12/07/2016

Um Cowboy no escritório




Eu evito fazer comentários antes da conclusão de um caso, mas a crise de 2008 ainda traz reflexos, em especial no Velho Mundo. Também passo sem ler a maioria dos artigos acadêmicos inerentes, porque a despeito do que deveria ser, essa maioria é muito carregada de subjetividades disfarçadas de dados estatísticos e históricos; Interpretação, cada um tem a sua e a forma como bem entende. Comentaristas há muitos, fontes há poucas, as confiáveis então...

Em suma, preciso recorrer ao expediente de raciocinar por conta própria e cometer meus próprios erros. Como os europeus ainda são muito apegados aos seus nacionalismos, sempre culpando os outros países e, dentro destes, as outras regiões pelos problemas que enfrentam, precisei dar o braço a torcer e prestar mais atenção aos documentários americanos, que têm uma autocrítica que beira o doentio, em contraste com o ufanismo idem da sociedade mais bipolar do planeta.

  Em um deles, especificamente sobre a Nova Iorque pós-crise. A cidade vai muito bem, obrigado, mas isso a um custo bem alto. Mas é custo mesmo, no termo pecuniário. Apesar do estouro da bolha, os imóveis não param de encarecer. As pessoas estão sendo expulsas do centro e voltando aos subúrbios, de onde tinham saído nos anos 1990. Muita gente acabou se mudando de cidade mesmo, porque o m² está transformando New York em uma New Monaco. Vale ressaltar que a concorrência de indústrias em países que toleram bem a mão de obra escrava e de presos políticos, contribuiu muito para isso; Vocês sabem que países são esses.

O interessante foi ouvir os comentários de alguns dos desabrigados, que formaram espécies de favelas ao redor das metrópoles onde moravam, mas sem a presença do crime organizado, nisso o nível cultural e a pronta assistência de entidades e cidadãos fraternos foi de grande valia. Após mais de um ano vivendo em bosques abarrotados de barracas e motorhomes, alguns deles olham para suas antigas moradas e afirmam que não entendem como conseguiam viver lá, naquele inferno. Isso saído das mesmas pessoas que outrora amavam suas cidades.

Outro ponto muito interessante foi ver cidades pequenas que estão, categórica e escancaradamente, desprezando as grandes redes de supermercados, em favor de seus mercados locais, mesmo pagando preços mais altos por isso. Essas redes até se instalam em muitos lugarejos, mas fecham rapidamente não só por falta de demanda, mas também por falta de mão de obra. Repetindo: Por falta de mão de obra. Em plena crise, os americanos do interior escolheram não trabalhar para quem não lhes convém.

Em algumas cidades essas redes simplesmente não tiveram autorização para se instalar. Não é contraditório que nos Estados Unidos da América, especialmente no auge da crise, parcelas significativas da população tenham se recusado a aceitar uma oportunidade de amenizar o seu lado? Eu respondo: Não, não é contraditório. É preciso ter um conhecimento extremamente raso e tendencioso da sociedade americana, para acreditar nisso. Explico citando outro exemplo, o de algumas cidades pouco maiores do que alguns bairros metropolitanos, onde a tolerância e o respeito mútuo estão sendo fomentados em um nível de dar inveja ao discurso europeu.

Imaginem o que têm a ver um grupo de admiradores de armas com um clube de ecologistas, e uma reunião de senhoras que adoram fazer bolos e todo tipo de quitutes. Tempo... Pensaram? Eu respondo: Tudo. Esses três grupos, aparentemente dissonantes, estão dividindo cidades pequenas, onde todo mundo se conhece, e um ajudando no que falta aos outros. Não há hostilidades, ninguém aponta o dedo para o nariz do outro e os discursos são reservados às conversas internas dos grupos. Fora deles, com os bichos já soltos e o estresse aliviado, todo mundo convive como em uma sociedade civilizada. Isto é só um exemplo, há outros que agora estão brumosos em minha memória, mas as coisas são ainda mais interessantes.

Apesar da dívida pública e todo o catastrofismo que os noticiários alardeiam, essas regiões estão muito bem, bem até demais para quem era o alvo preferencial da crise, segundo os intelectuais de academias. Estes querem mais é que tudo desabe e a civilização se extinga!

O sucesso dessa capacidade de sobrevivência e progresso explica boa parte das crises. As pessoas têm buscado ter sucesso, antes de buscarem seus sonhos. O que aconteceu no país que se chama América é basicamente o que acontece no planeta inteiro, com algumas diferenças regionais. Estão colocando vaqueiros para trabalhar em escritórios fechados, e burocratas talentosos para buscar vidas alternativas e saudáveis no meio do mato; não é saudável para eles.

A base para essas escolhas equivocadas é muito bem aceita, tanto quanto escassa. Analisa-se um conjunto de características inatas e por ele se define onde o indivíduo teria mais sucesso. Um cowboy seria um bom executivo só porque é capaz de avançar no touro e derrubá-lo pelos chifres? Um administrador seria um bom fazendeiro só porque tem temperamento tranqüilo e sabe esperar o tempo certo de cada coisa? Acreditem, é basicamente isso que norteia a “felicidade pelo sucesso para depois buscar o sonho”. O exacto oposto do que construiu a parte boa da sociedade ocidental.

Aquelas pessoas lá do quarto parágrafo, muito provavelmente, são fazendeiros administrativos ou mesmo de lida, mas estavam se iludindo com as promessas de carreiras de sucesso para algum dia realizarem o sonho de viver em uma fazenda. Da mesma sorte o oposto, há muitas pessoas que gerenciariam grandes corporações com os pés nas costas, mas estão presas à ilusão de que longe do mato com um riacho por perto, morreriam intoxicadas.

Gente que vive onde e como gosta de viver, não arruma picuinha com o estilo de vida alheio, não repete bordões e frases prontas e agressivas, para se afirmar o tempo todo no que pensa que é. Quem é realmente feliz no litoral, não se desfaz do caipira que vive bem no meio do país, e vice-versa.

A questão é que as pessoas se esqueceram do que realmente são e algumas nem chegaram a saber, embarcaram na primeira canoa que parecia navegar bem. Não se trata de esperar ad eternum pelo sonho dourado, trata-se de trabalhar para realizar e viver esse sonho antes de a senilidade lhe tomar o corpo e o cérebro.

Em vez de mofar em uma linha de montagem para algum dia, na aposentadoria quem sabe, comprar uma casa no subúrbio e viver o que lhe resta longe da agitação da cidade grande, trabalhar premeditadamente para ter ainda forte e saudável o seu pedaço de terra, que com as técnicas modernas pode produzir mais do que uma grande fazenda de outrora, ainda mais com a capacidade de concentração que o trabalho na fábrica burila.

Em vez de contar preguiçosamente cada cabeça de gado, se imaginando chegar num Cadillac conversível à sede de sua empresa, estudar e trabalhar para abrir algum negócio no sertão mesmo, para ganhar experiência e se embasar para chutar traseiros de concorrentes picaretas, contando com a paciência e a atenção aos detalhes que a lida com o gado desenvolve.

Alguém vai ficar feliz por sua causa, alguém vai ficar triste por sua partida, alguém vai morder os cotovelos de inveja pela sua coragem. Não tem jeito, faz parte. O mercado financeiro e as armadilhas do clima não são os maiores riscos de quem empreende seu próprio sonho, é a reação das pessoas que te cercam o maior risco. Napoleão reclamava que era mais fácil lidar com o inimigo no campo de batalhas, do que com a ambição e soberba dos parentes. Aqui é a mesma coisa. Seguindo ou não, de modo competente e responsável o teu sonho, muita gente vai ficar triste e muita gente vai ficar feliz, a diferença está em qual grupo queres estar.

É este o pulo do gato de toda as crises graves e duradouras da economia, que desde o século XIX deixou de ser nacional e regional. A globalização, que muitos alienados que arrotam intelectualidade condenam, não é de hoje. Começou com a primeira viagem que levou artigos do oriente para a Europa. Não é o sistema que causa crises, o “deus sistema” não existe, é só uma convenção, uma espécie de larva astral burocrática que se alimenta do medo coletivo. Tu, preferindo o mais baratinho só porque é mais baratinho, ajuda a começar uma crise. Tu, pegando carona em uma onda de rendimentos fáceis, ajuda a começar uma crise. Tu, trabalhando duro e se capacitando para lucrar com o teu sonho, ajuda a atenuar uma crise.

Na verdade as pessoas nem deveriam correr atrás de um sonho, ele está lá na frente, mas não tem pernas para apostar corrida com uma larga dianteira de vantagem. O problema não é velocidade, é tempo. Tá, na física os dois são a mesma coisa, mas o tempo é o único aspecto que importa aqui. Não adianta, e isso os documentários deixaram claro na prática, se esbaforir e deixar de viver para realizar ontem, da mesma forma os atrasos não vão te dar anos de vida para tanto. É o teu tempo que importa.

É o que eu disse acima, o ritmo e o temperamento de cada um define onde, como e quando o teu modo de vida realmente começa, é ele o sonho, todo o resto é alegoria. Sair daquela metrópole infernal, rompendo com o status quo que tanto defendia, ir viver em uma cidade de cem mil habitantes no máximo, pode ser o que separa um indivíduo competente de sua realização profissional. Dá sim para se começar uma multinacional em uma cidade com poucas quadras, por que seria impossível?

O que esses anos de crise perseverante me mostraram, é que as pessoas esqueceram basicamente de um dos ingredientes básicos do sucesso da espécie humana, a mobilidade. Se apagaram à sua nacionalidade, à cultura local, à religião da família, ao banco preferido da pracinha da igreja e, em vez de transformar tudo isso em boas recordações e motivos para férias maravilhosas na cidade natal, transformaram em uma cadeia acolchoada, no pior sentido de “zona de conforto”. Afinal, ficando lá, a culpa de sua frustração e seus prantos é toda do condicionamento a que a sociedade impôs.

Meus queridos, não existe condicionamento que uns bons meses de psicoterapia intensiva não dissolva, nas mãos de um bom profissional. O resto é de favas contadas.

Houve nos anos 1950 uma corrida ao divã, mas por motivos equivocados, as pessoas queriam se adequar ao estilo de vida vigente em suas regiões, em vez de ajuda para encontrar seus próprios estilos de vida e saírem atrás dele. Seis décadas depois, o problema persiste. A mentalidade “libertária, inclusiva, progressista, tolerante” do século XXI só fez as pessoas se iludirem que as traquitanas de hoje tornam o mundo melhor, por isso voltaram ao divã para descobrir o que há de errado consigo, por não serem cem por cento felizes o tempo todo e sob qualquer circunstância.

Sabem aquela frase “Não pergunte o que o país pode fazer por você, pergunte o que você pode fazer pelo país”? Pois uma pessoa amarga e frustrada não pode fazer absolutamente nada além de atrapalhar. O bom que vi nesses documentários, é que muita gente já compreendeu isso e começa a largar tudo o que não lhe serve para recomeçar do zero; ou quase, já que em uma civilização ninguém recomeça realmente do zero, graças a Deus. O ruim é que os noticiários mostram que, mesmo com tantos exemplos contundentes, as pessoas continuam se apegando a conceitos preestabelecidos e culpando o sistema, a família, o emprego, a escola, o papagaio com diarreia, o raio que o parta pela sua infelicidade. E é muita, mas muita gente se recusando a ver e aprender com exemplos bem sucedidos, a aprender com os erros e acertos de quem meteu a cara no mundo e hoje desfalca as estatísticas tristes de suicídio.

Quer um conselho? Não, não estou vendendo, mas aceito doações. Ponha em tua cabeça que tua realização não está nos ditames, está no teu nariz. Siga-o! Teu país vai ganhar um cidadão útil, productivo e basilar para se reerguer de qualquer crise. Vá para o campo, vaqueiro!

2 comentários:

Anônimo disse...

Outra postagem retumbante e que nos tira do conforto da rotina.

Eu fiz exatamente isso, reformatei meu HD este ano. Estou pagando o preço mas sinto que fiz a coisa certa, sairei melhor e alcançarei meus sonhos !

Grande postagem, valeu !

Nanael Soubaim disse...

Boa sorte :-)