10/12/2011

Pixadores malditos!


Ele sai, ainda tonto pela 'balada' da noite anterior, rindo. Nota algo estranho na cor do muro e vai ver. Vê e fica possesso! Não sabe como aquilo foi feito tão rapidamente em uma só noite, nem como não chamou a atenção de ninguém, mas está lá. Seu muro está completamente tomado por tinta, traços, curvas e tudo mais.

O que mais o irrita, é saber que não adianta denunciar, que certamente o autor (ou autores) o conhece e fez aquilo em represália. Jura aos brados que se vinga, mas não sabe ao certo contra quem. A indignação de ter tido seu lar violado exalta seus ânimos, ainda mais que ainda está sob efeito etílico.

As pessoas começam a aparecer e confirmam que tinham ouvido falar. A notícia se espalhou rapidamente pelos bairros da região. Isso é óptimo! Além de ter tido seu muro enchido com cousas às quais odeia, contra sua vontade, agora terá também que agüentar ser alvo de olhares da comunidade. A pintura esquisita está lá, enorme, cobrindo todo o seu muro.

Por que não respeitam o território alheio? Por que se dão ao trabalho de sair de suas casas, que devem ser distantes, só para descaracterizar um muro sem a autorização do proprietário? Ah, mas isso não fica assim! Ele vai chamar sua turma para tomar as devidas providências. Enquanto ele sai, o povo photographa, nunca tinha visto um quadro como aquele, na verdade a maioria deles tem acesso à internet, mas só para ver besteira e falar besteira em fóruns virtuais.

A turma chega e vê o estrago. Adjetivos dos mais depreciativos são soltos em profusão,  enquanto fazem lá mesmo o planejamento para o revide. Listam uma relação de residências e comércios que podem ser os alvos, elegem os prioritários (embora não saibam o que signifique a palavra) e vão à desforra.

Chegam à região pretendida e se surpreendem. Estiveram lá há poucos dias, mas está tudo muito diferente. Quase todos os muros foram substituídos por grades, e os que ficaram estão quase totalmente cobertos por trepadeiras florais, guarnecidas por estreitos gramados. E agora? O que hão de fazer?
Um cidadão aponta o dedo. Eles ensaiam uma afronta, mas logo outros fazem o mesmo e começam a gritar "Chamem os meninos, são aqueles pixadores malditos", "Ah, voltaram, vagabundos?" e eles percebem que estão em nítida desvantagem.

Não foi só o paisagismo que mudou, a comunidade local também está diferente, está unida. Eles cercam o grupo, que começa a evocar os direitos humanos, alegar inocência, pedir um advogado e tudo a que estão acostumados a fazer para se livrarem das conseqüências de seus actos. Todos começam a sacar photographias de seus antigos muros completamente pixados, repintura após repintura, eles soltam pequenos risos que despertam a ira dos mais exaltados, então começam a chorar. Vêem que agora os intelectuais que tanto defendem sua liberdade de expressão onde e como bem entenderem, mesmo que à revelia e recusa dos moradores, não podem ajudar agora.

Os meninos chegam na viatura, com a imprensa, e eles começam a se fazer de coitados por causa dos tapas que levaram, por terem rido de seu mal-feito. Mas em vez de adulá-los, desta vez os repórteres, que também já foram vítimas de pixações, lhes mostram vídeos de câmeras de segurança mostrando-os em flagrante delito. Infelizmente um deles é menor e não poderá nem mesmo ser obrigado a repintar muros, falta um mês para completar dezoito anos, embora sua reincidência contumaz vá lhe valer uma pena. Mas os outros seis, que sempre se valeram do número para intimidar as vítimas, estes poderão ser processados. A quantidade de latinhas de tinta preta em uma sacola serve de prova de suas intenções.

Na delegacia, aos olhos do conselho tutelar, o menor dispara a tagarelar, reclamando da invasão de território, do estrago que fizeram no seu muro, que é a vítima da sociedade, que é rebelde porque o mundo quis assim, porque nunca lhe trataram com amor, que queria ser como uma criança, cheio de esperança e feliz. O conselheiro lamenta, mas diz que desta vez perderam o apoio da sociedade, que já sabe que para fazer filhos ele é adulto suficiente, para assumí-los nem tanto; já são seis na fila, à espera da maioridade do sujeito, para entrar com processo de reconhecimento de paternidade.

Ele se revolta. Não admite, não tolera a menor hipótese de ter que arcar com seus actos, suas palavras e sua má conduta. Xinga seus pais, por não estarem lá para livrar sua cara, xinga o mundo por não ter lhe dado o que queria, quando queria e do jeito que queria, jura vingança e é logo alertado pelo delegado que "Tudo o que disser está sendo gravado e será usado para os devidos fins", então ele se cala.

Acusação contra o grupo? Em princípio, formação de quadrilha e corrupção de menor, mas encontrarão outras no decorrer das investigações. Um deles tem um utilitário esportivo com poucos anos de uso, incompatível com a situação econômica que alega. Ao perguntarem quem vai tirar "aquele lixo" pintado no muro, ouvem a mesma resposta que o delegado costumava dar aos moradores do bairro, mas agora com a boca cheia de satisfação:

 - Vocês. Alguém aí tem provas? Suspeitos? Tem? Então a Guernica de Picasso é de sua responsbilidade.

Os detidos são encaminhados às celas que lhes cabe, exceto o ainda menor, que fica preso às vistas de todo mundo por não poder ser encarcerado com maiores de idade. Ele tenta esconder o rosto, enquanto a reportagem faz seu serviço e grava depoimentos. À pergunta de como aquele quadro foi pintado tão depressa, um cidadão diz que se valeram das facilidades da tecnologia moderna, encomendaram um decalque gigante e o aplicaram em minutos, com a ajuda de uma dúzia de vizinhos. Agora, unidos, são vizinhos.

06/12/2011

Ornitorrinco da páscoa


Nicolau abre a primeira cartinha e estranha o nome do remetente: Coelho da Páscoa. Lê com urgência...

 - Querido Nicolau, desculpe incomodar, mas o assunto é sério. Eu quero um substituto. Eu sei, já apareceram vários desenhos animados idiotas sobre "o coelhinho que desiste da páscoa" e tudo mais, mas o meu caso é sério mesmo.

Sabe, eu não me importo com uma criança pensar que eu sou ovíparo, aliás, um vegetal ovíparo, que bota ovos de chocolate. Tudo bem, a fantasia faz parte do amadurecimetno. Charges jocosas eu tiro de letra. Mas a cois não é por aí. A páscoa deixou de ser o que era, Nicolau. As crianças não se preocupam mais em esperar o domingo pascal, procurar o ovo pela casa e fazer aquela festa quando o encontram. Elas estão virando verdadeiras pipas, comendo quilos de chocolate ruim, cheio de gordura hidrogenada, se empanturrando tanto que nem dão bola para o dia, menos ainda para a mensagem que ele dá.

O pior é que isso vem dos adultos, eles não dão a mínima para o fator surpresa, para a expectativa, pra porcaria nenhuma! eles compram o ovo por causa do brinquedo horroroso, feito com mão-de-obra semi-escrava que o acompanha. A criança nem vê que está comendo aquela porcaria gordurosa com aroma de cacau, enquanto manipula a bujiganga. Resultado: come demais, passa mal e todo mundo culpa a páscoa, mais precisamente a minha pessoa.

Isso não bastassem os ataques directos. Eu estava vistoriando uma plantação de cacau, quando um cara me pegou e insistiu para que eu lhe desse um ovo. Aliás, ele queria me ver botando um ovo! como eu não o fiz, me colocou num galinheiro, pra ver se o galo me fertilizava. Fiquei três meses com marcas de esporões pelo corpo, já há uns dias o meu pelo voltou a ser o que era.

Doutra vez eu tive sorte de estar alerta e correr, porque um maluco queria enfiar um pegador de macarrão na minha "cloaca" pra tirar um ovo na marra! Ele queria me virar pelo avesso! Os únicos ovos que encontraria, ele não iria querer comer.

Isto é cousa que vem acontecendo há décadas, Nicolau. Eu estou cansado! Quero voltar a ser um coelho normal, ter uma morte digna nas presas de um predador natural, ou (de preerência) de velhice, na floresta. Não quero morrer estripado por um psicopata chocólatra. Para não dizer que eu estou abandonanco o barco ao léu, sugiro outro bicho para me substituir, o ornitorrinco. Pensa bem, ele é carismático, é raro, endêmico da Austrália, bota ovo de verdade, enfim, tem tudo para ser o bicho da páscoa perfeito! E por ser endêmico, ninguém vai procurar um ornitorrinco para ver se bota ovos de chocolate. E ele sabe se defender! Ele nada com maestria e se vê livre de caras como os que me perseguiram, numa boa.
Pensa com carinho, Nicolau. A gente se conhece desde que o Arquiteto começou a juntar poeira estrelar para formar este planeta, quando ainda éramos apenas idéias vagas de amor e fraternidade, para uma humanidade que estava longe de existir, e que ainda hoje não aprendeu a lição. Você sabe que eu não nego fogo no trabalho, mas já faz tempo que o meu perdeu o sentido.

Dada a ugência, Nicolau manda Rudolph buscar o amigo, para conversarem pessoalmente...

 - Coelho, você já conversou com o Perna-Longa?
 - Já, ele disse que eu não agüentaria um mês longe das minhas funções, mas não me deu maores detalhes.
 - Isso porque ele mesmo já tentou pendurar as chuteiras. Você não suportaria um mês longe dos preparativos para a páscoa, que não tardam a começar.

Dá-se uma pausa para reflexão e medição das palavras...

- Coelho, eu poderia atender o seu pedido, mas não devo. Esta missão é sua. Espere eu terminar, por favor. Faz umas décadas que eu pensei em desistir também. No começo eu mandava brinquedos para quem merecia, dando prioridade par as crianças mais pobres. Eu não dava porcarias que quebram com uma semana de uso, nem coisas que se podiam usar para tripudiar, exibir poder econômico, enfim. Os brinquedos serviam como argamassa para unir a familia em torno da criança; ajudar a edificar o lar, como dizem as pessoas. Mas há um século a revolução industrial mudou as coisas. Eu esperava que mais crianças pudessem ter acesso a bens de consumo, para suprir suas necesidades físicas e intelectuais, mas aconteceu o contrário, demitiram os pais das crianças para que elas fossem contractadas pela metade do salário, como aconteceu com as mulheres. Foi um desgosto imenso. Até a segunda guerra mundial, o quadro só piorava. Com o fim dos conflitos, parecia que tudo tomaria rumo, mas foi efêmero, logo as pessoas voltaram a se virar para seus umbigos, e as crianças voltaram a ser apenas peças de um quadro que queriam ver.

Quando Haddon Sundblom se usou como modelo para criar o 'Papai Noel' padrão de hoje, eu vi naquela doçura de traços um fio de esperança, mas insuficiente para apagar minha decepção. Ele fez a ilustração pensando na neta. Foi quando o Arquiteto me chamou para uma conversa, pelos idos de 1972. Ele me mostrou o sorriso das crianças pequenas, ao verem aquele vovô barrigudo, de bochechas rosadas e semblante doce, mesmo que só por um cartaz. Eu vou te repassar o que Ele me disse.

Coelho, nosso trabalho não é consertar o mundo, não é acabar com as guerras, não é dar oportunidades de trabalho digno para todos, não é promover o entendimento entre as nações. O nosso trabalho é o que já fazemos. Nós somos apenas ferramentas, peças para fazer tudo funcionar. Pacificar o mundo, dar justiça social, unir os povo é trabalho para os homens. Se você for embora, as coisas não só não melhoram, como tendem a piorar, porque a frieza calculista que muitos teimam em chamar de intelectualidade tenderá a dominar o mundo, e você sabe que ser frio e calculista é atributo de todo psicopata. Você não quer que todas as crianças se tornem adultos psicóticos. Os arquétipos surgidos de criaturas como nós, embora usadas de modo leviano e irresposável pelo comércio, são de suma importância para a cultura ocidental, e hoje para boa parte do oriente também. Nossas imagens são a única referência de bondade e caridade que muita gente tem. Sim, é uma referência calçada no estereótipo de uma fantasia, mas é tudo o que eles têm. Até a extinta União Soviética permitia a divulgação de nossas figuras! À moda deles, mas permitia. Sem nós, muita gente perde tudo o que tem, tudo o que lhes dava uma razão para continuar vivendo.

Essa conversa de que as crianças se desesperariam se algum chateu ou um dogmopata declarasse que estamos mortos, não é mito. Muitas crianças ainda crescem acreditando que sendo boas e se esforçando, receberão sua recompensa. Mesmo com o choque da adolescência, essa base pode moldar um adulto saudável, sem muitos apegos ao passado e sem muitos rancores do mundo. Infelizmente muitos adultos se negam a assumir seus papéis de pais e trocam a convivência por dinheiro. Lamento, mas não faz parte de nossas atribuiçõs interferir, já somos muito ocupados em manter focos de civilidade e fraternidade. Às vezes aparece alguém que entende realmente o que fazemos e nos utiliza para os fins devidos, então podemos agir um pouquinho, mas é só. Se você acha que o mundo comercial é tão ruim, é porque não teve tempo para ver como são tratadas as crianças presas em ditaduras que se dizem populares. Aqui, pelo menos, nossas figuras estão vivas e podem suscitar algo de bom. Nosso sumiço não vai melhorar absolutamente nada, Coelho. Deixe o comércio de lado, ele não é de nossa alçada, nem dependemos dele para viver; já existíamos como folclore séculos antes. Mas ele, sem nós...

 - Desaparece. Vai à falência. Quebra.

 - Um dia as pessoas verão quem realmente depende de quem nessa história. Até lá, continue na sua seara, que há muito mais em risco do que os adultóides metidos a intelectuais acreditam. Além do mais, quem é que vai querer cantar "ornitorrinco da páscoa, que trazes pra mim...". Coelho, ornitorrinco não dá pulinhos! Se ele carregar os ovos, vai lambrecar tudo, porque ele anda mais rápido nadando debaixo d'água. Vou providenciar a segurança para você fazer seu serviço em paz, mas esquece essa história de abandonar a páscoa.

O coelho pensa, balança um pouco as orelhas e concorda. Vai embora, que os preparativos apra a páscoa começam antes do ano novo.

02/12/2011

Difícil de entender

Como assim, não está entendendo?

Faz não mais do que dois meses, lembrei-me hoje de um episódio que presenciei dentro do ônibus.

Dois cidadãos estavam conversando, deu para entender que moravam ambos na cidade, quando um perguntou se o ônibus passava em certo lugar. O outro não entendeu. Ele insistiu, talvez na tentativa de ser mais didático, mas foi em vão. O que pude ouvir con clareza é que um perguntou de o "oimbu" ia até certo ponto, enquanto o outro 'achava' que ele tinha entrado no "ombz" errado.

Embora em nenhum momento tenha havido animosidade, a frustração de ambos era patente, por não conseguirem se entender. Um deles desceu sem que tivessem entrado em um acordo, e sem que nenhum dos dois tivesse dito 'ônibus', entre outras expressões que os fazia parecer serem de países diferentes. Mais ou menos como se um brasileiro aprendesse um pontunhol mal arranhado e tentasse conversar com um argentino; mas eles moram na mesma cidade. Imaginem se a discussão fosse sobre mulheres, não duvido que um interpretasse que o outro estivesse se insinuando para a sua.

Não muito tempo depois, indo para um dos encontros interclubes de veículos antigos (todo último domingo de cada mês, exceto em Dezembro, das 09h às 13h, no mercado coberto da Paranaíba; prestigiem) presenciei novamente a cena, duas mulheres, aparentemente jovens, entre vinte e sete e trinta anos, eu diria. Ambas com novas e bizarras variantes da palavra 'ônibus' que ninguém mais entendia, além delas mesmas. Novamente não se entenderam.

Para não dizerem que é só nos hospícios sobre rodas que isso acontece, já ouvi na rua, do meu quarto, uma discussão acalorada entre dois indivíduos que não se entenderam, e no final perceberam que estavam dando nomes diferentes ás mesmas cousas. Pararam de discutir a um passo de se agredirem.

Não pensem, os mais jovens, que 'antigamente' não havia gírias e bordões de grupos restritos, havia, mas ninguém se esquecia do vocabulário básico da língua oficial do país, assim até mesmo o diálogo entre um gaúcho e um amapaense tornava-se possível, com pequenos esclarecimentos no decorrer da conversa.

Não é de hoje que o relaxamento com a língua vem acontecendo, mas é recente o apoio oficial. Aliás, está do jeito que a politipatia brasiliense gosta. A deforma ortographica não foi aprovada à toa.

Há uns dez anos, uma senhora, dentro de um dos famigerados terminais de ônibus, me preguntou se "esse oimbus vai pro framboã" (sic) apontando para um que estava parado. Compreendi que ela quis dizer 'Flamboyant', o shopping center, mas só porque tinha apontado para o ônibus. Na pressa cotidiana, eu dificilmente teria podido ajudar, não haveria tempo para analisar o contexto.

Contextualizar é um exercício que pratico desde muito cedo, porque desde meninote eu philosopho a respeito da compreensão alheia. Eu não tinha certeza de que a interpretação que meu cérebro lesado faz de uma bola (por exemplo) é a mesma que os outros fazem, não sou clarividente para saber disso. Ainda que tomógrafos consigam detectar reações electroquímicas, ele não diz o que a pessoa está vendo, cabe muita interpretação ao neurologista... Se ele for experiente. Sei que o que sai de minha boca é mais ou menos o que qualquer um compreende, porque provavelmente há um mecanismo de correção para isso.

Mas nenhuma artimanha cerebral, mental, animal, philosophal consegue driblar um idioma desconhecido. Piora se este idioma não for catalogado. Esculhamba tudo se for um idioma criado pela indolência verbal, porque então só o grupinho ao qual o sujeito pertence o compreende. O mais interessante é haver gente achando lindo tudo isso. Eu gosto de ver sotaque e expressões regionais colorindo e enriquecendo a Língua, mas não é este o caso. Expressões regionais são resultantes de épocas em que não havia telecomunicação que não fossem carta e telégrapho, mas a maioria das pessoas era totalmente analphabeta, então tinham que inventar elas mesmas os nomes para o que fazia parte de seu mundo. Esses nomes, por meio de viajantes e escritores, viajavam pelo país. Não só isso, são nomes que uma região inteira compartilhava, não um grupo de um bairro.

Há uma diferença considerável entre criar uma neologia, que demanda um certo grau de intimidade com o idioma, e começar a falar de qualquer jeito por preguiça. O primeiro sabe o que está fazendo e o faz pela necessidade de comunicar com mais precisão o que o vocábulo comum falha. Por saber o que fez, sabe explicar o que é e não se esquece da relação palavra/significado padrão do país. O segundo simplesmente se acomoda, quase sempre não lê o que não o apraz e fica restrito ao seu círculo pessoal. Com o tempo deixa de usar as palavras da Língua e até se esquece delas.

Não, eu não estou teorizando, eu acompanho os acontecimentos há uns vinte anos ou mais, dar nomes aos bois seria falar também de conhecidos, amigos e parentes. Coincidentemente, com o desleixo para com a expressão, veio também o do entretenimento, passaram a tolerar mais facilmente o mundo-bunda e o mundo-cão da televisão, bem como aqueles 'sertanejos universitários' com refrões mais machistas do que os antigos e legítimos sertanejos; que já os estavam abandonando. Os jornais impressos (e depois online) não demoraram a ter os mesmos relaxamentos, abusando de erros crassos de ortografia, de conjugação, de coerência entre duas orações do mesmo texto, muitas vezes demonstrando que apenas copiaram e colaram uma tradução porca, sem se darem o trabalho de ler e escrever algo a partir do material recolhido, que daria até mesmo um texto mais enxuto e interessante, em vez de um atestado de fuga do mobral.

Antes de qualquer reação contrária, esclareço o que significa a palavra mais deturpada da história recente: hipocrisia. Hipocrisia é o fingimento social para ser aceitável em um grupo, não é 'pensar diferente do que eu penso' ou 'não fazer o que eu faria mesmo contra a lei'. Fui franco em cada linha que escrevi, como o sou em todos os meus textos, quem não acreditar faça-se o favor de procurar um blog que o agrade e não retornar, porque não serei hipócrita para ser bem aceito na patrulha do (esta sim, um ninho de hipócritas) politicamente correcto, dizendo que tudo o que sai da boca do cidadão é livre expressão de pensamento. Muitas vezes o que sai é o resultado da completa falta de raciocínio daquilo que se diz, por falta de hábito e visão de causa-conseqüência; aqueles não conhecem o cidadão, não saem de seus discursos e teorias.

Nosso povo está ficando preguiçoso, viciado em facilidades nocivas, o relaxamento verbal é só um reflexo disso. Como conseqüência, está tamém ficando obeso, com doenças normalmente relacionadas à idade avançada acometendo crianças, além de jovens aparentemente saudáveis. A preguiça está presente até na hora de comer, quando a maioria seria incapaz de detectar a troca do sal de cozinha pelo de amoníaco, até que começasse a queimar a laringe, porque mastigou mal, depressa e com a boca aberta, o que limita muito o trabalho do paladar.

Existem meios educados, civilizados à nobresca, de mostrar ao condidadão que ele cometeu uma gafe, eu me valho desses meios e quase sempre sou compreendido. Respondo, por exempo "Ah, o ônibus para o Flamboyant? É este aí mesmo". Eu não sou obrigado a deteriorar meu vocabulário, mas preciso ser cortez com a pessoa, porque ela não percebe que é massa de manobra nas mãos de demagogos. É dando exemplo que eu consigo a cooperação de que necessito. Cada um tem seu jeito de falar, mas o idioma que temos é um só.

25/11/2011

Vamos levar a casa para passear?

http://www.brownsrvsuperstore.com/index.html

Tenho me perguntado como seria morar em um motorhome. Não que eu tenha cacife para comprar um, ainda, mas consegui encontrar algumas vantagens muito atraentes, inclusive usando meu conhecimento de causa. Eis alguns fabricantes nacionais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui. Uma revista brasileira especializada aqui.

Eu tenho um problema sério com vizinhos, sou pouco sociável e às vezes gosto de ficar sozinho. Mas como ficar sozinho de verdade, com o melô da dengue no último volume a tocar "se eu te pego, ai-ai, se eu te pego, ai-ai, se eu te pego ai-ai..." como se o quarteirão inteiro fosse o quarto do fedelho? Se até as músicas de que gosto me incomodam, em volume excessivo! E Campinas virou um pardieiro! Desde que abriram a avenida Leste-Oeste sem um acesso adequado, as ruas estreitas do bairro estão em perene horário de pico, das seis às dezoito horas. O barulho é um inferno! E o vizinho pentelho ajuda a piorar o quadro, abrindo o carro e aproveitando a frouxidão da fiscalização.

Com um motorhome não haveria este problema, eu simplesmente ligaria o possante, engataria a primeira e ainda poderia buzinar para o folgado dar passagem, já que gente assim se acha dona da rua também.
Imaginem a cena. Um baita motorhome, poderia até ser montado no baú de um Mercedes 1418 chassi longo, com três ou quatro cornetas de ar comprimido, chegando à traseira do moleque abusado e, repentinamente... FUÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓ!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Asseguro que ele sai da frente, se não tiver uma taquicardia. Vizinho incoveniente não seria problema, o simples facto de haver mobilidade fácil te permite ficar longe deles, quando o pau quebrar no ápce da bebedeira.

Seria uma moradia relativamente barata. Vejam bem, o aluguel de uma boa casa de três quartos, bem acabada e bem localizada, não sai por menos de mil reais. Por menos da metade tu consegues ser mensalista de um bom estacionamento, perto de tudo, e ainda inclui a vigilância da empresa. Sim, também há a possibilidade de dar o endereço do estacionamento para comprovação de residência. Um bom pode custar de setenta a trezentos mil reais, sendo este uma baita casa sobre rodas, com tudo muito bem acabado, bastante espaço e chiliques para família nenhuma botar defeito. Pelo preço de um apartamento pequeno, que logo vai descascar e te dar dores de cabeça com vizinhança próxima demais, compras um ônibus transformado para quatro moradores. Condomínio de qualidade é seguramente mais caro do que a mensalidade no estacionamento, que pode te providenciar pontos de água e luz sem dificuldades. Aliás, provavelmente rachar estas contas reduziria o custo da mensalidade.

E a hora de viajar? Ah, aí está a grande vantagem, o maior e verdadeiro encanto de um  motorthome. Mensalidade em dia, a vaga é tua, poderá continuar a receber correspondência, jornais, revistas, panfletinhos irritantes, e ainda podes negociar o uso de tua vaga na ausência de tua casa. Ao fazer os planos com família e/ou amigos, deve-se levar em conta que trata-se de um veículo grande e comparativamente lento, em relação aos carros de turismo, afinal é um ônibus com carga sempre próxima da máxima, o motorista precisaria ser experiente e cuidadoso. Observado isto, o resto é alegria, pois até os buracos das nossas estradas os pneus de um ônibus absorvem melhor do que os dos carros pequenos.

Andando com cuidado, chega-se com segurança a qualquer lugar. Pernoita-se em postos de combustível, aproveitando para reabastecer, onde também pode-se obter informações novas em folha sobre a estrada adiante. E as crianças? Ah, não haveria aquele choro de "Quero fazer cocô", porque o sanitário está lá dentro. Com a estrutura e o custo de um motorhome, é possível encher as poltronas com acesórios de entretenimento e conveniência, a molecada teria com o que se distrair, além da paisagem. Além de não ser necessário tolher a liberdade dos petizes, afinal estariam em sua casa, não no hotel, poderiam pular no sofá e correr pelo corredor do ônibus à vontade. Seria um factor de agregação familiar ainda inexplorado em terra brasilis bananallis. Adolescentes, em especial, fariam a festa, blogando todos os dias com uma novidade, actualizando seus perfís em redes sociais e enchendo seus contactos com um conteúdo que valeria à pena.

Na verdade, de uma pequena e popular Fiat Fiorino já se faz um motorhome para dois, com móveis escamoteáveis, dobráveis ou infláveis e um banheiro químico. Ou individual, com mais espaço do que os leigos podem imaginar. Para quem tem cacife e faz a pergunta "Até que nível pode ter um motorhome?", dou a resposta dos preparadores, que ouvem a mesma pergunta sobre quanta potência um carro pode ter: Quanto tens para investir? Existem veículos que, não bastasse já serem imensos, ainda são expansíveis, mantendo a mobília bem encaixada quando em movimento, quando estacionado suas laterais deslizam para fora, mais do que dobrando o espaço interno. Alguns podem facilmente receber um automóvel na parte de baixo. Claro que a criatividade ajuda a baratear e melhorar o veículo, é questão de ter pensamento lateral.

Nos Estados Unidos, país imenso, onde a cultura do campismo é muito difundida, a indústria de traileres e motorhomes é próspera, os preços são mais em conta e muita gente mora sobre rodas. Os hotéis não sofrem por isso. Mesmo com crise as pessoas viajam, alugam e compram motorhomes.

No Brasil, país imenso, onde a cultura do campismo é considerada programa de índio, os preços são salgados e mesmo assim muita gente mora sobre rodas. Os hotéis (pífios que temos) fazem de tudo para desestimular esta prática, sem oferecer nada em troca. Tenho alguns amigos que conheci pela rede, e com quem agora tenho mais contacto pelo Facebook, que tentam reavivar a cultura do trailer, que já foi razoável no país. Apesar do desinteresse popular, é uma prática ainda viva, que poderia gerar muitos postos de trabalho, e forçar os hotéis a melhorarem seus serviços. Não que o campista convicto vá trocar seu motorhome por um quarto de hotel, não facilmente, mas eles veriam que existe uma opção real e viável, teriam que rebolar para melhorar preços e serviços.

18/11/2011

Juventude à direita

A garotada está acatando.

Esclareço novamente que não sou de direita, de esquerda, meia-volta volver!

Repito que muitos esquerdistas já me chamaram de pelego, muitos direitistas já me chamaram de comunista,e os dois acham que têm a interpretação certa do que eu realmente sou. Então guardem suas ranhas partidaristas para outro blogueiro, este texto é para meus leitores habituais, e àqueles que sabem ler sem procurar códigos subliminares que comprovem que sou uma ameaça... Se eu realmente fosse, vocês estariam fritos.

Quando a suposta redemocratização aconteceu, em 1985, saímos de uma ditadura para uma ditabranda. A constituição de 1988 desagradou deveras os técnicos, mas os políticos amaram... Hoje sabemos o porquê. O alarde em prol da mesma foi ensurdecedor e, corroborado pelo fim do regime, ninguém percebeu que ali estavam todas as inúmeras brechas e falhas, que permitiriam um festival de permissividade com o erário sem precedentes. É o que temos hoje.

Durante muitos anos (uns vinte, mais ou menos) a chamada direita ficou calada, porque as mazelas da época da ditadura ainda estavam frescas na memória do povo, e porque os políticos que dela se aproveitaram ainda estavam fazendo asneiras com o dinheiro dos impostos. Só que a chamada esquerda começou a ser eleita e também começou a fazer besteiras, chegou a emplacar a frase "A esquerda é uma excelente oposição". Começou a crescer a idéia de que a esquerda deveria dar idéias e à direita caberia colocar em prática... O que parecia ser uma proposta de parceria, que daria o tom realmente democrático à república das bananas, acabou tornando-se uma guerra ideológica fria.

Alguns anos passaram em relativa paz, e bastante maceira. Esquerdistas começaram a cair em desgraça e trocar de partidos, como qualquer outro político, e os militantes começaram a ficar tensos, sem saber o que dizer ao eleitorado. Os mais exaltados simplesmetne empunhavam bandeiras, colocavam hinos comunistas na vitrola (ainda havia vitrolas) e respondiam com discursos prolixos e apaixonados a qualquer pergunta, mesmo que fosse sobre as horas. Claro que a parte direitista, pavio curto (né, Caiado!) pra caramba, começou a dar respostas à altura, ganhando a discussão no grito, literalmente.

Com o tempo ambos os lados foram encruando e ganhando acabamento mais fosco, que logo ficou abrasivo demais para uma convivência salutar. A coisa pegou fogo quando do plebiscito de 1993 (aqui) quando pudemos escolher a forma e o sistema de governo. Não fossem o amadorismo e o ufanismo infantil, o risco de hoje sermos uma monarquia parlamentarista teria sido real. Para quem pensa que os monarquistas saíram cabisbaixos, faça uma pesquisa na internet (como aqui, aqui, aqui e até no twitter, aqui) e veja melhor. Foi a visibilidade ganha pelos monarquistas que cooptou muitos jovens da época à direita moderada. Não se trata de um movimento de meia idade, há uma juventude crescente, mesmo a republicana, abandonando os movimentos de esquerda e indo para a direita e centro-direita.

Rapidamente as mazelas da esquerda apareceram e se mostraram iguais às de todos os outros, então os direitistas ficaram crús e fincaram pé em sua posição. Mas a debandada dos garotos para o outro lado da balança, veio mesmo com a eleição do Lula, de cujo governo os escândalos eram sistematicamente acobertados pelos militantes, e os que tentavam argumentar eram duramente agredidos em caixas de comentários. A incoerência de quem fala dos horrores da ditadura, mas dentro do seu quintal faz exactmente o mesmo, decepcionou uma parcela grande da juventude. Até a ascensão econômica de quem não for de determinado partido tornou-se crime, aos olhos dos radicais de esquerda.

Nos últimos cinco anos, a agressividade das alas radicais (de ambos os lados) chegou a níveis fundamentalistas. Só que um dos lados não está defendendo quem foi pêgo em flagrante corrupção. Lembram do ministro Rubens Ricupero? Para quem não se lembra, clique aqui e veja o vídeo aqui. Ele confessou, acreditando não estar sendo filmado, e o repórter também acreditou estarem em sigilo, que o que fosse ruim ele esconderia, que não teria escrúpulos para isso. Vejam bem, ele não foi flagrado em acto de corrupção, o que ele fez foi falar uma asneira do tamanho do Maracanã, igual às que já estamos (perigosamente) acostumados a ouvir dos ministros de hoje, e o povo pediu sua cabeça na hora. A oposição da época, hoje situação, não esperou um segundo para exigir sua renúncia. Agora no poder, essa ala esquerdista defende com unhas, dentes e ofensas explícitas pessoas flagradas no ilícito. O superfaturamento da reforma do parque Mutirama, em Goiânia (vejam aqui) é o facto mais recente.

Bem, a juventude sempre foi vista como contrapeso ao sistema, pois o sistema hoje tem outras cores e ela não arredou pé. Vendo tanta gente disseminando ódio (não vem que não tem, tenho experiência de vida, sei reconhecer palavras de ódio quando as percebo) apenas para preservar a imagem de seus partidários, o termo "comunazi" brotou e floresceu no meio. Neste semestre, para piorar o quadro, um dos líderes declarou abertamente estarem treinando gente para fazerem uma patrulha em defesa de seu partido, e já o estão fazendo, a qualquer custo, usando palavras de ordem e ocupação em massa quando faltar um argumento plausível. Não é para defender o país, é para defender os correligionários e o governo, inclusive os aliados... O que leio dessa gente não difere em nada do que aprendi sobre dogmatização, doutrinação fundamentalista e lavagem cerebral... Dez anos lidando com psicólogos, ajudando seus maluquinhos e estudando a respeito, me serviram de algo. A garotada que está trocando de lado também percebe isso. "Eles não lutavam contra a corrupção? Não exigiam conduta ética e poética até no jeito de olhar? Então por que estão agindo exactamente ao contrário?" são os questionamentos mais freqüentes com trema que conheço. O que mais irrita-os, porém, é a completa submissão ao comando do partido, como se fosse uma igreja de fanáticos. Assim que ocorre um escândalo, ficam a esperar pelas ordens do diretório para saberem o que fazer, ainda que já saibam o quê.

O golpe de misericórdia veio com a última crise mundial. A Alemanha de Fräu Merkel, direitista moderada, é o único país da zona do Euro com as contas em dia, enquanto os países que se arreganharam para políticas sociais sem ter lastro, por puro populismo, estão de pé às custas da interferência francoteutônica. Estudando muito além da cartilha que os partidos costumam impôr aos seus militantes, esses garotos acabaram concluindo que o capitalismo funciona. Claro que muitos estão radicalizando e fazendo esterco, simpatizando com grupos fascistas, mas isto aqui não é um blog do gênero 'chumbo grosso', não perco tempo com eles. A juventude que adere à direita cita a própria China, com argumentação muito bem embasada, para defender seu ponto de vista. Enquanto os fundamentalistas usam exclusivamente as informações dos regimes comunistas e seus partidos como fonte de sua confiança, a garotada decepcionada lê tudo, embora nenhum dos dois seja imparcial, seria pedir muito de jovens. O facto é que um lado usa o material liberado por aqueles governos, desprezando tudo o que sai de outras fontes, ainda que de dentro dos países, exactamente como os neonazistas. Lamento ter que fazer a comparação, não é de caráter ou similar, é somente de método, porque o resultado no subconsciente é o mesmo.

Quem me conhece sabe o quanto detesto discursos, retóricas e a famigerada prolixia, esta em virtude de meu pragmatismo acentuado, mas tenho amigos prolixos e desceria o cacete se tocarem um dedo neles. Pois a maioria dos esquerdistas não sabe se comunicar sem recorrer aos bordões e palavras de ordem de seus partidos. É muito chato! É muito incoveniente! Acabam falando tudo, menos o que faz a questão em foco funcionar! É preciso ter muito conhecimento de causa para saber o que eles realmente querem dizer, porque tanta palavra jogada numa só oração, cansa os ouvidos e os olhos. Deve ser por não ter time nenhum que eu nunca simpatizei com oradores apaixonados. Eu quero resultados plausíveis, não só de imediato, para aparecer, mas resultados com lastro e continuidade.

Releiam o que acabei de escrever no parágrafo acima. Embora minha preocupação com os necessitados possa ser visto como esquerdista, meu senso prático é considerado essencialmente de direita. São minhas asas, eu fico na fuselagem, comandando o avião. Acontece que os radicais de um lado só lêem (e deturpam) o que eu escrevo com viés para o outro. E é por causa do pragmatismo que deixo claro, que alguns jovens declaradamente de direita começaram a simpatizar comigo. Não que concordem com tudo o que digo, mas concordam com minhas intenções. E como estou pê da vida com o governo, especialmente no tocante ao regime automotivo e energético, minhas especialidades, acabamos convergindo em muitos pontos. Como politipatas não toleram qualquer conversa amigável com seus desafetos, como que assumindo uma guerra fria, atacam-me mais os esquerdopatas do que os direitopatas.

Essa garotada promete vingança nas próximas eleições. Uma parcela dela jura que o Brasil não será uma república por muito mais tempo.


11/11/2011

Seres humongos

Vem bater em mim, babaca!

Na contramão da evolução biológica, espiritual, intelectual, moral et cétera e tal da humanidade, os humongos estão espalhando seu terror pelos noticiários com factos que eu pensava terem ficado nos anos quarenta, nos rincões mais afastados e desassistidos.

Estamos iniciando a primeira década do século XXI e ainda vemos gente(?) espancando seus cavalos, só porque os coitados trabalharam à exaustão o dia todo sem comer uma folha de grama sequer, e agora estão rendendo menos. E não, não são só os mais velhos e embrutecidos pela vida que fazem isso, moleques de vinte e poucos anos, que fizeram filhos sem pensar que eles têm custo de manutenção, descontam nos pobres animais as suas frustrações, obrigando-os a competir com os carros em horários impróprios para a tração animal.

Há em Santa Catarina uma ação da Polícia Rodoviária para educar os carroceiros, na tentativa de reduzir os maus tratos aos animais de tração pelos animais de coche. Via de regra, em especial em rincões como este, pensa-se que o animal é uma mercadoria como outra qualquer, que se descarta sem qualquer preocupação que não seja livrar-se do problema. Quando entra dinheiro de aposta então, que se lasque o animal, seja cão ou galo, a barbárie regride à idade antiga.

Aos que alegarem problemas sociais, econômicos e todo esse discurso que só funciona em palestras, logo aviso que sou de um lugar que, ainda durante minha infância, era pouco mais do que uma extensão das fazendas. Pois aquela gente que jamais ouvira falar dos Beatles, que não sabia quem era o presidente e nem sonhava que houvesse outros idiomas, tratava seus animais muito melhor; embora a rudeza da lida não fosse escondida. Não digo que não havia crueldade, havia, gente ruim há em todas as épocas. Naquela época, os donos de animais enfrentavam a rápida obsolência, os (até hoje) grandes caminhões FNM enfrentavam condições de estradas que se acreditava serem só para carro de boi... Levando facilmente quinze toneladas por atoleiros. O padrão de vida não caiu muito porque era comum se ter uma rocinha, e não havia muito o que se cobiçar... Bem, na verdade até já havia, o Aero Willys era um sonho de consumo comum, para alguém cujos pertences pouco iam além de mesa, cadeiras e cama rústicas, era muito mais do que um sonho proibido. Então não se pode culpar a tentação do mercado para justificar o mau comportamento dos carroceiros de hoje. Se até um lider neonazista se arrependeu e pediu ajuda a um activista negro, para eliminar as tatuagens, então qualquer um que se disponha a se colocar no lugar do outro consegue se colocar no lugar do cavalo.

Não falo apenas de agressões no couro do bicho, mas também de lesões graves que muitos donos infligem, e que muitas vezes levam o animal a óbito. E quando são presos, os animais ainda se revoltam, como se não tivessem feito mal algum. Porque para eles, a exemplo do que era com os senhores de escravos, o animal é só uma coisa que tem obrigação de dar retorno sem investimento nenhum. Piora as crianças serem incentivadas, ganhando de presente bichos que serão descartados rapidamente, como coelhos, chihchilas, e répteis. Elas estão aprendendo desde cedo que bicho é mercadoria, como um brinquedo que depois de perder a graça pode ser jogado fora.

Ainda cito um idiota que amarrou seu cão ao seu veículo e o arrastou pelas ruas. O animal foui salvo e adoptado por uma família de humanos, mas a perversidade daquele ser humongo o fez perder uma pata. Sim, o animal bípede foi multado, mas isto não apaga os danos físicos e psicológicos que o cão sofreu. Sim, caríssimos, as outras espécies têm sentimentos, portanto têm psicologia, até mesmo os répteis têm um pouco. O prejuízo que um animal maltratado sofre pode ser comparado ao de uma criança, mas o animal nunca poderá dizer o que sofreu e o quanto ainda está sofrendo. O bicho terá pesadelos pelo resto da vida, por mais bem tratado que seja pela nova família, e não conseguirá sequer se expressar direito a respeito. Graças a Deus já há psicólogos para animais, mas esta ciência ainda é nascente, especialmente no Brasil e há poucos profissionais no mercado.

Já há pessoas que adoptam bezerros recém nascidos, porque muita gente ainda sacrifica-os para que não bebam uma gota sequer do leite que querem vender. Não, não me refiro a grandes grupos corporativistas e cruéis que bla-bla e blo-blo, é gente(?) comum que mais faz isso. Por que? Bem, cada um tem seus motivos, mas acredito que nenhum justifica a crueldade. Crueldade não escolhe ideologia, condição financeira, religião nem preferências particulares, quem tem tendências a ser cruél e não se importa com os métodos para alcançar seus intentos, será cruél com gosto.

Da mesmíssima forma que eles sofrem com agressões, a maioria gratuita, também sofrem com os abusos sexuais. Zoofilia vicia o bicho, ele pode se desesperar para sentir a relação sempre. Conheço caso em que o cão de uma família passou a se oferecer às visitas, foi quando a esposa descobriu o que o marido fazia com o bicho. Em todos os casos, o ser humongo só está preocupado com sua própria satisfação e com nada mais. Houve em Goiânia, há muitos anos, o caso de um idiota que não se contentou em abusar da cadelinha da esposa, ele obrigava o casal de filhos a assistir à cena.

Sei o que meus leitores habituais estão pensando, pelo que disse logo acima, e lamento confirmar seus temores. Quem abusa de um animal, por agressão ou zoofilia, não está longe de fazê-lo com uma criança. Há pessoas que acreditam que animais sequer devesse ser vendidos em lojas, pelo menos não no tipo de loja a que estamos acostumados, para que percam a pecha de mercadoria.

Há em Nova Iorque um projecto para substituir as carruagens por carros eléctricos, no mesmo estilo dos carros da bélle époque, por causa de pressões de entidades que defendem os animais. Exageros à parte, não são poucos os catadores de material reciclável que trocaram os cavalos por monstrengos mecânicos, soldando pedaços de motocicletas a uma armação metálica de carga, fazendo triciclos bizarros, que que funcionam e andam mais rápido do que os cavalos, atrapalhando menos o trânsito e se lixando para o mau humor do dono. O triciclo sim, é um objecto, uma coisa, algo que pode apanhar à vontade sem medo de magoar ou traumatizar. É gente pobre que em vez de comprar um bicho e expô-lo às agruras do trânsito, juntou peças, foi ao mecânico e fez um veículo próprio para carga. Há empresas que fazem a transformação bem feita (aqui, aqui, aqui e aqui) mas ainda é caro para a maioria... E não existe financiamento apropriado para o caso. Pelo menos em Goiânia, esses veículos são bem tolerados pela população e autoridades, até porque o motor não se assusta com buzinas e o trânsito flui melhor, porque o peso e o volume que os cavalos puxam é igual, só que muito mais lentamente.

Pelo menos para os cavalos, como foi há cem anos, a esperança plausível de libertação está na motorização para pequenas cargas, que está se dando aos poucos pela iniciativa da parte menos humonga das pessoas. Há usos muito mais nobres para os eqüinos, pergunte a fisioterapeutas e psicólogos. Já para os outros, como cães, gatos, coelhos, hamsters, que são abandonados ou simplesmente jogados fora, infelizmente só a punição em massa para causar choque, seguida de uma campanha maciça de educação para resolver.

Os animais, meus amigos, não têm como irem à delegacia prestar queixa, nem como interagir de modo a esvair seus traumas. São como crianças, só que crianças que jamais chegam à fase adulta, que jamais podem se defender.

05/11/2011

Eu observo o trânsito

http://educadorestransito.zip.net/

Vi o trânsito da capital se deteriorar nos últimos cinco anos. Na verdade ele já estava se intensificando de forma vertiginosa desde meados dos anos noventa, mas deterioração mesmo é cousa mais recente.

Alguns vão perguntar quem fez a pesquisa, qual a universidade internacional por trás dela, quais os métodos e todo um inquérito academista de quem não dá valor ao que não sai das salas fechadas e cheias de estatísticas. Tirei esta conclusão da prática, da dificuldade em atravessar uma rua sem ter que pegar carona em uma ambulância, da maior demora em fazer o mesmo percurso e das barbáries que testemunho todos os dias, dignas de quem comprou a habilitação sem ter pisado na pista de testes do detran.

Algo interessante que vi muitas vezes, quando os semáforos apagaram, o que é cada vez mais corriqueiro, é a capacidade do bom motorista em gerir seu próprio comportamento. Isto independe de idade, situação econômica, se é público ou particular, tamanho do veículo e sua lotação. Vocês ficariam impressionados em ver aquelas picapes full size (às vezes com reboque) em grande quantidade, dançando ente os carrinhos pequenos e os ônibus, sem incidentes, sem sequer haver risco de colisão, enquanto a sinalização está pifada. Os condutores simplesmente colocam em prática o respeito ao espaço e  à vez do outro, nada além disso. Ainda que com mais lentidão, o trânsito flui mesmo na ausência dos escassos agentes de trânsito. O resultado é que ninguém se estressa, os pedestres atravessam as vias com relativa segurança, todo mundo chega ao seu destino dentro do prazo previsto e, principalmente, o raro espetáculo da civilidade em solo brasileiro se dá à frente de quem quiser ver.

Notei que não existe rico abusado e pobre despeitado atrapalhando a segurança no trânsito, existe o motorista mau, porque o mal motorista ainda se esforça em não cometer besteiras. Já vi Ferrari dando passagem para Golzinho quadrado, Camaro parando o trânsito atrás para a velhinha terminar a travessia, Mercedes-Benz cedendo a vez ao pau de arara do transporte público, bem como Fusquinha parando um pouco antes da faixa e dando ao pedestre do trânsito visibilidade maior transversal. Também já vi carros lotados, muitas vezes com famílias, sendo usados como ameaças motorizadas.

Em todos os casos o tamanho do carro simplesmente dificulta a manobra, e olhe lá. Todos os donos de carros grandes que conheço, me relatam as mesmíssimas dificuldades para encontrar vagas que os dos pequenos. Observando os tamanhos das vagas, notei que muitas não chegam a três metros, quando os menores carros nacionais têm mais de três e sessenta, inclusive a maioria dos buggies. De outro lado, vejo um grande número de vagas onde cabem facilmente um Landau, com seus cinco e quarenta, e as picapes grandes as aproveitam. Em suma, a quantidade de vagas muito grandes ou muito pequenas, que observei, é aproximadamente a mesma; raramente um meio termo. Suponho que motocicletas saem e deixam essas vagas muito pequenas, o que me faz lamentar que os donos dos carros não estejam por perto para remanejar seus veículos e criar uma vaga aproveitável.

Os veículos de duas rodas, aliás, são os que me causam mais preocupação. Seus condutores confiam demais, muito além dos níveis salutares, no tamanho e na agilidade deles. Quando o trânsito fica parado, eles não hesitam em costurar entre os carros, acelerando tudo para pedir passagem, que faz os 70km/l possíveis em algumas motocicletas virarem lenda. Eu conheci quem consegue a marca, sem nenhuma técnica avançada de pilotagem. Pior ainda é quando o trânsito está com as brechas preenchidas pelos motociclistas, porque então eles não pensam duas vezes antes de subir na calçada, e dane-se quem estiver na frente. Algo que eles poderiam fazer, se valendo do pouco tamanho da maioria, é descer, empurrar a moto na faixa de pedestres, montar de novo e seguir viagem, mas muitos preferem acelerar na calçada.

Não se iludam com a fragilidade das bicicletas, quase todos os ciclistas ignoram que elas também estão no código de trânsito e precisam respeitar suas regras. Basta um único idiota para que toda a organização voluntária dos condutores seja quebrada, e o veículo deste idiota mão precisa ter motor, na verdade nem pedais, um skatista com síndrome de revolta contra tudo isso que aí está, pode sozinho atrapalhar uma dezena de carros grandes... desde que não haja no meio um idiota igual a ele, que não se importe em ser processado por atropelamento. Eles existem. Não é só a armadura de aço, alumínio ou plástico industrial de alta resistência, que faz o cidadão comum se achar invulnerável, uma estrutura tubular ágil e estreita, que caiba em qualquer espaço, pode fazer o indivíduo sentir-se um velocirapitor do trânsito... E não é que o comportamento predatório é o mesmo? Um veículo de tração humana que não respeita a vez do outro, atrapalha tanto quanto um caminhão.

O que eu conclui com isto e com vários outros episódios em outras áreas da sociedade? Que o brasileiro é um primeiromundista ordeiro enrustido, ávido por uma oportunidade para dar vazão à sua civilidade reprimida. Quando tem oportunidade, e cooperação do bando, respeita o espaço e a vez do outro sem a necessidade de uma autoridade por perto. Havendo incentivo do governo, que parece ganhar muito mais com a indústria da multa do que valem as vidas perdidas, com fiscalização eficaz, a vinda maciça dos carrões americanos não piorariam em nada o nosso trânsito. O cidadão honesto, que fica perdido no meio da bandalheira, está ávido para sair do armário de aço e assumir o motorista exemplar que não o deixam ser. Pelo que vejo, o tamanho do carro influi muito menos na fluidez do que o tamanho da civilidade.

Conclui que quando o cidadão quer, dirige uma F550 com a mesma elegância social de quem dirige um Gurgel Motomachine. Quando não quer...

Dicas de como proceder para melhorar o trânsito, cliquem aqui.