28/07/2007

Memorando I

Caro Senhor Director desta Instituição;
Após cordiais cumprimeitos, venho por meio deste externar minha preocupação com os rumos tomados pela sua administração.
Reconheço que se faz necessário cortar supérfulos, o que é uma atitude sábia. Reconheço que deve haver alguma disciplina mínima para a boa convivência, atitude sapientíssima. Reconheço ainda que se deve regular o acesso de gente estranha ao quadro desta entidade, atitude que merece aplausos.
Devo considerar, entretanto, que nem tudo é supérfulo, nem tudo exige disciplina e nem todos os que entram são estranhos.
Meu médico não é estranho, ele trabalha nesta instituição, tendo sido inclusive membro da primeira directoria, quando da fundação. Meus funcionários podem e devem se identificar na portaria, mas nunca o meu médico! Seria melhor o Senhor Director se identificar e até prestar reverências diante de tão augusta figura. Eu não estou aqui de favor, pago caro pela minha hospedagem.
Não se pode querer disciplinar as idas ao sanitário. Ninguém em sã consciência vai três ou quatro vezes àquele lugar porque gosta. Os funcionários, que já estavam aqui quando o "Senhor" Director ainda usava fraldas, trabalham duro todos os dias, por vezes abrindo mão de pequenas folgas, para oferecerem aos associados um tratamento dígno. E não pedem hora extra por isso. Basta lembrar, por exemplo, das enfermeiras que saíram feridas quando foi preciso, inclusive com meu auxílio, conter um dos amigos do "Senhor" Director. Apesar da elevada hierarquia social que trago, não me importo em ajudar nas actividades mais frugais desta instituição, que por anos tem me apartado do mundo insano que se instalou lá fora.
Desjejum NÃO É SUPÉRFULO! Supérfulo é um Mercedes Benz à disposição da directoria, quando o antigo director utilizava um austero e bem-exemplar Fusca Itamar. Não será nos dando pão com manteiga e comendo damasco, que o "Senhor" Director (?) saneará as finanças desta instituição. Não tente me enganar, sei muito bem que a antiga directoria deixou as contas em dias, com saldo positivo no banco. Está tudo com os meus advogados, pronto para ser utilizado caso não se reestabeleça a boa ordem.
A faculdade, "Senhor" Director (ah, ah, ah! Que piada!) ensina muitas coisas boas, mas a maioria delas só se aprende com a idade, que o senhor ainda não tem. Eu conheci seu pai e sua mãe, exemplares obreiros desta sacra instituição, que me acolheu sem saber quem eu era e de onde vinha, me tratando como se trata a realeza. Quando recebi alta, não quis sair, senão para passeios e visitas a amigos e familiares, pois é aqui que está o meu lar. Não permitirei que um garotinho que decorou os livros e as citações philosóphicas, sem saber o que realmente significam, destrua tudo o que Minha Majestade ajudou a construir. Lembre-se de que trabalho em regime de voluntariado e tenho a plena confiança dos demais associados e de todo o funcionalismo.
Espero que esse episódio possa ser enterrado e possamos ser bons amigos, ambos temos muito a ganhar com misso, principalmente o senhor.

Atenciosamente;

Jocasta Nero Bonaparte de Nazaré
Rainha do Egipto e inventora da roda.

06/07/2007

Onirautas II, A Redescoberta do Onírico


Mais uma onirisséia, novamente dedicada à Audrey, cujas peripécias parecem mesmo saídas do mais surreal devaneio.





Quanto sofrimento vão seria evitado se a psicoterapia fosse mais aplicada? Se os sonhos fossem levados mais à sério? Se em vez de desprezar os sentimentos dos adultos, estes fossem estimulados a aprender a conviver com eles?


Quase impossível calcular, tanto quanto a fortuna que as pharmoquímicas perderiam, pois haveria muito menos viciados em psicotrópicos, que chegam a cometer qualquer atrocidade para se isolarem dos sentimentos que os assustam. Subverteram Descartes.





Houve no século XIX um homem que se atreveu a dizer que as pessoas não são só matéria, que há um factor a mais. Sigmund Freud era um cientista respeitado no meio acadêmico. Médico experiente, daqueles que percebem quando o paciente mente ou não se lembra de todos os sintomas que sente. Conversando com eles, Freud percebeu que boa parte dos problemas comportamentais e de saúde nada tinham de causas orgânicas, mas eram uma espécie de bloqueios não físicos que impediam as pessoas de se realizarem. Muita gente ficou de orelha em pé ao saber desses estudos, mas cabelos arrepiaram mesmo quando ele começou a investigar os sonhos de seus pacientes, talvez até os próprios. Nisso (re)descobriu que o subconsciente manda mensagens continuamente para as pessoas, mas estas estão ocupadas demais tentando ser sérias, adultas e socialmente respeitadas. Se hoje isso cobra um preço alto, imagine na época em que uma mulher mostrar os pés era um escândalo! Pois escândalo maior Freud produziu depois, se atrevendo a falar de sexo na frente dos cientistas sérios e respeitáveis de sua época. Ele conseguiu ligar as travas e todo tipo de anseios à repressão sexual. Mais: disse que bebês têm sexualidade! Horror! Horror! Se nem os pais têm sexo, como os santos rebentos teriam? Mas ele estava aí para a celeuma? Não, não estava. Convenceu-se de que precisava ir adiante e foi, o cabeça dura.


Não demorou e conseguiu muitos discípulos, entre eles Carl Gustav Jung. Jung e Freud trocaram correspondências aos baldes, os carteiros conseguiram justificar seus salários só com o trabalho que esses dois davam. Os encontros eram férteis para ambas as partes. Mas o que era bom durou pouco, Jung desconfiava que algo tão complexo como a mente humana não poderia ser travada só por questões sexuais. Houve a fissão. A cabeça dura, antes um aliado, impedia Freud de raciocinar livremente e aceitar as idéias de Jung, que lhe pareciam tão ridículas quanto as próprias ainda parecem aos olhos dos céticos radicais. Jung começou a falar de inconsciente coletivo, arquétipos, jogar tarot, I-ching, et cétera. Os defensores de que o que não pode ser pesado, picotado e reproduzido em laboratório não tem o direito de existir, logo atacaram, dizendo que suas idéias eram tão absurdas que até o mestre as rejeitava. Claro que exageravam e ainda exageram, assim como não fazem a mínima questão de investigar científicamente para descobrir do que se trata.


O facto é que os tratamentos que levam o ser humano como ser humano, não como mero monte de massa biológica, funcionam. Demoram muito mais do que drogas (por isso mesmo dificilmente viciam), mas os resultados existem para quem quiser estudá-los. A banda podre das pharmoquímicas não quer, nem os orgulhosos que se iludem achando que sabem e controlam alguma coisa no mundo. O tratamento não-químico funciona, eu sou a prova viva disso.


Com certeza as obras desses dois cabeças-de-ferro inspirou o surgimento do surrealismo nas artes, que nos revelou o gênio arrogante e extremado de Salvador dali, que em suas obras nunca fez questão de esconder as conturbações de sua mente. Aliás, caso raro em que alguém viveu muito bem de sua doença.





Freud e Jung deveriam ter estudado suas diferenças, em vez de usá-las como escudos. Não se sabe onde teriam chegado se não tivessem rompido, mas estaríamos anos-luz adiante no tratamento de distúrbios mentais. Acontece que Jung nunca negou que a repressão sexual tinha forte influência no comportamento de sua época, apenas disse que não era a única coisa. Seu "pecado", talvez, tenha sido admitir a existência de coisas que o racionalismo irracional da revolução industrial jogara para debaixo do tapete. Afinal, um operário que sonha tem idéias, se tem idéias pode não aceitar a exploração selvagem, daí podem tirar suas próprias conclusões. São coisas ainda hoje taxadas de misticismos, por pessoas que se recusam a estudá-las como o fazem com as obras freudianas e junguianas. Interpretar sonhos, ler arquétipos, jogar palitinhos chineses, cartas de tarot então! Tudo aquilo cheirava a bruxaria, superstição que a "verdadeira ciência" banira e da qual as pessoas não precisavam ter medo. O medo agora eram a fome, a guerra, o extremismo religioso, mas não aquilo.


Acontece que a corrupção é racionalista, não admite a menor hipótese de que as pessoas conheçam a si mesmas, sob o risco de seu palanque ruir. Ainda hoje o ocidente reluta em aceitar o que vem funcionando há milênios no oriente. Nem vou falar em questões espirituais, dharma e karma.





Certa feita tive uma vizinha com dois filhos, um deles tinha um medo irracional de cães, mesmo os de bolso. Na realidade, bastou ver a mulher furiosa uma vez para perceber que ela se assemalhava a um cão nesse momento, e chegava a rosnar. Remédios atenuam os sintomas? Sim, atenuam. Mas o problema persistiria. O paciente ficaria dependente pelo resto da vida. $$$$$!!! Chega o momento em que nada mais funciona.


O que mais pesa contra o factor onírico é que ele leva, inexoravelmente, a uma série de conhecimentos milenares que são rejeitados pelas academias. E um conhecimento leva a outro e assim por diante.





Apesar de tudo, a redescoberta do onírico não foi freada, por mais que se tente encobrir seus benefícios e difamar seus estudiosos. E vem em excelente hora. Desde os primeiros escândalos de Freud que a humanidade vem se tornando mais imediatista e impessoal, desprezando o bem-estar e os sentimentos alheios. Não confundir respeito à privacidade com indiferença, esta tem prevalecido em um mundo voltado exclusivamente para a satisfação imediata e a comodidade. Também por isso muitos orientais não gostam do ocidente, é freqüente um árabe ou um japonês tradicional ser alvo de cochichos nos corredores das universidades, não importa o quanto sejam competentes, mentalmente abertos e dedicados às pesquisas. Não crer é diferente de respeitar, o primeiro é acessório, mas o segundo é compulsório se houver o mínimo de bom senso. Sei que isso vai destruir os sonhos (epa!) de muita gente, mas a ciência formal é machista e segregatória. É uma fogueira de vaidades como qualquer ramo onde existam prestígio e autoridade em alguma coisa. Cientista é gente. A competição é muito maior do que a cooperação, afinal é essa a "lei da seleção natural", conforme deturparam Darwin.


Ainda assim eu sonho, aprendo com os sonhos e ponho em prática, na medida do possível, o aprendido. Pois a mente não é capaz de conceber o que não conhece, qualquer psicólogo recém formado sabe disso. Tudo o que temos a aprender está no subconsciente, tudo o que existe está lá registrado, se deixarmos de arrogância e aceitarmos sua ajuda, aprenderemos não só o que buscamos, mas também o que já somos. Uhm... Meio poético, talvez por isso mesmo desagrada a quem não vê seriedade no que não tem aridez. Ainda que os trabalhos de Freud e Jung não sejam para leigos, têm sua poesia, seu encanto subjectivo e estético. Toca no fundo da Alma dando a entender que, se a química falhar, haverá esperança no subconsciente. Mesmo que não haja cura, haverá uma vida melhor e mais dígna. Pois convenhamos, há cegos que não trocam sua percepção apurada por dois olhos sãos. Muitas cegueias ópticas, antes de sua conclusão, denunciam problemas cardiovasculares e imunológicos que os tratamentos alopáticos não detectaram. Depois de uma boa terapia o paciente está pronto para viver (e não enfrentar) a vida.





Outra coisa que os sonhos nos ensinam , é que somos nós os nossos maiores inimigos, não o vizinho estranho de hábitos anormais. Isso não entra nas cabeças da maioria das pessoas, soa ilógico, tão ilógico quanto uma partícula subatômica que parece adivinhar quando queremos observá-la. Enquanto um grupo consome recursos para provar que "Deus não existe", outro crescente usa recursos nem sempre maiores para resolver os problemas da humanidade. Não conseguem explicar? Vêem se realmente funciona. Funcionou, passam a estudar o que conseguirem. É assim que age um cientista de verdade, foi assim que agiram Freud e Jung, que mesmo separados plantaram a semente de sanidade, a mesma que poderá ser a diferença entre o colapso social e a retomada do progresso e da tentativa de união mundial. Um sonho distante, mas não inacessível.





Encerro esta onirisséia dizendo que a natureza não é estúpida. Tudo o que existe é útil, ainda que seja o seu cunhado, ele pode servir de peso de papel. Sonhos criativos não existiriam se não tivessem serventia, portanto não são simplesmente reparadores cerebrais e revisores da rotina diária. Para isso bastaria atenuar a maioria das funções cerebrais, sem gastar energia na produção de imagens complexas e malucas. O que teria nos condenado à idade das cavernas pela eternidade. Por conseqüência, nos privaria do que somos capazes de fazer de bom, belo e et cétera. Falei demais. Tchau.

10/06/2007

O Ocaso da Escola

Este é um texto entreonirautas. Fiquem tranqüilos que estou com o material quase pronto para uma nova onirisséia. Mas agora preciso falar de um tema triste.
Imaginem, principalmente os corinthianos, se por algum motivo, seu time desaparecesse. Se de uma hora para a outra ninguém mais desse imoprtância às glórias, aos serviços sociais, aos paradigmas e ao respeito que tanto trabalharam para conquistar.
NÃO, NÃO PULE DA JANELA! Eu disse apenas para imaginar, não para colocar em prática! Não quero que me cacem por apologia ao suicídio.
Respire pausadamente. Isso. Agora, que já sentiste a agonia da impotência, tratarei directamente do assunto. Estudei na Escola Técnica Federal de Goiás quando muitos de vocês sequer tinham nascido. Como toda escola pública, sofria com a falta de recursos e o descaso do poder público. Mas era uma escola muito respeitada, muito concorrida. Não se aprendia apenas a matéria de sala de aula, mas também a matéria da vida. Nada segurava os alunos em sala, mas os capetinhas tinham uma boa assiduidade. Lembro que, no primeiro dia de aula, nos levaram ao auditório principal e já disseram "Não esperamos que vocês se tornem anjinhos...". E não é que meus exelentíssimos colegas levaram isso ao pé da letra!!! Vejam os apelidos: Mid-fuck, Espuminha, Cláudio Doidão, Neguinha (era branca de dar dó), Bete Ra-rá, Zoreia, Costinha, et cétera. Imaginem o que essa trupe aprontava, com esses singelos cognomes. Mas eles produziam, ah, se produziam! o professor Adolfo só perdia em rigidez para um aluno, mas me colocar como coordenador seria transformar o curso de mecânica em um campo de concentração. Não só a minha turma, como as demais e até pais de alunos, todos tinham um zelo primeiromundista por aquela escola. Eu deixava, com freqüência, a mochila aberta, em um dos bancos do pátio principal, à sombra da imensa gameleira, e ia almoçar, na volta estava tudo lá, do jeito que tinha deixado. Era comum duas turmar de cursos diferentes encherem uma mesma sala, para aprender matérias comuns.
Foi, aliás, nessa escola que conheci a irmã mais velha que me foi negada: Maria Cristina, que mereceu minhas citações em um texto lá em baixo. Era uma segunda casa. Greves eram raras e duravam pouco. Eu cheguei a trabalhar na bilbioteca, da qual fiz muito bom uso pelos dezoito meses em que lá actuei. E a merenda? Rapaz! Aquilo era uma refeição decente!
Mas a roda não pára. Muitas vezes o que parece ser uma benece é, na realidade, uma penalidade. Foi "promovida" a Centro Federal de Educação Tecnológica. Foi um marco. Eu esperava sinceramente que melhorasse muito o já excelente nível, que deixava escolas particulares tradicionais babando de inveja.
Hoje, com a autoridade de quem conheceu o auge, eu me entristeço com o que vejo, quando vou visitar amigos e levar o lanche de uma cabeçuda teimosa que não come, sob o pretexto de estar trabalhando. Saco vazio não pára em pé.
As greves já são tão banais, que muitos se perguntam se ela já acabou ou se já começou outra. Já encontrei uma pia entupida por algo que me recuso, por respeito aos leitores, a descrever aqui. Há agora uma certa burocracia para se entrar que, conforme constactei, não ajudou em nada na segurança, só atrapalhando quem não tem más intenções.
Merenda? Que merenda? Quem quiser que compre. Que? Os impostos já pagaram? Ra, ra, ra. Don Fernandenrique achava que não e cortou. Cada um por si e Deus contra todos, foi o lema que ele implementou, com sucesso, na saudosa Escola Técnica.
E os alunos? Pelas barbas de Moisés! Que seu cajado caia nas cabeças dos responsáveis! Uma instituição de ensino pode pecar em tudo, exceto no corpo discente. Pois é justamente aí que mais peca. Ou quem vocês pensam que entupiu aquela pia? Que arrancou torneiras, que ignora a lixeira selectiva a menos de meio metro, que torce por mais greves? Lembrando do Siron, me dá pena de ver aquelas colunas arqueadas. Lembrando do Jorge, aquilo parece ter se transformado em um berçário. Lembrando da Elisângela (uma das mulheres mais elegantes que já conheci) aquilo parece um desfile de cestos de roupa suja. Lembrando da Semíramis, todas aquelas meninas parecem lazagna sem molho. É triste! Salvo algumas excessões, e comparando com as turmas de 1989 até 1996, eles parecem não querer nada com nada! Nem mesmo para os próprios interesses, como festinha de colação de grau, ou semelhantes.
Meu amigo João costuma dizer "Crianças, crianças, aprendam com o titio aqui...", pois me sinto como ele. Eu entro na CAE e só olho para fora para ver a vegetação, que ainda resiste ao vandalismo, pois a chance de encontrar um aluno bem disposto e com um vocabulário não muito contaminado por modismos, é quase nula. Encontrar uma Fabíola ou um Dalcin é utopia.
Lembro que foi por falta de dinheiro que Marcelo e eu não construímos um carro, ainda assim continuávamos a pesquisar, mesmo assim os outros também continuavam a pesquisar. Os professores levavam isso em conta, estejam certos. Meus amigos, alguns de nós chegavam a feqüentar as aulas de recuperação, ainda que tivessem passado directo, para reforçar o conteúdo.
Não éramos anjinhos. Muitos eram a personificação do Cão! Mas não eram dignos de pena. Não davam a mínima para os radicalismos do grêmio, nem para os prognósticos pessimistas. Andava-se de um lado para o outro para fazer alguma coisa. Houve época em que eu ficava, mesmo depois de findado o contracto, horas por dia na biblioteca, estudando. Pois a patota se dava ao trabalho de me procurar para estudar ou tirar dúvidas. Hoje a biblioteca é outra, em frente à antiga, e em todas as vezes que fui, a vi quase vazia. Talvez a pesquisa pela internet tenha substituído o livro. Provavelmente substituiu. Mas esse tio aqui vai dizer uma coisa, o livro é muito diferente. Ele atiça outros sentidos. O tato age com a visão e, principalmente, não dá pau. O raciocínio passa a seguir uma ordem mais sólida e o aprendizado não se torna uma reles memorização.
Se os próprios alunos parecem estar se lixando para os destinos da escola, o que podem fazer professores e servidores? Greve? Parece ser justamente o que eles querem. Se antes precisávamos pedir que os alunos baixassem o tom de voz, no pátio, hoje precisamos procurar algum que não esteja à porta da escola, cabulando aula. Da última vez em que lá estive, pensei que estivessem de greve. Vi tão poucos alunos que me assustei.
A todos vós, que quereis ver o ensino público (ou mesmo privado) vingar, eis o que vos digo: sejais bons alunos e bons estudantes. Um bom aluno reverte facilmente a má fama de uma instituição, o oposto também é verdadeiro. Não sei se o Cefet vai durar muito tempo como instituição respeitada e paradigma de ensino, mas tenho certeza de duas coisas: do jeito que está, é melhor fechar e recomeçar do zero; alguém vai ler este texto e me xingar até a sétima encarnação. Mas tenho uma coisa a meu favor, eu sei do que estou falando. Não ouvi falar, eu vivi e posso fazer uma comparação sem ser leviano. Como disse no começo, sou mais severo do que os professores mais temidos, mas por isso mesmo tenho senso crítico aguçado e noção de realidade para dizer tudo o que eu disse. Lamento se isso machuca alguém. A mim ferem muito mais as doces lembranças, que se contrapõe ao presente amargo e indigesto, do que minhas palavras aos vossos orgulhos.

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O próximo texto será uma onirisséia, pos isso vai uma dica da Mestra Eddie Van Feu: "Se você sonha que está pelado, comendo banana, sentado na mesa do escritótio, não é premonição, é indigestão".

24/05/2007

ONIRAUTAS 1 - A onirisséia começa



Este é o primeiro de uma série de não sei quantos textos a respeito dos sonhos. Uma homenagem à minha amiga Audrey, a flor miquenta a quem dedico também um abraço garibaldico de pescoço beeeem longo e meias bem coloridas.


Eu disse que não sei (e não mesmo) o quanto renderá a série por um simples motivo: estarei falando do que o ser humano tem de mais íntimo. Tão íntimo que nem mesmo ele sabe tudo a respeito. Ninguém se conhece totalmente. Por isso mesmo o mundo onírico é tão importante.

Provavelmente também haverão textos alheios entre cada onirisséia, pois o material confiável é difícil de se conseguir e organizar. Vamos lá.


Quando falamos em sonhos, de imediato vem à mente uma imagem surreal, completamente absurda, mas que não estranhamos nem um pouco. Mas se essa mesma imagem se der em estado vígil, dá pano para manga nos noticiários durante um ano inteiro, sem precisar acontecer mais nada. Ou vai dizer que ver Elvis de pijama, conversando com um elefante alado, no porta-malas de um Fusca de quatro portas seria banal?

Mais ou menos como uma mãe achar lindo seu pimpolho soltar os palavrões que acabou de ouvir na novela das sete, mas se descabelar se fizer o mesmo no escritório, diante do chefe. Ela acha lindo de verdade o petiz expandir seu vocabulário, mas tem muito medo do que ele possa dizer no "mundo (nem tanto, vai) sério" dos adultos. As pessoas tendem a reprimir, em vez de conhecer e/ou corrigir uma característica não normatipada. Geralmente são os que mais mimam seus filhos os que menos toleram filhos alheios.

Agora vamos estudar o caso: Zezinho começa a conhecer as palavras, mas não necessariamente seus significados, ainda assim tasca a dizer "Mi dá a bunda" ou "Papai viado". Reação mais comum: A - em casa é enfiar um sabonete na boca dele e rir do que foi dito; B - na rua é dar-lhe um tapa na boca e esconder a cara; C - no trabalho é redigir o próprio testamento e encomendar uma arma. O estranho é que raramente alguém se preocupa em saber realmente como a criança aprendeu aquilo. Posso garantir que palavrão não precisa ser ensinado. Dizem que criança é para ser vista e não ouvida, adoram uma criança activa, mas querem que as suas fiquem como se fossem estátuas, enfim. Fazem tudo, menos resolver o problema na raiz.


Da mesma forma se lidam com os sonhos. Da mesma forma se finge que não há importância alguma, pois seria turo fruto da imaginação ou mesmo uma revisão do dia anterior. Mas vem cá, no dia anterior o indivíduo passeou em um Fusca quatro portas e levou Elvis com um elefante alado no "imenso" porta-malas? Ou qualquer coisa parecida?

Perdoem a bronca que vou dar agora; Isso é coisa de quem não estuda o assunto, não quer estudar e ainda quer impedir que os outros o façam. Por que? Não sei. Como seus sonhos, cada um é único e impadronizável. Mas há, na falta de padrões rígidos, padrões de comportamento e seqüências que podem nos orientar.

A despeito do que os mecanicistas dizem, ignorando todo e qualquer sucesso, os psicólogos conseguem grande ajuda ao lidar com os sonhos de seus pacientes, e até os próprios. Foi sonhando que se descobriu o anel que as moléculas de benzeno formam, mesmo não tendo relação formal alguma com a química orgânica, uma cobra mordendo o próprio rabo mostrou o caminho.


Outra coisa que muito se atribui aos sonhos é a premonição. A bíblia mesmo está recheada de exemplos. Não posso dizer que realmente aconteceram, muito menos posso refutar, afinal não estive lá (eu acho) e qualquer afirmativa em tom definitivo será leviana. Mas eu já tive alguns que, poucos dias ou muitos anos depois, se mostraram acertados. Não me leiam com esses olhos arregalados, vocês também têm esses tipos de sonhos, só não dão a devida atenção.


Há quem diga que sonhar é perda de tempo, mas também que os sonhos são de suma importância, no que há uma aparente contradição que elucidarei. Sonhar simplesmente é perda de tempo. É como ir à escola e ler os livros, escutar o professor, ver os colegas e deixar tudo sair pelo outro ouvido. Atentar para o sonho, isso sim é importante. Meia hora de sonho consciente vale mais do que uma vida inteira de imagens esquisitas que esquecemos ao despertar. A diferença é a qualidade.

Suponhamos um garoto sonhando com Nicole Kidman. Ele não vai querer saber de mais nada além de aproveitar e se esbaldar. Mas notem: um garoto e um mulherão de primeira linha, do tipo que Hollywood há décadas não tinha nas telas. Aqui cabe a expressão "areia demais para o caminhãozinho", pode ser um aviso do subconsciente de que ele não tem a banca que alardeia, e que vai se dar mal. Nesse caso, soube que a moça tem gênio terrível. Ele pode escolher entre simplesmente babar ou aferir a estranha facilidade de acesso. Depois de acordar, passar a agir com mais cuidado e escolher melhor as palavras, pois a outra parte tem muito mais cacife.


Mas reconheçamos, é muito difícil parar um instante e pensar se aquilo é sonho ou não. Primeiro porque estamos acostumados a não questionar, aceitando tudo o que nos enfiam goela abaixo, como programas ruins, músicas ruins, políticos ruins e et céteras ruins. Segundo porque não contamos com o corpo para nos avisar que o fogo deveria queimar, que deveria haver uma aceleração, que Nicole Kidman jamais daria bola para um moleque secundarista. Terceiro porque estamos, à amiúde, tão imersos nas preocupações cotidianas, que aceitamos qualquer escape sem atentarmos para o que realmente se trata. Quarto e mais importante: somos tapados mesmo.

Certa feita sonhei com Grace Kelly. Eu era um menininho do fundamental e ela minha professora. Tudo como se fosse real, eu era comportado e distraído, ela era carinhosa e severa. Só que Princesa Grace já se descabelava com Stephanie, quando eu estudava no primário. Compreendi algum tempo mais tarde o significado, principalmente depois de conhecer um pouco sobre a princesa. Foi uma bela lição, que ainda hoje me ampara.

Sim, só sonho com mulheres lindas (quase sempre) e todas muito nitidamente, nisso não posso reclamar das lições.


Uma técnica que costuma surtir resultados, é prestar atenção ao ambiente em que se está. Experimentar texturas, pesos, consistências e evitar excesso de impressões à noite. Os telejornais vão me esculhambar se seus editores lerem isso, mas os noticiários devem ser vistos de manhã e à tarde, pois o excesso de sons e imagens pode inclusive travar até mesmo a percepção inconsciente dos sonhos. Aí, babau. Não se tem as informações nem os escapes, adeus Nicole, adeus Elvis, adeus comer chocolate e não engordar.

Com essa providência aparentemente simples, temos condições de perceber os absurdos que o mundo onírico nos apresenta para nos ligar ao subconsciente, ao mundo astral, et cétera, nos dando condições de aproveitar com plenitude tudo o que podemos. Um estudante pode inclusive revisar tudo o que viu na noite anterior à prova, sem cansaço e com muito melhores resultados. Um cientista pode rever todos os seus procedimentos e anotações, pois está tudo lá, guardado no subconsciente, pronto para ser usado.

Mas eu disse "aparentemente simples". Sabemos que as pessoas normopatizadas não aceitam ver alguém aproveitando a vida de verdade, se não for em uma boate-fachada-para-tráfico-e-prostituição. Atentar para a própria vida os faz perceber as próprias, isso quase sempre dói muito. Por isso mesmo peço que façam o que ensinei, na medida do possível e sem gerar fissões familiares.


Termino essa primeira onirisséia com um aviso: Ninguém concebe o que não conhece. Qualquer calouro de psicologia sabe disso. Então não vamos nos ridicularizar nem permitir que o façam conosco. Se nos vem à mente, é porque existe. Talvez não exactamente como foi apresentado, mas na essência é aquilo mesmo. Pois o subconsciente nos dá a informação do modo como melhor podemos compreender. Ele é o nosso Eu que nos conhece melhor do que nós mesmos.

23/04/2007

Eu Sou Tio


Não muito, mas sou. Na transição dos meus trinta e quatro para trinta e cinco anos, tenho plena consciência de que não sou mais um garoto, que minha idade não vai retroagir se eu aparecer de (cruz e credo!!!) bermudão abajour-de-quenga, camisetão de algodão vagabundo que custou um rin e uma córnea, boné malaco-da-disney e tênis chamada-para-o-circo. Se me virem assim, chamem a polícia, fui assaltado.

Não estou aqui criticando o estilo de ninguém, afinal gosto não se discute, se lamenta e respeita. Também não venho por estas linhas fazer uma sátira aos quarentões e cinqüentões que cismam em enfiar manteiga quente na boca, só para falar com sotaque as gírias dessa garotada. Só respeitem minhas "pharmácias" e meus "oras bolas".

Como diz o ditado: se bebe, o problema é teu; se bebe e dirige, o problema é nosso. Respeito os gostos alheios, é muito pedir o mesmo? Eu já disse por cá como costumo me vestir, mas vou refrescar as memórias e me apresentar aos novatos, sejam estes bem-vindos.

Calças de cós alto, o que os detractores chamam de "santropeito", eu francamente não tenho nenhum gosto por exibir minha cueca em público. Camisa polo em malha piquet ou de abotoar feita sob medida, sempre pelo Zé, desde então eu nunca mais fiquei com aspecto de "o defunto era maior", por falta de número adequado ao meu biotipo. Sapatos de amarrar e mocassim, sempre pretos, nada de "sapatênis" que a sola é metade do aspecto visual do sapato; sapato peludo também não, faça-me o favor!

Pois bem, caras leitoras e caros leitores, eu não fico impune por esse aspecto de "tiozão". Com grande freqüência me são dirigidas críticas sem argumentos por eu não parecer o adolescente que não sou há quase vinte anos. Eu ao menos aprendi a ouvir e deixar sair pelo outro ouvido, mas já precisei dar limites para pessoas que queriam me comprar uma fantasia de jovem, na esperança de que eu use se já estiver comprado. Precisei avisar que só usaria como pano para tirar o pó dos móveis, se muito, dependendo da estampa até arranha o verniz. Como eu passo, outros também passam, e nem todos tiveram o privilégio de receber a formação de que disponho e partem para a agressão, felizmente quase sempre verbal.

A Nissan lançou um carro "novo" com faróis esbugalhados e linhas imitando toscamente o Corolla, o gingle foi para mim a gota d'água: "Não tem cara de tiozão". Ma peraí! Qual o problema em parecer maduro? Sejamos sinceros. Minha saúde não vai melhorar nem um pouco se eu for a shows de rock... se é que ainda existe rock. Minha situação financeira não sairá do vermelho se eu trocar o Zé pelas marcas de nomes sonoros e sem nenhum conteúdo, muito pelo contrário. Não ficarei nem um pouco mais feliz se começar a deteriorar a minha audição e a dos vizinhos, aí é que parecerei velho mesmo, não ouvindo o outro se esguelando para falar comigo. Me envolver com garotinhas, além de não me interessar, pode dar cadeia, ca-de-i-a.

Eu me sinto discriminado. Não são os adolescentes que compram os carros, são os adultos, os tios e tias. Eles não pagam, em sua maioria, a conta do supermercado, são seus pais. Os mesmos que, aliás, passam o cartão para eles terem suas roupas estranhas. A fonte do dinheiro é o adulto. Pois o adulto está sendo negligenciado! Pior: acredita que isso é natural. Todos lamentam o fim do Opala (aos suspiros) e o enfeiamento do Vectra, mas em vez de pressionar, compram caladinhos; apesar de sentirem a nítida inferioridade da suspensão em relação ao Vectra antigo, logo na primeira curva. Quando converso com eles, sempre dizem que preferem os Tiomóveis, mas têm medo de parecerem velhos, ou contrariar os filhos, ou ficar de fora (???) et cétera.

À margem de todas as virtudes da fase, o adolescente é um consumista quase irracional, desde que o producto em questão seja instável como sua condição hormonal. Quanto mais agressivo, mais parece estar agindo, maior a impressão de impulsividade, mais parece entender suas cabecinhas que nem formadas estão ainda. Então eles compram, dane-se o orçamento da família, as menininhas que cabulam aula à porta do colégio vão "gostar".

Querem productos para eles, é justo. Mas, e nós, tios e tias deste mundo de expiações? Nós que assumimos sem medo os prós e contras do passar dos anos, que sabemos a hora de esperar e a hora de agir, que não estamos preocupados em exibir um carro horroroso como se fosse um falo, que causamos menos acidentes e oneramos menos a previdência social nas macas da UTI? Como ficamos? Podem-se encomendar roupas aos alfaiates que ainda resistem, mas tevê,. carro, aparelho de som, telephones celulares, revistas e programas de televisão são muito mais difíceis de se fazer por encomenda. Seria batuta, mas alguém aí se dispõe a comprar dez mil carros, para justificar a produção de um modelo que as fábricas se recusam a fazer, por ter "cara de tiozão"?

Já peguei amigos falando acidamente mal de gente que se veste como eu, sem saber que eu estava por perto. É impressionante! Dizem-se modernos e abertos à diversidade, mas se uma moça aparecer vestida em um modelito dos anos 1960, por exemplo, a farão passar por ridículo. Não haverá argumentação, simplesmente vão humilhá-la até ela chorar, apenas por estar diferente do que eles usam, ainda que não gostem realmente. Teu filho reclama justamente disso? Pois experimente usar calças com suspensórios e chapéu para ver como ele age, espero que seja menos intolerante do que a média que já conheci. Claro que depois aquele grupo de "amigos" vai se arrepender e tentar remendar a seda rasgada, mas então o estrago causado pelos exibidores de cofrinhos já foi feito.
Modernos somos nós, que trabalhamos pela redemocratização do país, contra a guerra do Vietnã, que tentamos a todo custo limpar o congresso nacional e hoje vemos tudo cair por terra. Não temos para quem passar o bastão. O que fizemos foi a longuíssimo prazo, muitas vezes coisa de uma vida inteira, mas os fantasiados de jovens querem tudo agora, senão não serve, ou parecerão tios.
Dê uma olhada lá em cima. Sejamos sinceros! Que linhas mais agradáveis! Exala confiabilidade e conforto. Tudo muito bem desenhado, tudo bem proporcionado, um equilíbrio de volumes que beira a perfeição. Faróis novos e uma frente em cunha não lhe estragariam o visual, se mantidas as proporções. Mas é carro de "tiozão". Sabem quem é o tiozão? Aquele que não esconde seus fios brancos, mas está a qualquer momento disponível para levar alguém ao hospital; que não vê nada demais naquela modelo brasileira cujo nome me foge agora, mas tem paciência para ouvir a menina desabafar sem tentar parecer seu namorado; aquele que ninguém quer ser ou correr o risco de verem em sua companhia, mas na hora do aperto, aha, é o primeiro nome a ser lembrado. Eu sou tiozão. Eu sou tiozão. Eu sou tiozão.
Estou parecendo um velho (tire os pés da mesa, moleque) rabugento. Mas não há outra forma eficiente e não agressiva de exprimir o que tenho a dizer sobre o tema. Aprendi, no longo processo de tioficação, que não preciso dar uma opinião se ela não fizer falta, posso escolher me calar. Pois não falo aos meus amigos o quanto suas roupas são deprimentes e feias. O quanto suas posturas lembram um orangotango de discoteca. O quanto desprezo os artistas efêmeros e sem compostura que idolatram. Prefiro não lhes falar, ao menos directa e claramente, porque eles mesmos me mostraram o quanto isso machuca.
Antigamente não havia muita opção de productos para jovens, mas porque o filão não tinha sido descoberto. Os não tão jovens continuam existindo e deixaram de ser atendidos. Raios e trovões! Por acaso teremos que abandonar tudo, deixando o "mercado" passar fome, para fundar sociedades alternativas de tios noutras paragens? Chega a ser ridículo eu ter que pedir que façam algo para eu comprar. Como não sou o único nessa situação exdrúxula, acredito que muito mais gente compartilha de minha posição e de minha indignação. Os outros podem continuar a comprar coisas feias e negar suas idades, sem problemas (para mim), só quero poder estar em uma roda sem ser interrompido pelas grosserias adolescentescas do senhor tintura-na-barba, só porque gosto de coisas que não querem me oferecer e me recuso a fazer a troca. Eu é que fico sem, se eu não me importo, eles não deveriam se preocupar.
Não tenho medo de ser tiozão, cabelo branco e voz de caminhão. Se não dão o que quero eu não compro nem por Talião.
Tá, ficou tosco, mas é isso o que eu penso e é assim que me comporto. Importa que passou a mensagem. Ah, ia me esquecendo de contar as caras que fazem quando tiro minha caneta do bolso, não só por estar no bolso, mas por ser tinteiro. Aliás, tenho uma coleção funcional delas, sessenta em condições de uso. Imaginem alguém vendo a própria tataravó, em trajes de época, ao portão da casa. É mais ou menos isso: Logo alguém começa a ter vergonha da ancestral que se veste "daquele jeito", que fala "daquele jeito", que se comporta "daquele jeito", que gosta de "coisa de véi". É uma pessoa amada na família, mas não se pensa duas vezes antes de faltar com o devido respeito. Vai se arrepender depois, mas a impulsividade que os "não tios" tanto glorificam precipita tudo.
Tias e tios do meu Brasil! Uni-vos. Não deixai que a intolerância dos novos velhos estraguem vossas vidas. Sejam o que são. Não se envergonhem de não parecerem mais um urso de pelúcia, nem de terem um no quarto. Estou falando sério, patota, as coisas só mudam se fincarmos pé em nossas posições. Se não gostam, não comprem nem usem. Se gostam, não tenham medo de falar bem. A sua estética é parte de sua personalidade, não abra mão dela, nem de suas aspirações, nem de coisa alguma que lhe for realmente cara. Para nós, o estilo não é apenas o que aparenta, cada cinto, cada broche, cada detalhe daquela jóia tem um significado. Nós temos um significado para o que fazemos. Nossas coisas têm conteúdo, um motivo plausível para continuarem em nossas casas. Prestem bem atenção à riqueza que o jeito tio de ser oferece. E quando marcarem o próximo baile de época, me chamem, estou enferrujado e preciso dançar um pouco.

04/04/2007

ALEMANHA


Gosto da Alemanha. Nunca estive lá (nesta encarnação) mas gosto muito da Alemanha.

Poderia dizer que gosto e pronto, não meta o bedelho e vá catar coquinho. Mas não sou um menino mal educado, só levará um minutinho e já explicarei a vocês, prestem atenção.


Os alemães são um povo muito singular, que preza a boa mesa e a disciplina, as grandes festas comunitárias e o trabalho árduo. Mas engana-se quem cultiva o estereótipo do louro grande e barrigudo que só come joelho de porco e couve passada.

A variedade de doces e carnes da culinária alemã é estonteante, trata-se de uma dieta altamente calórica e saborosa. Encher lingüiça e salsicha, para eles, não é gastar tempo,é uma tradição. Os salsichões são uma instituição cultural desse multipovo, tanto quanto o canto alegre e descontraído dos músicos folclóricos. Eles levam muito à sério sua diversão, hora de trabalhar é hora de trabalhar, hora de se divertir é para esquecer o resto. Meio prático demais para a cultura latina, talvez, mas tem funcionado há séculos. Por cá, se costuma perguntar "E o relatório, aprovaram?" e ouvir "Não sei, vou ficar de cabeça quente até segunda-feira". Diga isso a um de nossos irmãos de sotaque engraçado e correrás o risco de ter um salsichão enfiado pela goela. É hora de festa, caramba, deixe o trabalho para os garçons!

Ah, um detalhe: Se prometer, cumpra. Se disseres "passo lá", te cobram dia, hora e teu menu preferido. Escolha as palavras, quando estiver falando com um alemão. Aliás, falar com eles em português é muito mais fácil. Eles aprendem o nosso idioma melhor do que nós o deles. Não por acaso, em muitas cidades do sul se ensinam às crianças primeiro o alemão, depois o português. Xenophobia? Racismo? Metidice à besta? Não. Definitivamente não. O alemão, em suas muitas variantes, é uma língua muito musical e poética, com uma sonoridade muito forte e até contagiante. Quem aprende alemão (um dia, quem sabe) consegue perceber melhor as nuances phonéticas da fala, por isso é muito mais fácil aprender alemão e depois o português, ou qualquer outro idioma, do que o contrário. E dialeto musicado é com os renanos que, segundo os demais alemães, não falam, cantam. Uma boa caricatura é um renano a falar e uma orquestra aparecer para fazer o acompanhamento.

Os alemães são cientes, como nenhum outro povo, de sua unidade. Mas passar de um Estado para o outro é como atravessar uma fronteira nacional, tamanha a diferença entre o dialeto local e o alemão-padrão. Para as crianças então, a dificuldade é imensa, nem parece que falam a mesma língua. Mas na hora de trabalhar, aha, não há diferença regional que se imponha. A boa e velha determinação teutônica toma conta de tudo e nada os faz parar até que tenham atingido seus objetivos. E depois vão à farra, é claro.

Ainda hoje se ouvem comentários maldosos e ignorantes, evocando o fantasma nazista para rotular a Alemanha. Eles estão plenamente cientes dos erros que cometeram. Talvez cientes demais. Eles pagaram caríssimo. Tiveram sua pátria (que para eles é quase uma extensão do corpo) dividida durante a guerra fria, viram impotentes, atrocidades sendo cometidas contra quem tentasse transpor o muro maldito. Famílias foram divididas por décadas. Eles têm sentimentos e sofreram muito com esse castigo. A Alemanha se envergonha do que fez. Ninguém precisa lembrá-la disso, os monumentos e os livros de história não deixam esquecer. Ah, os neonazistas por lá não são "filhos de gente boa", são marginais.

Aos poucos eles estão aprendendo a não levar a si mesmos tão à sério, graças em boa parte aos brasileiros que foram passar férias ou estudar... E ficaram. Já me cansei de ouvir histórias de brasileiros solteiros que foram só para passar férias, conheceram alguém e só voltam para passar férias. Pensam o quê? Com aquela pose toda eles parecem não oferecer risco, mas quando vê, já te levaram ao altar. Muito cuidado com esses alemães, principalmente com as alemãs. São todos muito educados, muito bem arrumadinhos, mas não têm piedade das mamãezinhas brasileiras. Se bem que, re, re, re, também temos essa "má fama".

Aliás, esse é um ponto importante. Poucos países recebem o brasileiro tão bem quanto a Alemanha. Infelizmente países que falam o português não nos recebem tão bem, há relatos de discriminação explícita, como se ainda fôssemos colônia. Entrar na Europa pela Alemanha é entrar de primeira classe, não só por evitar constrangimentos desnecessários, como pela comodidade de se estar em um país central, com uma infra-estrutura de se tirar o chapéu e um litoral respeitável. Descendo em Berlim ou Frankfurt, fica prático conhecer o continente inteiro. Mas vale a pena conhecer o anfitrião primeiro.

A indústria germânica é conhecida pela excelência de sua engenharia. Poderiam muito bem, com a tecnologia de que dispõe, vender quiquilharias descartáveis para o mundo inteiro. Mas há um sentimento de orgulho nacional que os impede de escravizar o próprio povo. Se vires um producto com a inscrição "made in germany", saiba que a longevidade, a confiabilidade e o salário justo estão embutidos no preço. Seja um brinquedo ou um automóvel, se é alemão, pode levar tranqüilamente, daqui a seis meses não terás que comprar outro.

Já falei nesta página sobre minha preferência pela qualidade, ainda que me custe mais. Também já citei os motivos que me levam a pagar mais caro por uma maçã feinha e discreta. Na realidade, eles cobram caro pelo que seria caríssimo, pois estão acostumados a fazer muito bem feito. Deus sabe o que eles seriam capazes de fazer se tivessem acesso aos nossos recursos. Faço uma idéia. Por isso mesmo sou a favor de uma reaproximação séria do Brasil com a Alemanha. Não essas viagenzinhas tímidas e acanhadas que nossos últimos presidentes têm feito à Berlim. Quem conhece a jornalista Córa Ronái e seu maravilhoso blog sabe o quanto aquela terra e aquela gente são encantadoras. É tudo muito organizado, mas eles carecem de expontâneidade, algo que nós temos de sobra. Ambos os povos são muito mais parecidos do que se imagina. Ambos trabalham mais do que pensam e acham que deveriam trabalhar mais. A despeito do esterótipo injusto, um brasileiro não recusa um bico extra para fazer seu pé de meia. Quem não se lembra do maledito risco de apagão? Foi a coisa ficar realmente séria e a adesão foi maciça e imediata. Basta o executivo falar com seriedade, respeitando nossas inteligências, que a adesão é instantânea. O presidente, aliás, deveria parar de correr atrás de quem promete uma gorjeta de imediato, mas quer nos ver pelas costas logo adiante. Os alemães já deram mostras de seriedade e igualdade de condições que outros nem cogitaram. Eles não aparecem com sorrisos prontos e prometendo pechinchas. Quando aparecem, eles querem negociar, trabalhar conosco. A primeira coisa que deveria ser feita é aproveitar a imensa comunidade germânica que há, desde o Rio Grande do Sul até o Espírito Santo, e promover não um intercâmbio cultural, não um turismo para eles verem como seus avós falavam e se vestiam, mas uma interação entre os dois povos. Havendo interação entre os povos (na qual o mercosul fracassou, me desculpem) as empresas logo se interessam, seguidas pelos governos e pronto. Não é algo com o qual se gastaria os tubos. Em vez de levar cinzeiros de pedra-sabão para vender em uma feira internacional, acentuando a imagem negativa que se tem de nós, que exibam informações sérias e em profusão, destacando os pontos de coincidência e os pontos onde um país complementa o outro.

Sei que corro o risco de ser taxado de racista, afinal ficou politicamente incorrecto dizer que uma alemã ou uma austríaca (como Hedy Lamarr) é bonita. Já sou olhado torto por não aderir à neurose vigente. Mas, quer saber? Vão catar coquinho e colar de volta ao coqueiro. Estreitar laços com os alemães é algo que deveria ter sido feito desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Ambos teríamos nos ajudado mutuamente e muita dificuldade poderia ter sido evitada para os dois lados. O brasileiro descrê do trabalho honesto porque não o vê rendendo os devidos louros, mas vê gente ignorante e portadora de muitos vícios de caráter ganhando dinheiro sem mover uma palha. Os alemães são um bom exemplo, como nós somos um excelente exemplo de tenacidade e desenvolvimento espiritual, este que tanta falta faz à Europa como um todo.

Já falei muito. Mas creiam, não falei nem um ponto do texto que o tema merece. Porque se há duas nações para as quais, juntas, não haveriam limites, são Alemanha e Brasil, na ordem alphabética. Agora volta lá para cima e entre na festa.

10/03/2007

O Beijo na Mão

Todos os dias ele ouvia "Muié gosta é de macho!" e "Beijá mão é pá baitola!", mas não se importava. O tipo de mulher que o atraia não era o mesmo que pelas quais os outros... bem... faziam homenagens solitárias.
Foi a uma livraria, onde encontrou uma colega de trabalho com a qual tinha pouco contacto. Longe dos termos técnicos e da urgência documental, ambos conversaram sobre os livros que compravam e logo sobre mais coisas. Convidou-a para um lanche, pois já era tarde e ainda não tinham almoçado. Pagaram suas compras e foram. Lá fora repousava o Fusquinha 1984 com rodas do Mercedes A160. Ela estranhou, pois a maioria dos carros é equipada com rodas grandes, excessivamente largas e escandalosamente chamativas. Ele explicou que não são muito largas e aceitam os pneus originais. Agora ela via a principal diferença: a fechadura com chave instalada na porta direita, que abriu a deixou entrar. Acomodada, ele fechou a porta e só então entrou no carro. Se perguntou de que país seria aquele homem.
Escolheram uma pizzaria que já estava aberta, para aproveitar um horário carente do serviço. Novamente ele saltou do carro, abriu sua porta e lhe estendeu a mão, para auxiliar a saída. Deixou que escolhesse a mesa e ainda lhe puxou a cadeira, só então sentou-se. Fizeram o pedido e, no decorrer da conversa, ela percebeu que não se tratava do tipo machão, que usa de gentilezas para prender a mulher e lhe tolher o arbítrio. Ele falava da reforma em sua casa, que estava fazendo aos poucos para não ter mais despesas e transtornos do que o necessário. Visava uma ampliação para acolher amigos ou parentes em uma emergência, talvez até um casamento. Ela sentiu um arrepio na espinha e um rubror indisfarçável...
-- Eu disse algo que a constrangeu?
-- Ah, não, imagina! É que essa conversa toda me faz lembrar... Bobagem.
Ele não insistiu e mudou o assunto. Chegou a pizza meia frango, meia Califórnia. Ele detestava misturar doce com salgado, mas convidou e não avisou. Deixou que a servissem primeiro. Decerto que uma pizza é muito para duas pessoas bem educadas, então embalaram o cinco pedaços restantes e...
-- Por favor, da próxima vez. Hoje eu convidei.
Ele pagou a conta. Ela pediu para ser deixada no ponto de ônibus da Praça Cívica, mas ele retrucou, argumentou que os ônibus àquela hora estavam muito cheios e perigosos, e um automóvel servia justamente para isso. Levou-a para o Jardim Goiás, pegou uma rua que só um Fusca enfrenta sem medo e deixou-a à porta do condomínio, com o mesmo ritual, mas adicionando um elemento, após dar-lhe a pizza, beijou-lhe a mão que estendia para cumprimentá-lo. Esperou que estivesse em segurança já dentro do pátio e partiu.

A segunda-feira foi um dia normal de trabalho, ele foi discreto e cortês, mas agora já tinham assuntos para os pequenos lapsos entre cada tarefa. Quando ele foi ter com o seu computador, ela pôde ver a real diferença. Ouviu colegas falando em baixo tom de suas aventuras sexuais, usando de palavras que já a anojavam antes, mas agora a convenciam a colocar o cedê dos Carpenters para não ouvir mais. E lá iria se interessar pelo formato do clítoris alheio? Mas está muito fácil! E pensar que já se desmanchou por esses tipos. Eeeeeeeeecaaaaaaa!

Se encontraram novamente na mesma livraria, onde ele acertava a tarde de autógraphos...
-- Não! Você escreve?? Ah, mas eu quero ver!
Sacou um dos livros de cortesia que lhe cabiam e lhe deu. Título: "O Homem Que Pensa Com a Cabeça de Cima". Não escapou de dar uma dedicatória, como sempre, cavalheiresca. Ele sabia que estava caçando briga em um país ainda machista, principalmente em um Estado mais machista do que a média, mas a boa receptividade da colega o encorajou a seguir adiante com as cento e quarenta e sete páginas de argumentos e parábolas. Ela devorou o livro em poucas horas e passou a compreender o comportamento do amigo, não era homossexualismo, muito menos assexualismo. Era educação mesmo, coisa de berço.
Na tarde de autógraphos, lá estava ela com a família. Os quatro testemunharam o que a moça dizia, a elegância e a boa educação no trato com as pessoas era tão contrastante com o que se acostumaram, que o pai da moça perguntou mais uma vez "Tem certeza de que não é viado?", e mais uma vez ouviu "Tanto quanto de que você não é". Acenou e ele viu. Seguiu a passos firmes, mas suaves, em sua direção e ela já sabia o que fazer, ergueu a mão meio caída com o braço semi-estendido e ele a beijou. O mesmo com mãe e irmã da moça. Levou-os para conversarem enquanto ele atendia os amigos e parentes que conseguiu reunir para sua estréia no mundo das letras. Ela se sentia a própria Audrey Hepburn, sendo tratada daquela forma. Passou a prestar mais atenção ao que veste e aos próprios modos, desde aquele primeiro beijo na mão. Algumas conhecidas se afastaram, claro, mas fazer o quê? Já se sentiu muito melhor usando um vibrador do que com um homem na cama, não queria ficar assim para o resto da vida. Agora, pensando bem, iria começar uma conversa mais "séria", aproveitando a disponibilidade...
-- E a sua casa?
-- Já está pronta - disse em um sorriso discreto - Fiz uma suíte e deixei meu antigo quarto para hóspedes. Também há um jardim bem diversificado, mesclado com uma horta, na frente...
A mãe da moça não tinha dúvidas quanto às intenções do rapaz. Nenhum galã de cinema, nem gordo nem atlético, mas, como costumava dizer às filhas: "Homem com cara de homem, o resto é descartável". No decorrer da conversa, ela chega ao ponto...
-- Tem espaço pra crianças?
-- Tem. Tem muito espaço, coloquei película nos vidros para evitar uma tragédia e há uns brinquedos no quintal.
-- Cara, você tá querendo casar! Pode ser comigo?
-- E com quem mais seria?
No exacto momento o som ambiente toca Gigliola conquetti: Dio, Come Ti Amo. Como resistir? Tudo conspirou a favor. Nunca transaram. Mas quem tem pressa? Um contratempo se deu quando um homem foi tirar satisfações, levou para o lado pessoal tudo o que estava escrito, exceto a parte que diz "Mas esse mesmo brutamontes é vítima de uma sociedade torpe que exige tal comportamento, ainda que o torne infeliz...". Com a ineficácia da argumentação, viu seu nariz sangrar e a necessidade de dominar o sujeito. Tudo rápido e sem dar tempo para espetáculos. Perder esse homem? Mas nem que a água seque e o fogo molhe. Tratou de cuidar de seu homem e realinhar-lhe a camisa. Com os parentes do namorado presentes, passou a conhecer-lhe os defeitos, as qualidades que ainda não se apresentaram, sua história meio melancólica e, principalmente, a confirmação do cavalheirismo à britânica. Foi ter com ele e marcar seu território, o incidente chamou muita atenção, havia mulher demais no ambiente para o seu gosto.

Casaram-se seis meses depois. Não é uma paixão arrebatadora, do tipo que devasta tudo ao redor e depois te deixa cair no buraco que cavou, é o amor maduro dos que já sabem o que querem da vida. Não deixaram seus empregos, pois até o amor em uma cabana precisa pagar as contas no fim do mês. Os livros se tornaram uma boa renda extra e, principalmente: Beijo na mão, abrir e fechar a porta do carro, puxar a cadeira, ser tratada como uma verdadeira rainha. Ah, isso não tem preço. Até passou a gostar do aspecto "retrô" do amado, e está criando o casal de filhos para seguirem os bons exemplos do pai. E todos os dias repete "Dio, Como Ti Amo...".