06/09/2007

Onirautas IV, Um Sonho Chamado Hollywood


Este texto é mais uma homenagem à Audrey Beathan, uma criança com mais de vinte anos que me devolveu um pouco da alegria que eu tinha perdido muito precocemente; também ao meu amigo Kanangô, que me deu motivos para não mais menosprezar os filmes de hoje... Agora só os detesto.

Não existem apenas sonhos individuais. Ao contrário das alucinações, que emanam do mais obscuro rincão do ego de cada um, os sonhos podem ser coletivos e o cinema é a mais contundente representação deles.

Quando um evento público consegue causar algum tipo de torpor, ou ao menos distrair as massas de seu cotidiano, torna-se um sonho coletivo. Actualmente a televisão tomou o trono, daí se compreende porque as pessoas têm tido cada vez mais pesadelos. Um sonho somente, entretanto, não é suficiente para aliviar o sofrimento de uma população. Também se fazem necessários remédios de tarja preta, comida leve ou (de preferência) a REALIZAÇÃO, ao menos parcial, do que esse sonho coletivo prometeu.


ONDE TUDO DEU ERRADO?


Não sei. Mas com certeza não foi absolutamente tudo, tudinho da silva, ou toda a civilização teria entrado em colapso. Imaginem seis bilhões de pessoas azedas, infelizes e dispostas a dar cabo de si e dos outros, por não terem sentido para suas vidas! Faria o bairro mais violento do Brasil parecer um paraíso. Algo deu certo.


ONDE ALGO DEU CERTO?


Foi logo no início. Quando os irmãos Lumiére fizeram a primeira sessão, as pessoas, após fugirem do trem (ah, ah, ah, ah, ah, ah, ah) descobriram uma aventura na qual não corriam riscos desnecessários, a não ser de se apaixonarem pela arte nascente. Poderiam participar de romances, conhecer gente nova, lugares inusitados e toda uma sorte de possibilidades que ainda hoje não esgotaram... Notaram como a língua portuguesa tem palavras estranhas? Esgotar... Esgoto... Faz sentido, mas é estranha.

Claro que neste mundo tudo tem seu lado ruim, mas este a imprensa faz questão de mostrar e exagerar, então me aterei às partes boas. Como Greta Garbo. Ah, vocês jovens não sabem o que é uma actriz! Era aquele mulherão aparecer na tela e qualquer cochicho desaparecer. Ela vendeu o sonho da mulher poderosa e emancipada no período entre guerras, uma ousadia que logo despertou a ira dos conservadores. Disciplinada ao extremo, abandonou o cinema quando teve sua primeira bilheteria abaixo da expectativa. Achou que era tempo de parar, ainda jovem. Mas soube respeitar os sonhos que vendeu e tomou chá de sumiço, até nos deixar em 1990. A imagem que todos têm dela é a da sueca inatingível, cujo olhar por si mesmo emana uma ordem à qual não se pode resistir. Bem, ela era assim na vida pessoal. Isso a tornou um tanto distante nas relações pessoais, mas foi sincera. Sabia que estava vendendo sonhos, não sua vida pessoal, então não dava entrevistas, não fazia charme para photógraphos, enfim, se portava como a deusa que conseguiu fabricar. Acabou se tornando realmente uma deusa pois quase ninguém a viu velha. Isso foi ponto de honra para a moça reclusa e atraente.

Falando em deusas... Grace Patrícia Kelly. Gênio inversamente proporcional à sua constituição frágil, não esperou o papai arranjar um casamento vantajoso na Philadélphia e foi logo trabalhar. Começando de baixo, mas sem parar para esperar pelo príncipe encantado. Um dia se tornou princesa. Mas princesa de verdade, que trabalhava com o marido nos negócios do principado, mais tarde engajou em uma causa nobre e criou uma fundação em prol das crianças pobres, que ainda hoje funciona sob a batuta da filha, a princesa Caroline. Me perdoem os amigos lusitanos, mas por cá respeitamos os nomes próprios. Para quem adorava detratar sua imagem, era ignorado o facto de ela ser mãe de três adolescentes, tendo uma delas a alcunha de "A Criança Terrível", quem é mãe já está compreendendo o que digo. Grace se destacava não só pelo talento, mas por sua plástica irrepreensível, um rosto que ninguém se cansava de olhar e um comportamento público de grande refinamento. Grande apreciadora de homens mais velhos, hoje talvez chocasse por isso, mas na época era sinônimo de juízo preferir homens maduros, tanto que se casou com um.

Trabalho também não incomodava a belga Audrey Hepburn. O Anjo das Crianças, que ilustra este texto. Seguiu o exemplo da amiga loura e foi mais longe. A fidalga foi um dos maiores ícones de classe e elegância do século XX. Bem educada de berço, bem instruída, talentosa, excelente voz, postura de uma rainha. Deixou o cinema por muito tempo para se dedicar aos filhos, o horror para as feministas mais azedas. mas nunca deixou de militar, viajava aos países africanos, fez o mundo perceber que estava deixando alguém de lado.


Agora aos sonhos, como se essas três já não tivessem sido em vida. As distintas damas em questão fizeram trabalhos de fazer os productores de hoje se esconderem de vergonha, se eles tivessem. Muito romanceadamente, elas mostraram que o mundo não é um paraíso, que mesmo os mais abastados choravam e que essa abundância, irônicamente, poderia consistir na ruína do elitizado. Sendo coerentes com suas propostas, elas e a maioria de suas colegas de olimpo, convenciam as pessoas de que se poderia ter esperanças se o trabalho viesse no pacote. Pois não se conhece época de maior esperança do que aquele período de poucas décadas. As pessoas começavam a ver a contradição tanto do conservadorismo, como a segregação que os ianques tinham legalizada, quanto no apego às novidades, que Charles Chaplin mostrou de modo inequívoco em "Tempos Modernos". As previsões para o futuro eram as mais optimistas da história. James Dean mostrava que os espinhos eram muitos, que a falta de vigilância e a intolerância doméstica poderiam ser letais, mas foi ele o endeusado, não a atitude de seus personagens.

E o cinema se uniu aos arquétipos, tornando-se um neótipo. "Bonequinha de Luxo", "Janela Indiscreta", "O Poderoso Chefão", "Cidadão Kane", "O Maior Espetáculo da Terra", "Casablanca", "E O Vento Levou"... Não haveria espaço neste blog para citar só os que eu tive a alegria de assistir. Por isso mesmo posso assegurar a superioridade qualitativa dessas obras.

Um trabalho bem feito era comum, não se ouviam exclamações quando ele aparecia. Tanto em ficção quanto em bases de factos reais, as cenas cinematográphicas fazem emergir os medos e os anseios que a vigília mecanicista oprime, tornando até mais fácil o trabalho de psicólogos e psiquiatras. Basta perguntar a uma pessoa quais os seus filmes preferidos e o porquê de preferir estes, logo os olhos brilham e a expressão facial, antes neutra e normopatológica, muda completamente. O camarada acanhado e obediente revela seu lado autoritário, a moça rebelde e independente revela a Branca de Neve que ainda sobrevive em seu coração, o conservador extremista exteriora suas taras e fantasias mais loucas, enquanto o brutamontes confessa que queria fazer balé.


Não é nada de extraordinário, é psicologia. Extraordinário é o recurso estar quase inexplorado pela maioria dos profissionais. Seria arterial na ajuda aos mais reclusos pacientes.

Eu adoro desenho animado. Adoro as obras de Tex Avery. Daí um bom profissional logo descobriria que não precisa ter medo de minha cara fechada, bastando ter respeito pela casa.

Imaginem um bom musical, como "Cantando na Chuva". Há quem chore ao ver Gene Kelly dançando na rua. Chora e aluga o filme toda semana. Masoquismo? Um pouco. Mas estar cantando debaixo daquele aguaceiro remete, principalmente, ao nascimento; "Como ele pode estar tão feliz por nascer se eu achei uma completa desgraça?". Enquanto não entender o que realmente sente com aquela cena, vai continuar chorando e não aproveitando o melhor do filme. Mas eis que, eureka, um dia ele se vê sob uma tempestade, com a roupa ensopada e começa a cantar feito um demente "I'm sing'n in the rain..." ele vê que o nascimento, apesar de sofrido, pode sim ser muito bom. Só que depois ninguém entende como ele melhorou tanto de humor. E daí? Que aproveitem a nova fase e deixem o dem... digo, o rapaz cantar e dançar.


Senhoras e senhores profissionais de saúde mental, vos faço este singelo apelo, usem o cinema de qualidade para ajudar no tratamento de seus pacientes. Eles e vocês só têm a ganhar.

05/08/2007

Link Nobre


A televisão não vai morrer, os inimigos dela podem tirar o cavalinho da chuva. Mas não será a mesma coisa.
Para começar, podem ir esquecendo essa conversa de "horário nobre". Depois, dêem adeus às mega produções feitas por uma só empresa, provavelmente desaparecerão. Qualquer coisa muito cara será feita em consórcio. É batata.
O que vai acontecer? Já aconteceu, fiotes! E ainda está acontecendo. Desde que esse tal de You Tube deu as caras que qualquer mané consegue exibir seu trabalho, não em rede regional ou nacional, mas para todo o planeta e sem complicações. Na verdade, para o cosmos, pois creio que a Estação Espacial Internacional tem acesso à rede.
Há muitos sítios oferecendo seriados completos, programas antigos, propagandas em branco-e-preto, desenhos que já eram velhos quando eu nasci. E estão ganhando com isso. A maioria tem atalhos para patrocinadores.
Me digam, por que eu vou querer ver a oitava reprise de "Buchi, o Cãozinho Ninja do Barulho em Las Vegas" se posso rever Túnel do tempo ou A Feiticeira, ou mesmo as pilhéias de Ronald Golias?
Se as emissoras tiverem juízo, abrirão seus próprios provedores (enquanto ainda têm verba para tanto) e disponibilizarão lá o seu conteúdo, para que o público escolha o que e quando quer assistir, sem as complicações burocráticas que a já malfadada tevê digital está causando. Acredito que ela será como a máquina de escrever digital; veio tarde e já tinha o computador para enfrentar, cabou sucumbindo.
O patrocínio dependeria, quase sempre, de o usuária clicar no ícone do patrocinador, o que nem sempre aconteceria, fazendo os executivos rebolarem para convencer o povo a clicar. Mesmo assim há milhares de boas produções de baixo orçamento sendo postadas todos os dias, seja no You Tube, seja em seus recentes concorrentes. A verba seria pulverizada. Se isso é bom ou ruim? Para quem ganha com monopólios é péssimo. Para o restante da humanidade é uma maravilha. O acervo já existente não vai desaparecer, pois tudo já se encontra nas estradas da rede, tudo mesmo. Ainda que via e-mail, algo que juiz nenhum pode barrar. Também porque as grandes emissoras não são estúpidas, sabem que encolher é melhor do que desaparecer, e que suas marcas ainda valem muito para o opúblico, o que podem explorar facilmente.
Imaginem então meios alternativos de receita. Ao lado da tela de exibição do programa escolhido, haveria um menu com productos e serviços relacionados ao mesmo, com a marca do programa e da emissora, que assim ficaria menos dependente de anúncios. Por exemplo, em programas de cultura poderia haver um link para os productos das apresentadoras, como livros e licenciados. Haveriam casos nos quais isso pagaria todo o programa, o que geraria maior independência, não teriam que temer a perda de um patrocinador.
Vai uma dica de como dar um ar menos amador à sua produção: use edredons em portas e janelas para abafar o ruído externo, bem como almofadas por perto para reduzir os ecos que o microphone vai captar. Procure estender um lençol branco no chão para a iluminação ficar mais uniforme e, principalmente, ensaie um pouco antes de gravar, em frente ao espelho, para poder controlar melhor as tuas caretas e teu olhar de "heim? quem sou eu?" que sempre vejo nos vídeos.
Ah, sim, os artistas. Talvez a profissão sofra uma transformação radical. Haverá tanta gente boa ganhando fama, que praticamente todos conhecerão ao menos uma "celebridade" ao vivo. O status de actor ficará menor. Ana paula Arósio é linda, deslumbrante, mas terá que ceder espaço para outras, ainda desconhecidas, tão lindas e deslumbrantes quanto. Pois existem. Quem ganhou a aura mítica da televisão, ganhou, quem não ganhou não ganha mais. Os paparazzi sim, iriam penar. Por que vou querer ver uma ex bbb (boba, besta e banal) comendo salsicha na praça? O mesmo veículo que dará uma programação mais refinada, ao menos para mim, também me fornecerá imagens de moças bem melhor apessoadas fazendo coisas bem mais inteligentes.
Para ser CELEBRIDADE a pessoa terá que fazer por onde. Sim, virão à tona baixarias que o medo dos patrocinadores não permite, mas estamos no mundo dos homens. O que importa é que muita gente valorosa e talentosa terá seu espaço oficial e poderá viver disso.
Imaginem os fóruns que vocês freqüentam tendo, pelo menos, seu próprio programa. Como a Ni TV, apresentada por Flávia Pegorin, Clarissa Passos e Viviana Agostinho directo de San Francisco.

Aguardai, amigos ávidos por uma programação autêntica, pois o dia em questão não tarda.

Onirautas III; Os Sonhos de Zezinho


Zezinho subiu na macieira, mas não encontrou goiabas, então desceu e voltou para casa. Todos os dias Zezinho subia em uma macieira diferente, mas só encontrava maçãs. Grandes e suculentas, mas apenas maçãs. Zezinho queria goiabas. Por que? Nunca tinha comido goiabas e lhe disseram que davam em árvores, que nem a maçã. Não é de admirar que ele, em sua tenra idade, fizesse tal confusão.

Zezinho queria muito as goiabas, mas procurava nos lugares errados. À bem da verdade, não haviam goiabeiras na região onde morava. Só em uma conversa com Mariazinha (Coro: Tão namorando, tão namorando...) ele descobriu a verdade. Ela estivera em Goiás, para visitar parentes, conheceu a goiaba e a goiabeira...

- Trouxe algumas, amanhã te trago uma.

- Como é?

- É verde, de casca fina e rugosa, com a polpa cor-de-rosa bem bonita, o sabor é um doce suave, muito gostosa.

Naquela noite, Zezinho sonhou com Mariazinha. Ela estava em um tailleur verde claro de tecido texturizado, com uma blusinha cor-de-rosa por baixo. Ao seu redor uma paisagem mais quente e seca e uma voz de mulher dizendo "Só nasce aqui. Aí é muito frio". Atrás de mariazinha verde-e-rosa, algumas frutas lançavam sementes ao solo, mas só as da região conseguiam brotar.

No dia seguinte, a glória, trouxe-lhe a goiaba tão sonhada. O aspecto não lhe parecia lá grande coisa, mas gostou logo na primeira mordida. Não poderia, entretanto, deixar de pensar que a amiga estava com aquelas cores, no sonho. Decide contar, ao pé do ouvido, para não gerar mais celeuma (Coro: Tão namorando, tão namorando...) do que essa amizade já causa. Ela conta para a mãe assim que chega em casa...

- Não acha que vocês são muito novinhos para isso?

- Pra quê, mãe?

Eleonora percebe a inocência da filha e vai falar com Ismênia, mãe de Zezinho e sua ex-professora. Esta não se mostra surpresa, apresenta os cadernos com desenhos coloridos que retratam os sonhos de Zezinho...

- Posso levar para estudar isto ?

- Podes, claro. O que estás pensando, guria?

- Coisas de psicóloga.

Leva os desenhos e se põe a estudá-los. Zezinho, filho tardio, teve todo um conforto e condições que sua irmã não teve. Não raro, indo à Curitiba, pensam ser seu filho. Além do talento para artes plásticas, ela nota a riqueza de detalhes e as cores vivas, além de uma estética muito apurada, provavelmente herdada e aprendida com a mãe severa. Se lembra bem de ouvir o garoto falando de coisas que se parecem com alguns daqueles desenhos, como quando disse que acordou e se pôs a costurar um bolso que havia rasgado. Há o desenho de uma cobra entrelaçando dois troncos de árvore. A junguiana vai falar novamente com a ex-professora...

- "Ex" uma ova! Ainda posso puxar-lhe as orelhas se ela desafinar ao piano.

Eleonora conversa com sua professora de artes sobre aqueles desenhos e a relação com a criatividade do guri. Ismênia não deixa por menos...

- Olha, eu educo esse menino com mãos de ferro, pois o falecido já não pode mais me ajudar. Mas de jeito nenhum eu vou tolher a criatividade dele, isso nunca! Eu não ensinei ele a mentir e já o coloquei contra a parede nas poucas vezes em que houve suspeita, então tudo o que ele diz é verdade. Ele aprende mesmo com os sonhos, acho que capta as coisas durante o dia e elas afloram durante o sono, não sei direito...

- A senhora não deixa de me surpreender. Levou à sério as três pedrinhas e agora faz o mesmo com teu filho.

- Vou te dar mais uma aula, então. Nesses congressos de psicologia, pra onde você viaja tanto, eles falam coisas muito bacanas, muito bonitas, mas esquecem quase sempre de olhar para dentro de casa. José nunca teve luxos, mas nunca lhe faltou o que ele precisava, isso inclui a liberdade de falar de frente comigo, sem medo de achar que faltará com o respeito por causa disso. Ele brinca o dia todo, não porque é desocupado, brincar é a ocupação dele. É assim que ele vai aprendendo a ser adulto no tempo certo, sem ter que perder a infância nem dar as costas aos seus devaneios.

- Maria disse que ele procurou pela goiaba por dois meses!

- Então era goiaba? A fruta da candura era goiaba?

- Ah, ah, ah, ah, ah, ah, ah...

Explica o motivo dos risos. As duas se olham, vêem se ele não está por perto e, lembrando das traquinagens de recreio, começam...

- Estão namorando, estão namorando, logo estarão casando...

Com a liberdade que tem, Zezinho aprende sem traumas a ir atrás de suas aspirações sem medir esforços, mas às próprias custas. O garoto é de philosophar e só Mariazinha se dispõe a ouvir suas citações, ainda que nunca tenham lido um livro de philosophia.

Zezinho conversa com uma baleia saxofonista, trocam ambos algumas idéias e ele começa a marcar o ritimo com conchinhas, na manhã que se segue ele toca a mesma coisa com o lápis na carteira, Mariazinha conta para a mãe e esta cifra a música, que leva para a mãe do petiz...

- José. Venha aqui.

O garoto segue lépido à genitora, que lhe mostra a partitura. Não entende bulhufas, pois ainda não aprendeu música teórica. Pois aprenderá agora, com sua própria composição, repassando tudo à noite, quando canta e dança com notas musicais, com as quais faz todas as combinações que pode. Ele sabe que está sonhando, sabe que em estado vígil aquilo não poderia acontecer. Zezinho não tem travas, sua mãe tirou-lhe todas no decorrer de seu crescimento. Diz sempre que se sonhos fossem só alegorias, o corpo não perderia tempo e energia criando-os. E que alegria de Ismência, vendo hoje seu José dizendo sim para Maria. Mais do que felicidade, seu olhar é de triunfo. Não estragou o menino, como diziam estar, não o transformou em maricas nem em um vagabundo. Pois um vagabundo quando chega a subir em uma macieira, não encontrando a goiaba, come uma maçã e dorme. Não vai atrás do sonho, nem se casa com ele.

Esta ficção meio-parábola é um oferecimento das micagens Audrey e das philosophias Míriam Ungareti. Segue agora nosso próximo tele-texto.

28/07/2007

Memorando I

Caro Senhor Director desta Instituição;
Após cordiais cumprimeitos, venho por meio deste externar minha preocupação com os rumos tomados pela sua administração.
Reconheço que se faz necessário cortar supérfulos, o que é uma atitude sábia. Reconheço que deve haver alguma disciplina mínima para a boa convivência, atitude sapientíssima. Reconheço ainda que se deve regular o acesso de gente estranha ao quadro desta entidade, atitude que merece aplausos.
Devo considerar, entretanto, que nem tudo é supérfulo, nem tudo exige disciplina e nem todos os que entram são estranhos.
Meu médico não é estranho, ele trabalha nesta instituição, tendo sido inclusive membro da primeira directoria, quando da fundação. Meus funcionários podem e devem se identificar na portaria, mas nunca o meu médico! Seria melhor o Senhor Director se identificar e até prestar reverências diante de tão augusta figura. Eu não estou aqui de favor, pago caro pela minha hospedagem.
Não se pode querer disciplinar as idas ao sanitário. Ninguém em sã consciência vai três ou quatro vezes àquele lugar porque gosta. Os funcionários, que já estavam aqui quando o "Senhor" Director ainda usava fraldas, trabalham duro todos os dias, por vezes abrindo mão de pequenas folgas, para oferecerem aos associados um tratamento dígno. E não pedem hora extra por isso. Basta lembrar, por exemplo, das enfermeiras que saíram feridas quando foi preciso, inclusive com meu auxílio, conter um dos amigos do "Senhor" Director. Apesar da elevada hierarquia social que trago, não me importo em ajudar nas actividades mais frugais desta instituição, que por anos tem me apartado do mundo insano que se instalou lá fora.
Desjejum NÃO É SUPÉRFULO! Supérfulo é um Mercedes Benz à disposição da directoria, quando o antigo director utilizava um austero e bem-exemplar Fusca Itamar. Não será nos dando pão com manteiga e comendo damasco, que o "Senhor" Director (?) saneará as finanças desta instituição. Não tente me enganar, sei muito bem que a antiga directoria deixou as contas em dias, com saldo positivo no banco. Está tudo com os meus advogados, pronto para ser utilizado caso não se reestabeleça a boa ordem.
A faculdade, "Senhor" Director (ah, ah, ah! Que piada!) ensina muitas coisas boas, mas a maioria delas só se aprende com a idade, que o senhor ainda não tem. Eu conheci seu pai e sua mãe, exemplares obreiros desta sacra instituição, que me acolheu sem saber quem eu era e de onde vinha, me tratando como se trata a realeza. Quando recebi alta, não quis sair, senão para passeios e visitas a amigos e familiares, pois é aqui que está o meu lar. Não permitirei que um garotinho que decorou os livros e as citações philosóphicas, sem saber o que realmente significam, destrua tudo o que Minha Majestade ajudou a construir. Lembre-se de que trabalho em regime de voluntariado e tenho a plena confiança dos demais associados e de todo o funcionalismo.
Espero que esse episódio possa ser enterrado e possamos ser bons amigos, ambos temos muito a ganhar com misso, principalmente o senhor.

Atenciosamente;

Jocasta Nero Bonaparte de Nazaré
Rainha do Egipto e inventora da roda.

06/07/2007

Onirautas II, A Redescoberta do Onírico


Mais uma onirisséia, novamente dedicada à Audrey, cujas peripécias parecem mesmo saídas do mais surreal devaneio.





Quanto sofrimento vão seria evitado se a psicoterapia fosse mais aplicada? Se os sonhos fossem levados mais à sério? Se em vez de desprezar os sentimentos dos adultos, estes fossem estimulados a aprender a conviver com eles?


Quase impossível calcular, tanto quanto a fortuna que as pharmoquímicas perderiam, pois haveria muito menos viciados em psicotrópicos, que chegam a cometer qualquer atrocidade para se isolarem dos sentimentos que os assustam. Subverteram Descartes.





Houve no século XIX um homem que se atreveu a dizer que as pessoas não são só matéria, que há um factor a mais. Sigmund Freud era um cientista respeitado no meio acadêmico. Médico experiente, daqueles que percebem quando o paciente mente ou não se lembra de todos os sintomas que sente. Conversando com eles, Freud percebeu que boa parte dos problemas comportamentais e de saúde nada tinham de causas orgânicas, mas eram uma espécie de bloqueios não físicos que impediam as pessoas de se realizarem. Muita gente ficou de orelha em pé ao saber desses estudos, mas cabelos arrepiaram mesmo quando ele começou a investigar os sonhos de seus pacientes, talvez até os próprios. Nisso (re)descobriu que o subconsciente manda mensagens continuamente para as pessoas, mas estas estão ocupadas demais tentando ser sérias, adultas e socialmente respeitadas. Se hoje isso cobra um preço alto, imagine na época em que uma mulher mostrar os pés era um escândalo! Pois escândalo maior Freud produziu depois, se atrevendo a falar de sexo na frente dos cientistas sérios e respeitáveis de sua época. Ele conseguiu ligar as travas e todo tipo de anseios à repressão sexual. Mais: disse que bebês têm sexualidade! Horror! Horror! Se nem os pais têm sexo, como os santos rebentos teriam? Mas ele estava aí para a celeuma? Não, não estava. Convenceu-se de que precisava ir adiante e foi, o cabeça dura.


Não demorou e conseguiu muitos discípulos, entre eles Carl Gustav Jung. Jung e Freud trocaram correspondências aos baldes, os carteiros conseguiram justificar seus salários só com o trabalho que esses dois davam. Os encontros eram férteis para ambas as partes. Mas o que era bom durou pouco, Jung desconfiava que algo tão complexo como a mente humana não poderia ser travada só por questões sexuais. Houve a fissão. A cabeça dura, antes um aliado, impedia Freud de raciocinar livremente e aceitar as idéias de Jung, que lhe pareciam tão ridículas quanto as próprias ainda parecem aos olhos dos céticos radicais. Jung começou a falar de inconsciente coletivo, arquétipos, jogar tarot, I-ching, et cétera. Os defensores de que o que não pode ser pesado, picotado e reproduzido em laboratório não tem o direito de existir, logo atacaram, dizendo que suas idéias eram tão absurdas que até o mestre as rejeitava. Claro que exageravam e ainda exageram, assim como não fazem a mínima questão de investigar científicamente para descobrir do que se trata.


O facto é que os tratamentos que levam o ser humano como ser humano, não como mero monte de massa biológica, funcionam. Demoram muito mais do que drogas (por isso mesmo dificilmente viciam), mas os resultados existem para quem quiser estudá-los. A banda podre das pharmoquímicas não quer, nem os orgulhosos que se iludem achando que sabem e controlam alguma coisa no mundo. O tratamento não-químico funciona, eu sou a prova viva disso.


Com certeza as obras desses dois cabeças-de-ferro inspirou o surgimento do surrealismo nas artes, que nos revelou o gênio arrogante e extremado de Salvador dali, que em suas obras nunca fez questão de esconder as conturbações de sua mente. Aliás, caso raro em que alguém viveu muito bem de sua doença.





Freud e Jung deveriam ter estudado suas diferenças, em vez de usá-las como escudos. Não se sabe onde teriam chegado se não tivessem rompido, mas estaríamos anos-luz adiante no tratamento de distúrbios mentais. Acontece que Jung nunca negou que a repressão sexual tinha forte influência no comportamento de sua época, apenas disse que não era a única coisa. Seu "pecado", talvez, tenha sido admitir a existência de coisas que o racionalismo irracional da revolução industrial jogara para debaixo do tapete. Afinal, um operário que sonha tem idéias, se tem idéias pode não aceitar a exploração selvagem, daí podem tirar suas próprias conclusões. São coisas ainda hoje taxadas de misticismos, por pessoas que se recusam a estudá-las como o fazem com as obras freudianas e junguianas. Interpretar sonhos, ler arquétipos, jogar palitinhos chineses, cartas de tarot então! Tudo aquilo cheirava a bruxaria, superstição que a "verdadeira ciência" banira e da qual as pessoas não precisavam ter medo. O medo agora eram a fome, a guerra, o extremismo religioso, mas não aquilo.


Acontece que a corrupção é racionalista, não admite a menor hipótese de que as pessoas conheçam a si mesmas, sob o risco de seu palanque ruir. Ainda hoje o ocidente reluta em aceitar o que vem funcionando há milênios no oriente. Nem vou falar em questões espirituais, dharma e karma.





Certa feita tive uma vizinha com dois filhos, um deles tinha um medo irracional de cães, mesmo os de bolso. Na realidade, bastou ver a mulher furiosa uma vez para perceber que ela se assemalhava a um cão nesse momento, e chegava a rosnar. Remédios atenuam os sintomas? Sim, atenuam. Mas o problema persistiria. O paciente ficaria dependente pelo resto da vida. $$$$$!!! Chega o momento em que nada mais funciona.


O que mais pesa contra o factor onírico é que ele leva, inexoravelmente, a uma série de conhecimentos milenares que são rejeitados pelas academias. E um conhecimento leva a outro e assim por diante.





Apesar de tudo, a redescoberta do onírico não foi freada, por mais que se tente encobrir seus benefícios e difamar seus estudiosos. E vem em excelente hora. Desde os primeiros escândalos de Freud que a humanidade vem se tornando mais imediatista e impessoal, desprezando o bem-estar e os sentimentos alheios. Não confundir respeito à privacidade com indiferença, esta tem prevalecido em um mundo voltado exclusivamente para a satisfação imediata e a comodidade. Também por isso muitos orientais não gostam do ocidente, é freqüente um árabe ou um japonês tradicional ser alvo de cochichos nos corredores das universidades, não importa o quanto sejam competentes, mentalmente abertos e dedicados às pesquisas. Não crer é diferente de respeitar, o primeiro é acessório, mas o segundo é compulsório se houver o mínimo de bom senso. Sei que isso vai destruir os sonhos (epa!) de muita gente, mas a ciência formal é machista e segregatória. É uma fogueira de vaidades como qualquer ramo onde existam prestígio e autoridade em alguma coisa. Cientista é gente. A competição é muito maior do que a cooperação, afinal é essa a "lei da seleção natural", conforme deturparam Darwin.


Ainda assim eu sonho, aprendo com os sonhos e ponho em prática, na medida do possível, o aprendido. Pois a mente não é capaz de conceber o que não conhece, qualquer psicólogo recém formado sabe disso. Tudo o que temos a aprender está no subconsciente, tudo o que existe está lá registrado, se deixarmos de arrogância e aceitarmos sua ajuda, aprenderemos não só o que buscamos, mas também o que já somos. Uhm... Meio poético, talvez por isso mesmo desagrada a quem não vê seriedade no que não tem aridez. Ainda que os trabalhos de Freud e Jung não sejam para leigos, têm sua poesia, seu encanto subjectivo e estético. Toca no fundo da Alma dando a entender que, se a química falhar, haverá esperança no subconsciente. Mesmo que não haja cura, haverá uma vida melhor e mais dígna. Pois convenhamos, há cegos que não trocam sua percepção apurada por dois olhos sãos. Muitas cegueias ópticas, antes de sua conclusão, denunciam problemas cardiovasculares e imunológicos que os tratamentos alopáticos não detectaram. Depois de uma boa terapia o paciente está pronto para viver (e não enfrentar) a vida.





Outra coisa que os sonhos nos ensinam , é que somos nós os nossos maiores inimigos, não o vizinho estranho de hábitos anormais. Isso não entra nas cabeças da maioria das pessoas, soa ilógico, tão ilógico quanto uma partícula subatômica que parece adivinhar quando queremos observá-la. Enquanto um grupo consome recursos para provar que "Deus não existe", outro crescente usa recursos nem sempre maiores para resolver os problemas da humanidade. Não conseguem explicar? Vêem se realmente funciona. Funcionou, passam a estudar o que conseguirem. É assim que age um cientista de verdade, foi assim que agiram Freud e Jung, que mesmo separados plantaram a semente de sanidade, a mesma que poderá ser a diferença entre o colapso social e a retomada do progresso e da tentativa de união mundial. Um sonho distante, mas não inacessível.





Encerro esta onirisséia dizendo que a natureza não é estúpida. Tudo o que existe é útil, ainda que seja o seu cunhado, ele pode servir de peso de papel. Sonhos criativos não existiriam se não tivessem serventia, portanto não são simplesmente reparadores cerebrais e revisores da rotina diária. Para isso bastaria atenuar a maioria das funções cerebrais, sem gastar energia na produção de imagens complexas e malucas. O que teria nos condenado à idade das cavernas pela eternidade. Por conseqüência, nos privaria do que somos capazes de fazer de bom, belo e et cétera. Falei demais. Tchau.

10/06/2007

O Ocaso da Escola

Este é um texto entreonirautas. Fiquem tranqüilos que estou com o material quase pronto para uma nova onirisséia. Mas agora preciso falar de um tema triste.
Imaginem, principalmente os corinthianos, se por algum motivo, seu time desaparecesse. Se de uma hora para a outra ninguém mais desse imoprtância às glórias, aos serviços sociais, aos paradigmas e ao respeito que tanto trabalharam para conquistar.
NÃO, NÃO PULE DA JANELA! Eu disse apenas para imaginar, não para colocar em prática! Não quero que me cacem por apologia ao suicídio.
Respire pausadamente. Isso. Agora, que já sentiste a agonia da impotência, tratarei directamente do assunto. Estudei na Escola Técnica Federal de Goiás quando muitos de vocês sequer tinham nascido. Como toda escola pública, sofria com a falta de recursos e o descaso do poder público. Mas era uma escola muito respeitada, muito concorrida. Não se aprendia apenas a matéria de sala de aula, mas também a matéria da vida. Nada segurava os alunos em sala, mas os capetinhas tinham uma boa assiduidade. Lembro que, no primeiro dia de aula, nos levaram ao auditório principal e já disseram "Não esperamos que vocês se tornem anjinhos...". E não é que meus exelentíssimos colegas levaram isso ao pé da letra!!! Vejam os apelidos: Mid-fuck, Espuminha, Cláudio Doidão, Neguinha (era branca de dar dó), Bete Ra-rá, Zoreia, Costinha, et cétera. Imaginem o que essa trupe aprontava, com esses singelos cognomes. Mas eles produziam, ah, se produziam! o professor Adolfo só perdia em rigidez para um aluno, mas me colocar como coordenador seria transformar o curso de mecânica em um campo de concentração. Não só a minha turma, como as demais e até pais de alunos, todos tinham um zelo primeiromundista por aquela escola. Eu deixava, com freqüência, a mochila aberta, em um dos bancos do pátio principal, à sombra da imensa gameleira, e ia almoçar, na volta estava tudo lá, do jeito que tinha deixado. Era comum duas turmar de cursos diferentes encherem uma mesma sala, para aprender matérias comuns.
Foi, aliás, nessa escola que conheci a irmã mais velha que me foi negada: Maria Cristina, que mereceu minhas citações em um texto lá em baixo. Era uma segunda casa. Greves eram raras e duravam pouco. Eu cheguei a trabalhar na bilbioteca, da qual fiz muito bom uso pelos dezoito meses em que lá actuei. E a merenda? Rapaz! Aquilo era uma refeição decente!
Mas a roda não pára. Muitas vezes o que parece ser uma benece é, na realidade, uma penalidade. Foi "promovida" a Centro Federal de Educação Tecnológica. Foi um marco. Eu esperava sinceramente que melhorasse muito o já excelente nível, que deixava escolas particulares tradicionais babando de inveja.
Hoje, com a autoridade de quem conheceu o auge, eu me entristeço com o que vejo, quando vou visitar amigos e levar o lanche de uma cabeçuda teimosa que não come, sob o pretexto de estar trabalhando. Saco vazio não pára em pé.
As greves já são tão banais, que muitos se perguntam se ela já acabou ou se já começou outra. Já encontrei uma pia entupida por algo que me recuso, por respeito aos leitores, a descrever aqui. Há agora uma certa burocracia para se entrar que, conforme constactei, não ajudou em nada na segurança, só atrapalhando quem não tem más intenções.
Merenda? Que merenda? Quem quiser que compre. Que? Os impostos já pagaram? Ra, ra, ra. Don Fernandenrique achava que não e cortou. Cada um por si e Deus contra todos, foi o lema que ele implementou, com sucesso, na saudosa Escola Técnica.
E os alunos? Pelas barbas de Moisés! Que seu cajado caia nas cabeças dos responsáveis! Uma instituição de ensino pode pecar em tudo, exceto no corpo discente. Pois é justamente aí que mais peca. Ou quem vocês pensam que entupiu aquela pia? Que arrancou torneiras, que ignora a lixeira selectiva a menos de meio metro, que torce por mais greves? Lembrando do Siron, me dá pena de ver aquelas colunas arqueadas. Lembrando do Jorge, aquilo parece ter se transformado em um berçário. Lembrando da Elisângela (uma das mulheres mais elegantes que já conheci) aquilo parece um desfile de cestos de roupa suja. Lembrando da Semíramis, todas aquelas meninas parecem lazagna sem molho. É triste! Salvo algumas excessões, e comparando com as turmas de 1989 até 1996, eles parecem não querer nada com nada! Nem mesmo para os próprios interesses, como festinha de colação de grau, ou semelhantes.
Meu amigo João costuma dizer "Crianças, crianças, aprendam com o titio aqui...", pois me sinto como ele. Eu entro na CAE e só olho para fora para ver a vegetação, que ainda resiste ao vandalismo, pois a chance de encontrar um aluno bem disposto e com um vocabulário não muito contaminado por modismos, é quase nula. Encontrar uma Fabíola ou um Dalcin é utopia.
Lembro que foi por falta de dinheiro que Marcelo e eu não construímos um carro, ainda assim continuávamos a pesquisar, mesmo assim os outros também continuavam a pesquisar. Os professores levavam isso em conta, estejam certos. Meus amigos, alguns de nós chegavam a feqüentar as aulas de recuperação, ainda que tivessem passado directo, para reforçar o conteúdo.
Não éramos anjinhos. Muitos eram a personificação do Cão! Mas não eram dignos de pena. Não davam a mínima para os radicalismos do grêmio, nem para os prognósticos pessimistas. Andava-se de um lado para o outro para fazer alguma coisa. Houve época em que eu ficava, mesmo depois de findado o contracto, horas por dia na biblioteca, estudando. Pois a patota se dava ao trabalho de me procurar para estudar ou tirar dúvidas. Hoje a biblioteca é outra, em frente à antiga, e em todas as vezes que fui, a vi quase vazia. Talvez a pesquisa pela internet tenha substituído o livro. Provavelmente substituiu. Mas esse tio aqui vai dizer uma coisa, o livro é muito diferente. Ele atiça outros sentidos. O tato age com a visão e, principalmente, não dá pau. O raciocínio passa a seguir uma ordem mais sólida e o aprendizado não se torna uma reles memorização.
Se os próprios alunos parecem estar se lixando para os destinos da escola, o que podem fazer professores e servidores? Greve? Parece ser justamente o que eles querem. Se antes precisávamos pedir que os alunos baixassem o tom de voz, no pátio, hoje precisamos procurar algum que não esteja à porta da escola, cabulando aula. Da última vez em que lá estive, pensei que estivessem de greve. Vi tão poucos alunos que me assustei.
A todos vós, que quereis ver o ensino público (ou mesmo privado) vingar, eis o que vos digo: sejais bons alunos e bons estudantes. Um bom aluno reverte facilmente a má fama de uma instituição, o oposto também é verdadeiro. Não sei se o Cefet vai durar muito tempo como instituição respeitada e paradigma de ensino, mas tenho certeza de duas coisas: do jeito que está, é melhor fechar e recomeçar do zero; alguém vai ler este texto e me xingar até a sétima encarnação. Mas tenho uma coisa a meu favor, eu sei do que estou falando. Não ouvi falar, eu vivi e posso fazer uma comparação sem ser leviano. Como disse no começo, sou mais severo do que os professores mais temidos, mas por isso mesmo tenho senso crítico aguçado e noção de realidade para dizer tudo o que eu disse. Lamento se isso machuca alguém. A mim ferem muito mais as doces lembranças, que se contrapõe ao presente amargo e indigesto, do que minhas palavras aos vossos orgulhos.

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O próximo texto será uma onirisséia, pos isso vai uma dica da Mestra Eddie Van Feu: "Se você sonha que está pelado, comendo banana, sentado na mesa do escritótio, não é premonição, é indigestão".

24/05/2007

ONIRAUTAS 1 - A onirisséia começa



Este é o primeiro de uma série de não sei quantos textos a respeito dos sonhos. Uma homenagem à minha amiga Audrey, a flor miquenta a quem dedico também um abraço garibaldico de pescoço beeeem longo e meias bem coloridas.


Eu disse que não sei (e não mesmo) o quanto renderá a série por um simples motivo: estarei falando do que o ser humano tem de mais íntimo. Tão íntimo que nem mesmo ele sabe tudo a respeito. Ninguém se conhece totalmente. Por isso mesmo o mundo onírico é tão importante.

Provavelmente também haverão textos alheios entre cada onirisséia, pois o material confiável é difícil de se conseguir e organizar. Vamos lá.


Quando falamos em sonhos, de imediato vem à mente uma imagem surreal, completamente absurda, mas que não estranhamos nem um pouco. Mas se essa mesma imagem se der em estado vígil, dá pano para manga nos noticiários durante um ano inteiro, sem precisar acontecer mais nada. Ou vai dizer que ver Elvis de pijama, conversando com um elefante alado, no porta-malas de um Fusca de quatro portas seria banal?

Mais ou menos como uma mãe achar lindo seu pimpolho soltar os palavrões que acabou de ouvir na novela das sete, mas se descabelar se fizer o mesmo no escritório, diante do chefe. Ela acha lindo de verdade o petiz expandir seu vocabulário, mas tem muito medo do que ele possa dizer no "mundo (nem tanto, vai) sério" dos adultos. As pessoas tendem a reprimir, em vez de conhecer e/ou corrigir uma característica não normatipada. Geralmente são os que mais mimam seus filhos os que menos toleram filhos alheios.

Agora vamos estudar o caso: Zezinho começa a conhecer as palavras, mas não necessariamente seus significados, ainda assim tasca a dizer "Mi dá a bunda" ou "Papai viado". Reação mais comum: A - em casa é enfiar um sabonete na boca dele e rir do que foi dito; B - na rua é dar-lhe um tapa na boca e esconder a cara; C - no trabalho é redigir o próprio testamento e encomendar uma arma. O estranho é que raramente alguém se preocupa em saber realmente como a criança aprendeu aquilo. Posso garantir que palavrão não precisa ser ensinado. Dizem que criança é para ser vista e não ouvida, adoram uma criança activa, mas querem que as suas fiquem como se fossem estátuas, enfim. Fazem tudo, menos resolver o problema na raiz.


Da mesma forma se lidam com os sonhos. Da mesma forma se finge que não há importância alguma, pois seria turo fruto da imaginação ou mesmo uma revisão do dia anterior. Mas vem cá, no dia anterior o indivíduo passeou em um Fusca quatro portas e levou Elvis com um elefante alado no "imenso" porta-malas? Ou qualquer coisa parecida?

Perdoem a bronca que vou dar agora; Isso é coisa de quem não estuda o assunto, não quer estudar e ainda quer impedir que os outros o façam. Por que? Não sei. Como seus sonhos, cada um é único e impadronizável. Mas há, na falta de padrões rígidos, padrões de comportamento e seqüências que podem nos orientar.

A despeito do que os mecanicistas dizem, ignorando todo e qualquer sucesso, os psicólogos conseguem grande ajuda ao lidar com os sonhos de seus pacientes, e até os próprios. Foi sonhando que se descobriu o anel que as moléculas de benzeno formam, mesmo não tendo relação formal alguma com a química orgânica, uma cobra mordendo o próprio rabo mostrou o caminho.


Outra coisa que muito se atribui aos sonhos é a premonição. A bíblia mesmo está recheada de exemplos. Não posso dizer que realmente aconteceram, muito menos posso refutar, afinal não estive lá (eu acho) e qualquer afirmativa em tom definitivo será leviana. Mas eu já tive alguns que, poucos dias ou muitos anos depois, se mostraram acertados. Não me leiam com esses olhos arregalados, vocês também têm esses tipos de sonhos, só não dão a devida atenção.


Há quem diga que sonhar é perda de tempo, mas também que os sonhos são de suma importância, no que há uma aparente contradição que elucidarei. Sonhar simplesmente é perda de tempo. É como ir à escola e ler os livros, escutar o professor, ver os colegas e deixar tudo sair pelo outro ouvido. Atentar para o sonho, isso sim é importante. Meia hora de sonho consciente vale mais do que uma vida inteira de imagens esquisitas que esquecemos ao despertar. A diferença é a qualidade.

Suponhamos um garoto sonhando com Nicole Kidman. Ele não vai querer saber de mais nada além de aproveitar e se esbaldar. Mas notem: um garoto e um mulherão de primeira linha, do tipo que Hollywood há décadas não tinha nas telas. Aqui cabe a expressão "areia demais para o caminhãozinho", pode ser um aviso do subconsciente de que ele não tem a banca que alardeia, e que vai se dar mal. Nesse caso, soube que a moça tem gênio terrível. Ele pode escolher entre simplesmente babar ou aferir a estranha facilidade de acesso. Depois de acordar, passar a agir com mais cuidado e escolher melhor as palavras, pois a outra parte tem muito mais cacife.


Mas reconheçamos, é muito difícil parar um instante e pensar se aquilo é sonho ou não. Primeiro porque estamos acostumados a não questionar, aceitando tudo o que nos enfiam goela abaixo, como programas ruins, músicas ruins, políticos ruins e et céteras ruins. Segundo porque não contamos com o corpo para nos avisar que o fogo deveria queimar, que deveria haver uma aceleração, que Nicole Kidman jamais daria bola para um moleque secundarista. Terceiro porque estamos, à amiúde, tão imersos nas preocupações cotidianas, que aceitamos qualquer escape sem atentarmos para o que realmente se trata. Quarto e mais importante: somos tapados mesmo.

Certa feita sonhei com Grace Kelly. Eu era um menininho do fundamental e ela minha professora. Tudo como se fosse real, eu era comportado e distraído, ela era carinhosa e severa. Só que Princesa Grace já se descabelava com Stephanie, quando eu estudava no primário. Compreendi algum tempo mais tarde o significado, principalmente depois de conhecer um pouco sobre a princesa. Foi uma bela lição, que ainda hoje me ampara.

Sim, só sonho com mulheres lindas (quase sempre) e todas muito nitidamente, nisso não posso reclamar das lições.


Uma técnica que costuma surtir resultados, é prestar atenção ao ambiente em que se está. Experimentar texturas, pesos, consistências e evitar excesso de impressões à noite. Os telejornais vão me esculhambar se seus editores lerem isso, mas os noticiários devem ser vistos de manhã e à tarde, pois o excesso de sons e imagens pode inclusive travar até mesmo a percepção inconsciente dos sonhos. Aí, babau. Não se tem as informações nem os escapes, adeus Nicole, adeus Elvis, adeus comer chocolate e não engordar.

Com essa providência aparentemente simples, temos condições de perceber os absurdos que o mundo onírico nos apresenta para nos ligar ao subconsciente, ao mundo astral, et cétera, nos dando condições de aproveitar com plenitude tudo o que podemos. Um estudante pode inclusive revisar tudo o que viu na noite anterior à prova, sem cansaço e com muito melhores resultados. Um cientista pode rever todos os seus procedimentos e anotações, pois está tudo lá, guardado no subconsciente, pronto para ser usado.

Mas eu disse "aparentemente simples". Sabemos que as pessoas normopatizadas não aceitam ver alguém aproveitando a vida de verdade, se não for em uma boate-fachada-para-tráfico-e-prostituição. Atentar para a própria vida os faz perceber as próprias, isso quase sempre dói muito. Por isso mesmo peço que façam o que ensinei, na medida do possível e sem gerar fissões familiares.


Termino essa primeira onirisséia com um aviso: Ninguém concebe o que não conhece. Qualquer calouro de psicologia sabe disso. Então não vamos nos ridicularizar nem permitir que o façam conosco. Se nos vem à mente, é porque existe. Talvez não exactamente como foi apresentado, mas na essência é aquilo mesmo. Pois o subconsciente nos dá a informação do modo como melhor podemos compreender. Ele é o nosso Eu que nos conhece melhor do que nós mesmos.