15/03/2015

Um punk domou o sistema



  Era um garoto revoltado como outro qualquer. Queria o fim dos governos, o fim das empresas, o fim das instituições e em alguns casos o fim d humanidade. Acreditava que absolutamente nada tinha jeito, que tudo estava perdido; ninguém presta, ninguém vale nada, todo homem é gay, toda mulher é safada. Assim ele e seus amigos vararam praticamente uma década, se recusando a mudar o que queriam que fosse mudado, porque acreditavam que não haveria mudanças e, mesmo que houvesse, rapidamente o mundo voltaria a se corromper.

  Mas quanto mais se estica o elástico, mais rápido a pedra é atirada. Muitos dos que protestavam contra "tudo isso que aí está", são hoje os que mais querem que assim permaneça. Alguns nem tanto, aliviam a tensão quando percebem que as coisas não são exactamente como acreditavam, por vezes nem de longe se parecem. Aos poucos as turmas foram se desfazendo, embora contactos e alguns teimosos persistissem na senda de vagar em busca do apocalipse perdido.

  Um em especial mudou, mas não como pensavam seus próximos. Estudou, arranjou emprego, até constituiu família, parecia ter se rendido ao sistema. Só parecia. Por dentro ele continuava a querer colocar os sacanas de quatro e fazer com eles, o que faziam com gente inocente que não pode se defender. Mesmo de terno e gravata, o punk vivia e respirava com a facilidade de sempre. Só esperava pela oportunidade para dar o bote, e oportunidade era a especialidade do homem de negócios que então o vestia.

  Claro, os antigos amigos começaram a se afastar, alguns o consideraram um traidor, até ameaças de morte ele recebeu dos mais radicais, aqueles que esticaram tanto o elástico, que ele se soltou e deu-lhes na têmpora. Mas ele acreditava que quando os resultados aparecessem, quando vissem que tudo era só uma estratégia friamente maquinada pelo punk, todos entenderiam e talvez até seguissem seus exemplos. Punk esperançoso é como mulher apaixonada, que não enxerga o canalha com quem dorme.

  Um dia ele chegou lá. Tinha a confiança dos acionistas, era amigo e camarada dos colegas, sua capacidade técnica era indubitável, então foi só questão de persistência, coisa que os punks têm de sobra. Seriam excelentes feiticeiros. Ele percebeu no decorrer da jornada, que o capitalismo é um jogo de regras claras, mas um jogo, por isso mesmo atraía tantos trapaceiros e canalhas, mas por ser um jogo poderia ter a mesa virada.

  Quando o poder estava em suas mãos, em vez de se corromper como muitos outros, chutou o pau da barraca do modo mais capitalista possível. Passou a selecionar os fornecedores e prestadores de serviços não só pela relação custo/benefício, mas também pela humanidade com que trabalhavam, e usou isso nas campanhas da empresa, arregimentando a simpatia do consumidor, que no final das contas é o idiota que decide tudo sem perceber coisa nenhuma.

  Lá dentro passou a valorizar as pessoas, pagar melhor, eliminar as distorções de gênero e biotipo, manter na empresa o profissional que ela tinha formado, combateu a alta rotatividade que os panacas corporativos acham tão normal, mas alimenta muito a concorrência desleal e escravocrata dos chineses. Nenhum punk que se preze tolera escravocratas. Um dos resultados foi que a empresa passou com poucos danos pelas últimas crises.

  Estava tudo bem, mas tudo estava mal. Pela primeira vez o punk chorou, e o executivo precisou consolá-lo. Os antigos amigos não queriam saber de domar o sistema, de humanizar o capital, de expurgar os parasitas que deixavam a sociedade tão perversa. Eles queriam é destruir tudo, exterminar a civilização, não aceitavam a hipótese de ela ter conserto, mesmo vendo a prova bem diante de seus olhos.

  Até pensou em desistir de tudo, mas já estava comprometido demais com o sonho do punk, que estava materializado e precisava se alastrar pelo mundo. O punk viu exemplos de gente que antes rejeitava, se aproximar de seus ideais de igualdade e justiça. Viu o arreganha bilionário Bill Gates fazer pela saúde mundial o que a fraude da ONU jamais fez em toda a sua história; hoje ainda menos, influenciada por ditaduras. Um pouco de leitura e soube de gente que quase nunca é lembrada pela sua doação à humanidade; Audrey Hepburn, Grace de Mônaco, Hedy Lamarr e Paul Newman.

  Mais recentemente viu o esquisito Elon Musk abrir as patentes de seu maior sucesso comercial para qualquer um se valer delas. Não que ele não quisesse ser rico, como todos os outros, mas o que fizeram lhe deu a certeza de que não estava sozinho, tinha exemplos de sobra para se inspirar e seguir, mais um monte de patentes excelentes para beneficiar sua empresa e construir o sonho do punk. Na parte que lhe cabia, ele já tinha domado o sistema, e com tanta gente forte fazendo o mesmo, o jogo do capital estaria mesmo com os dias contados. Não para dar lugar a um sistema artificial que só gerou ditaduras sangrentas, o próximo sistema estava em gestação e só seria conhecido quando eclodisse. Nome é o que menos importa, importa que o punk está feliz, e agora ninguém mais o segura.

  Quanto aos ex-amigos... Paciência! Nem todos crescem. Hoje o punk pode cantar e gravar só o que quer, do jeito que quer e onde quer. Ele está pagando!

Nenhum comentário: