07/08/2014

Não alimente os heróis

   Nunca mesmo! Heróis não precisam ser alimentados e protegidos, é função deles fazer isso por nós. Tampouco brigue com alguém por causa de um herói, ele deve ser um agente agregador, pois um herói de verdade sabe que nenhuma operação de salvamento pode resguardar uma população desunida ou, pior, com rusgas internas. Ele, pelo contrário, fará o que estiver ao seu alcance para que o mundo dependa cada vez menos de si, se torne mais independente e, para tanto, fomentará sempre a união e o respeito mútuo por onde quer que passe.

  Um herói que mereça ser chamado assim, prefere agir na surdina a maior parte do tempo, para que as pessoas se enxerguem umas às outras e não somente a figura gloriosa de um salvador. Não que ele não possa ser uma, pelo contrário, o resplendor de um herói clássico é uma figura extremamente intimidadora para os mal intencionados. O problema vem quando as pessoas passam a enxergar nesta figura tudo de que precisam para serem felizes, com o tempo chegando a torná-lo um ídolo, quase uma divindade a ser cultuada com fervor sacro.

  Eu disse uma vez a uma amiga que um herói quase sempre o é em função das circunstâncias, e quase nunca veste a carapuça de herói, porque assim ele acabaria se tornando uma celebridade, a fama lhe subiria à cabeça e terminaria se tornando um tirano da pior espécie. Em suma, o herói é uma função, não uma pessoa, e a função muda de mãos ao sabor da necessidade. Qualquer um que aceite o rótulo de "herói", na realidade não passa de um deslumbrado que salva em prol de seu ego, não dos que serão salvos, e o ego pode facilmente se voltar contra os antigos protegidos ao menor sinal de contrariedade.

  Uma característica de um herói é que sua figura salvadora obscurece sua pessoa, dificultando o assédio e o florescimento de uma personalidade egocêntrica. Por isso os heróis da ficção costumam usar máscaras ou roupas extravagantes, para que suas identidades civís permaneçam sigilosas. Impostar a voz e fazer poses, faz parte do disfarce. Isso porque o herói que se preze se mantém por seus esforços, pedindo ajuda quando estão em dificuldades, como qualquer pessoa comum. Por isso mesmo não se deve alimentar heróis e ídolos, eles, se forem dignos de admiração, saberão se manter por si.

  Ele não faz questão de ser reconhecido, na verdade às vezes gosta de meditar em salutares e costumeiros momentos de solidão. Isso o faz ter uma visão bem clara do que está fazendo no mundo e no que o mundo está fazendo consigo, porque vida de herói é uma cobrança sem fim, mais dele mesmo do que do mundo, que por si já é um algoz formidável. A solidão que o herói busca, quando pode, pode ser considerado a essência mais pura do verdadeiro ócio criativo, pois o silêncio de que se cerca o faz ouvir a própria consciência com clareza. Advirto que o que para nós seria apenas um deslize, para o herói seria uma falta grave.

  O herói tem qualidades que muita gente até combate por considerar "castração" ou "fanatismo religioso". Ele é resignado com a missão que as circunstâncias (ou dêem o nome que quiserem) lhe impõe, vai até as últimas conseqüências para cumprí-la a contento e não admite que os dissabores dessa missão lhe tolham o amor que nutre pelos que protege; porque ele sabe que as pessoas têm tendências fortes e inatas à ingratidão, sabe que não pode contar com nada mas do que sua determinação em terminar o serviço e buscar ajuda para se refazer dos eventuais danos internos.

  Acreditar que um criminoso pode se recuperar soa muito como ingenuidade, beirando a idiotice, mas ele tem fé (mesmo que seja ateu) na capacidade humana de se erguer da lama em que se enfiou e buscar uma vida nova; Hey, eu já vi isso acontecer, não é abobrinha de auto ajuda de banca de revista, mas o elemento precisa querer, até lá o herói não terá pena dela.

  Pautar seu cotidiano pela lisura, honradez e pela cordialidade às vezes rente a pecha de "chato" ao herói. Acontece que um bom comportamento muito evidente, acaba expondo os nossos maus comportamentos, e isso dói muito. O herói não pensa duas vezes antes de cortar a própria carne, por mais profunda e perene que a ferida se torne, e por mais que isso revolte os que lhe são próximos. Se comportou-se mal, terá que arcar com conseqüências do mau comportamento, mesmo que ele ajude o infrator a corrigir seu erro, mas que vai arcar com ele, ah, isso vai mesmo!

  O herói por excelência não ignora as virtudes de seus inimigos, tampouco as próprias falhas. Ele é ocupado demais para falar mal de alguém e colocar as pessoas umas contra as outras, pois precisa se manter e manter-se em condições de ajudar quando for necessário. É mais um ponto a ser considerado, aquele rapaz que malha duro só para depois fazer selfies em poses forçadas, para conseguir "likes" em redes sociais, muito provavelmente NÃO É E NÃO SERÁ um herói. O herói até pode ser escultural, mas não é um exibicionista, ele se torna forte para ser mais útil, ainda que seja para empurrar com mais facilidade um carro que pifou no meio da rua.

  O herói não interfere na vida pessoal dos protegidos, se não forem muito íntimos, ele só o faz quando as besteiras que o cidadão comete estiverem saindo de suas fronteiras e prestes a prejudicar terceiros; o que infelizmente virou quase que uma regra, com essa onda de "avida é minha e faço o que quiser", que muitas vezes inclui desprezar potenciais prejuízos a quem nada tem a ver com a farofa. Quando precisa corrigir a quem pode, o herói pode ser muito duro, até um pouco rude, mas jamais será grosseiro e nunca usará termos de baixo calão. Mais do que isso, sua conduta será o avalista de tudo o que disser.

  Pelo exposto, queridos, concluo: Político, jogador, artista e bandido bonzinho NÃO SÃO HERÓIS. Não desfaçam amizades e não se indisponham com ninguém por causa deles, porque geralmente são vilões disfarçados pelo carisma de sua própria propaganda.

2 comentários:

Francisco J.Pellegrino disse...

Tenho me excedido neste assunto de política e vc me abriu os olhos....abs

Nanael Soubaim disse...

Grato por ter entendido, Chico.