06/10/2014

E o quociente levou


 A depressão tomou conta do ambiente. Era para ser um dia festivo, até mesmo de alívio pelo êxito de meses de trabalho árduo, enfrentando adversários baixos, com piadinhas e provocações altamente misóginas, alguns até tentaram agredí-la por ter se candidatado.

  Tinham lhe dito que aquilo era jogo sujo, que dificilmente alguém com boa índole conseguiria furar o bloqueio. e mesmo que conseguisse, seria completamente engessada pelos picaretas que só se candidatam tendo em vista dois objectivos: roubar o quanto puder ou se perpetuar nos prazeres do poder a que nenhum ciadão comum tem acesso; quando não ambos.

  Olha para as lixeiras com sua bela esfinge, nome e número estampados, simbolizando sua campanha limpa e ética. Riram de sua cara quando leram seu slogan. Não, não foram os adversários, foram justamente seus correligionários. Foi a única coisa engraçada que ouviram naquela reunião longa, enfadonha e prolixa. Sete horas de discursos para concluírem que todos precisavam se empenhar pelos ideais do partido. Bem, logo de cara ela percebeu que os ideais em questão poderiam ser parcelados no cartão de crédito, mas também aceitavam carro, casa e até uma noite com uma adolescente... E ela viu negociações assim.

  Qual foi a surpresa de todo o partido, quando sua campanha decolou na base da criatividade e competência administrativa! Começaram a vê-la com outros olhos, na verdade passaram a adular descaradamente, para receber respingos do prestígio que conseguiu com o eleitorado. Chegaram a imprimir santinhos conjuntos, o que acabou beneficiando alguns que estavam em baixa. Ajudou a eleger o governador, que estava em uma saia justa por conta de estripulias de parentes.

  Mas aconteceu o que todos temiam. Ela recebeu votação suficiente para se eleger prefeita, mas ficou de fora da câmara federal. Por causa do tal coeficiente eleitoral um zé mané, que se livrou de um processo porque uma das testemunhas morreu "misteriosamente", levou a vaga com um décimo dos votos, tudo porque alugou candidatura em um partido nanico, que vive justo de alugar candidaturas.

  Está desolada. Tão desolada que nem se importou quando o governador, constrangido, a chamou para um canto e disse que todas as secretarias já estavam negociadas. É, "negociadas" desde o início da campanha, quando ainda era motivo de piadas. Ele tentou alegrá-la, prometeu que um dos secretários pretende concorrer ao pleito municipal e então a vaga será dela, até lá teria regalias, vantagens e tudo o que sua preciosa ajuda a fez merecer.

  Parece que até seus centenas de milhares de eleitores a esqueceram, depois da apuração. Que derrota amarga! O fel da perversidade eleitoral amarga até sua genital. Esta, aliás, motivo das dificuldades acima da média. Foi discriminada até por ser "bonita demais para cargos sérios"! Calou todas as bocas, disso pode se orgulhar, mas perder para um analphabeto funcional que quer acabar com os doces de Cosme e Damião, alegando que são coisas do capeta, dói demais em seu coração católico. Ele não vai conseguir mais do que uma bala na testa, se insistir, mas dói assim mesmo.

  Fazer o quê? Pelo menos sua formação em administração evitou grandes dívidas, poderá dar conta das que tem. Palestras, quem sabe, pelo sucesso nas urnas? Vai pensar em algo, mas por hoje quer tirar sua Lambretta da longa hibernação e espairecer. É o que vai fazer, amanhã esquenta a cabeça de novo.

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