título. Eleições desgastam muito! Consomem o dinheirinho mirrado de nossos deputadinhos federaizinhos.

Eleitorado malvado!

Eleitorado imbecil!

Estes pústulas dão combustível à insanidade autoritária e separatistas de grupecos de extrema demência, que há em várias partes do Brasil. Desabonam completamente a mais arraigada e basilar idéia de democracia, dando combustível para idiotas de extremo-qualquer-lado que querem fazer no Brasil o que fazem em países do velho mundo; causar mais baderna e conflitos do que nós já temos. Cretinos que vêem nos desmandos em causa própria, que é só  que os parlamentares fazem sem uma corda no pescoço,  um argumento incontestável para uma ditadura hereditária.

O congresso deveria ser todo acionado por funcionários públicos de carreira, já estabilizados. Parlamentares não deveriam sequer ter carro individual à disposição, não precisariam nem se decidissem trabalhar em causa pública. Para fazer o que não fazem, se podem utilizar vans e ônibus. Ninguém, nem mesmo promotores de eventos, é pago para receber homenagens ou apadrinhar noivos, isto é assunto particular. Nenhuma empresa paga a seus funcionários para serem paraninfos, nenhuma autarquia pública paga a seus funcionários pelo presente de casamento. É justo para assuntos pessoais que eu (tu, ele, nós, vós e eles) recebo meus vencimentos, que nem fazem cócegas nos onze mil reais que os pulhas rejeitaram. Ganhar para comparecer a festinhas é para artistas, que francamente caem muito no meu conceito com isto. É para quem vive da imagem e não tem responsabilidade nenhuma para com  uma comunidade, que dirá um país líder de continente.

Só o que me consola é a consciência limpa de ser pé frio em eleições.

A pedido da amiga e laitora New, o vídeo que inspirou o texto:

06/01/2011

Mini poesia para Minnie



Vida curta, talento longo.

Quantas vidas a cada nota, quantas notas ainda vivas. Ecoam no tempo da rede que então não havia, na saudade da qualidade de uma carreira morta.

Pelos melindres do mundo humano a justiça se fez para Minnie. Saiu do orbe denso e poluído aos braços do coro perene que hoje integra.

Para quem fica só resta o pesar de a música estar de desfacelando. Talento? Pouco público para muito trabalho, retorno lento.

Enquanto poucas se esforçam para manter o nível que ela seguia, a regra em maioria se acomoda no chão da apelação e da verborragia. E a música calada torna a tocar.

Justiça foi feita para ela, ela subiu, ela mereceu. Dormiu na penúria do mundo e acordou no coral dos serafins. Por aqui os dentes rangem e a phonographia edita.

O saudosismo, outrora doença ou capricho, se faz remédio para quem não se adapta à invasão massiva da cultura-lixo. Quero desinfectar meus ouvidos.

Outrora foi comum e não se dava tamanho valor, como não dá quem respira bem no nível do mar, mas caindo indefeso na água busca em desespero uma só lufada de ar.

Se parece velhice precoce ter saudades do que já não se tem, podem me chamar de velho, que é velhice sadia do bom senso.

Amém.

31/12/2010

O gatoro de Curitiba


Ele jura que este não é seu alter ego

Findo os trabalhos de blogagem do ano falando de um amigo curitibano.

Este amigo nasceu em uma casa tão pobre, mas tão pobre, que eles precisavam escolher entre ter paredes ou ter teto, não podiam pagar pelos dois ao mesmo tempo. Na seca tinham paredes, na época da chuva tinham um telhado suspenso miraculosamente no ar, mas quando o tempo enlouquecia eles se lascavam bonitinho.

Contudo e porém, o garoto de Curitiba não desanimava. Perseverança? Que nada! Pura teimosia mesmo. Ainda cedo começou a fazer seus primeiros rabiscos. No começo eram rabiscos toscos, borrados e sem nenhum profissionalismo, todos diziam que até uma lesma com diarréia desenharia melhor. Hoje ele sabe que profissionalismo é fundamental, profissionalizou-se, mas o resto continua a mesma cousa.

O garoto de Curitiba tinha um sonho, que realizou parcialmente; sonhava ser um cartunista famoso, rico, cheio de mulheres e reconhecimento internacional. Uma mulher ele conseguiu, o resto ficamos devendo, sorry.

Quando entrou para a escola, o garoto demonstrou um talento maior do que o de cartunista, o de arranjar encrenca. Seu lema: perco os dentes, não a piada. Seu dentista chegou a oferecer-lhe sociedade no auge do nonsense.

Chegou a época de se alistar. Os oficiais do exército lamentaram assaz não terem onde aplicar tamanho talento, pela primeira vez lamentaram por não termos inimigos, pois o garoto de Curitiba sozinho conseguiria arruinar com o andamento de uma divisão inteira, tamanha incompetência. Tiveram que dar-lhe a dispensa.

Desempregado, rejeitado e devendo até os bagos, o garoto de Curitiba se viu na vidinha de sempre, chegava a ser confortável de tão acostumado. Montou uma banca em uma praça com um singelo cartaz: "Desenho por comida", mas os negócios iam mal, ninguém aceitava ser comida em troca de um desenho.

O garoto de Curitiba pensou em desistir e dar cabo da vida, até que um dia tentou cumprimentar um concidadão e sua vida mudou, a resposta daquele curitibano típico mudou sua vida, deu-lhe um chute que ele foi parar andares acima, sobre a mesa do director de um jornal, que acabava de dizer "Temos que encontrar um idiota que aceite este emprego ultrajante, ou perderemos a verba do Coitados Anônimos!". Ele viu aquela figura esdrúxula sobre sua mesa, aquela cara de perdedor pro-master e disse "Está contractado, queira ou não".

O que eles não sabiam, porém, é que Alberto Bennet é uma pessoa normal, com seus níveis de psicose controlados e suas angústias virando material para seu trabalho. Seus desenhos toscos e politicamente incorrectos chamavam atenção ainda nos anos 1980.

Desapegado, não se importa em ceder desenhos para os leitores ilustrarem seus blogs. Exprime suas frustrações com um humor corrosivo e desenhos toscos, deliciosamente toscos, capazes de arrancar risos só pela cara de mongo de seu personagem principal, o garoto de boné, que ele jura não ser seu alter ego, embora o próprio Benett seja famoso pelos seus bonés e pelo discurso pessimista, até soltar a primeira piada.

Consumidor voraz de blogs, que acabam rapidamente pelo grande volume de trabalhos publicados (aqui, aqui, aqui e aqui), tem uma vida estável de homem de bem, trabalhador honesto e talentoso. É uma prova de que não se precisa saber desenhar muito bem para ser um profissional dos traços. Desenho é técnica, técnica até um chimpanzé aprende, é preciso ter talento e um pouco de disciplina para transformar os traços em um bom trabalho, os elementos em uma boa composição e palavras banais em uma piada hilária.

Meu amigo Benett é uma pessoa de fino trato, já reconhecendo que a maturidade bate à porta, mas ele se recusa a abrir enquanto ela não disser a senha: Quantos mililitros há nos seios de Scarlett Johansson?

O talento do verdadeiro garoto de Curitiba, se baseia na capacidade de ilustrar o curitibano como o próprio não se imagina. A partir deste, ele consegue lançar tentáculos para todas as áreas, especialmente a política, que lhe consome litros de álcool para desinfectar as mãos, após cada trabalho. 



Nos últimos oito anos ele fez o melhor (até a meia-noite de hoje) presidente Lula que eu já vi, agora vai se esmerar em retratar a nova moradora do Palácio do Planalto, que se verá às voltas com o temível fantasma de nove dedos, este sempre a repetir "Minha faaaaixaaaaa...".

O que mais posso dizer do garoto de Curitiba, é que o Brasil perde muito em não reconhecer seu talento. Uma alegria para quem o conhece, perdem também os paranaenses em não começar pelos seus cartunistas (como também Solda e Pryscila) uma marca registrada que agraciaria o Estado por todo o país.

Faço então este texto como humilde contribuição para que, pelo menos os meus leitores, conheçam e reconheçam o talento lunático de um homem são e bem quisto por seus amigos, mas que realmente prefere perder um dente a uma piada.

Curitibanos, meus filhos, deixem de ser ranzinzas, isto é cousa para goianiense. Quando o rapaz desengonçado de boné aparecer na sua frente, não fujam para a outra calçada, ele representa o que sua cidade tem de melhor.

24/12/2010

Reencontro

Pensei em um conto de natal diferente do que se faz normalmente. Contarei por minhas palavras o que li em um relato espírita, cedido pelo meu alfaiate, que narra o reencontro de mãe e filho, que estavam separados por décadas.


 
Ela já estava velha e cansada, com sua beleza consumida pela idade, pelos lutos e pela vida dura que precisou levar. Não era a mulher submissa que a época exigia, mas ainda assim impunha respeito e admiração da comunidade. Ser viúva e sem posses lhe cobrava um preço alto, pois mesmo na comunidade a misoginia reinante alimentava o despeito dos homens.


Entretanto uma cousa as vicissitudes não lhe tomaram: o coração angélico. Como desde sempre, continuava a receber em sua cabana qualquer um que viesse lhe pedir amparo, fosse por fome, fosse por aflição, fosse hebreu, samaritano, mesmo um soldado romano, fosse quem fosse e pelo que fosse. Seus esforços nunca ficavam aquém de suas possibilidades, todas as suas possibilidades. Seu limite para o trabalho era o limite de suas forças.


Mas estas possibilidades se tornavam cada vez mais escassas, era só uma lavadeira idosa e já acometida pelos males típicos da idade.


Certa feita, já se preparando para dormir, ouviu baterem à sua porta. Com o peso do dia duro a limitar sua agilidade, foi ver o que poderia fazer para o visitante tardio, já se preparando para dar suas palavras de consolo e talvez um pedaço de pão. Deparou-se com um velho encapuzado e convidou-o a entrar. E que surpresa, ele é que começou a falar da vida celeste, das recompensas que a aguardavam, de tudo mais o que sua vida absolutamente santa lhe reservava. Seus olhos marejavam e a voz embargava, era a primeira vez que lhe consolavam em vez de pedir consolo.


No decorrer da conversa, certos padrões se deixaram reconhecer. A voz firme e cristalina do visitante destoava de sua aparência decadente, assim como seus gestos suaves e o repertório de seu vocabulário, muito além do de qualquer homem de conhecera, exceto por... E uma boa mãe não reconheceria seu filho? Ele notara que sim. Então deixou o capuz cair e se revelou para sua sofrida mãe, que se ajoelhou chorosa aos seus pés, e ele se ajoelhou para abraçá-la. Embora fosse figura de sua veneração, ele deixou claro que eram iguais, estavam precisamente no mesmo nível. Em breve, avisou, virei buscá-la. Já está a caminho quem te auxiliará no teu desenlace.


Ele se despediu e ela foi dormir feliz como nunca. Na manhã seguinte chegou o auxílio prometido e, pela primeira vez, a senhora se deixou tomar pela enfermidade da velhice, pois já era hora de se livrar das amarras. Enquanto se fez necessário Simão Pedro ficou ao lado de Maria, fiel como ela sempre fora à sua missão.


Certa noite, Pedro percebeu que o corpo começava a se esvaziar, sua Senhora estava indo embora. Mas lhe foi permitido ver tudo acontecer como estava acontecendo. Daquele corpo decrépito saia, mais intensa do que na juventude, Maria em sua indescritível beleza, seu olhar esplendoroso e pleno de um amor capaz de cegar a nós, pobres pecadores, sua voz doce e suave que nos faria chorar antes que concluísse uma frase. À sua frente se abriu um portal de uma luz que queimaria Simão Pedro, não fosse o que já conseguira ser. Deste portal, para o abraço da união eterna, desceu Jesus à Sua Mãe. À Sua frente uma comitiva de seres celestes guarnecia Sua nova ascensão, desde os anjos mais novatos aos mais elevados serafins, todos estavam de joelhos, sinalizando que estavam ao seu irrestrito serviço, de então em diante.


Jesus ainda consolou Simão Pedro, avisando que iria buscá-lo em breve, então Mãe e Filho retornaram pela estrada de luz para retomar o governo da terra, que se hoje seus habitantes precisam de toda a assistência que receberem, na época de sua infância muito mais.