28/08/2014

Maria neurônio

  Não é de hoje, mas me surpreende e entristece que a figura da Maria chuteira seja tão
glamorizada pela imprensa desportiva, especialmente porque de desportivas elas não tem absolutamente nada. Já existem até manuais de como se tornar uma, porque algumas delas passaram a viver de serem Marias chuteiras, dando entrevistas e fazendo poses. Vou parecer politicamente incorrecto, sim, mas até segunda ordem, tenho o direito de opinião, e já arquei com ele uma pá de vezes. Após a segunda ordem, me mudo para os Estados Unidos e continuo escrevendo do mesmo jeito.

  Convido agora o leitor a imaginar um cenário diferente. Há uma face que a imprensa tem mostrado muito, mas o brasileiro se recusa a dar valor. Nossos acadêmicos estão ganhando prêmios aos borbotões lá fora, é claro, incluindo áreas desconfortáveis para a maioria, como astronomia e matemática; não dessa que o ensino médio mostra e depois avalia com provas de múltipla escolha, mas do tipo que tua calculadora sem sabe que existe.

  Imagine se a população, mesmo que paulatinamente, começar a tomar gosto por qualquer coisa que funcione acima do umbigo. Imagine campeões de competições científicas sendo recebidos como heróis, dando entrevistas em horários nobres, sendo disputados por programas de televisão e ganhando os tubos em comerciais feitos para seduzir seus fãs. Em pouco tempo, após a consolidação da tendência, apareceriam também as caçadoras de fama do nicho. Não, roupas curtas e justas não ficariam de fora, o corte, os tecidos, estampas e estilo das moças é que mudariam muito.

  Em primeiro lugar, por mais vaidoso que seja um cientista e por mais que ele queira para si as atenções, ele não suportaria a companhia de uma caricatura de loura burra, a moça precisaria ter um grau mínimo de conteúdo. Para esse pessoal, meus amigos, esse "mínimo" deixaria qualquer bacharéu decente encabulado. Para as cavalgaduras que se formam com notas máximas sem terem aprendido porcaria nenhuma, seria algo completamente fora da realidade.

  Algum domínio do bom português e de um segundo idioma ela precisaria ter, porque "mim dá cento e duas gramas disso" seria um pé no traseiro por justa causa. Conhecer ao menos um livro de Jostein Gaarder seria quase obrigatório, além de assaz salutar ao intelecto. Não que um erro ou outro fosse encerrar o flerte, mas as atrocidades a que estamos perigosamente acostumados são repelentes para um cientista. Não confundir gente que tem recursos e desleixa, com gente que fala o melhor que seus parcos recursos lhe permitiram aprender.

  Um bom cientista quase sempre é fã de Star Wars e Star Trek, então conhece as artimanhas de gente que se faz de bem intencionada para alçar vôos ao poder. Subornar e dar para os seguranças para poder entrar no camarim é maquiavelismo primário, assim como os seguranças de celebridades intelectuais seriam de outro naipe e advertiriam seus chefes a respeito. Elas teriam que usar mais o cérebro do que os decotes, afinal quem não mede conseqüências para viver de fama não vai hesitar em abandonar o sujeito assim que aparecer outro mais prestigiado.

  Vestidinhos que precisam ser ajeitados a cada três passos não ajudariam tanto. Por mais curta que fosse a peça, ela não poderia passar a impressão de desconforto para alguém que queima phosphato e nervos ópticos para ganhar seu pão. Marias chuteiras não se importam com isso e querem todas as câmeras para si o tempo todo. Uma Maria neurônio saberia cultivar a relação priorizando a estrela de quem recebe o brilho, inclusive ajudando o cientista a ter a tranqüilidade necessária e cuidando da divulgação de suas pesquisas; claro, colocando seu lindo nome como fonte da informação.

  Não que funk carioca fosse proibido, mas falar e se portar como se estivesse SEMPRE em um baile funk não funciona com essas pessoas. O verdadeiro funk cai no gosto da maioria dos cientistas, mas música clássica e os dinossauros do rock, especialmente para os cientistas nerds assumidos, seriam quase que decisivos para o bote dar certo. Novamente a indumentária seria outra, mesmo que curta e justa, mas nunca centrando atenções nas partes marombadas e siliconadas. Mesmo os cientistas mais jovens gostam de elegância, respeitando a anatomia e valorizando o conjunto, inclusive o cérebro.
  Certo, vamos explicar esta passagem... Para vender apenas sex appeal, basta fazer os homens babarem, o que é muito fácil e a moda predominante dá quase tudo de bandeja, fora as "bem sucedidas" que dão dicas de como dar para dar e posar pelada depois. Não, o problema não é o fim, mas os meios utilizados para obtê-lo. A Maria neurônio se esmeraria em combinar peças, cores, estampas e tecido para cada ocasião, selecionando inclusive os assuntos e o tom de voz para cada uma. Ela saberia que uma mini saia até combina com uma noite outonal, mas precisa de uma meia-calça mais espessa e opaca, que acabaria convidando às estampas e estas não são para julgamentos destreinados.

  A Maria neurônio saberia que o frescor juvenil tem prazo de validade. Ela não apostaria suas fichas o tempo todo na estética, por isso mesmo trataria de aproveitar o prestígio do astro para cavar uma carreira duradoura e sólida, para isso cativaria o público dele, que tem aversão à futilidade. Ao contrário de sua contraparte, ela não teria problemas em falar à imprensa e não causaria dores de cabeça ao abrir a boca. Neste cenário ela também seria imitada pelas meninas e veríamos menos mini adultas pelas ruas, as confecções veriam um público mais intelectualizado disposto a pagar por peças bem feitas e bem modeladas, em vez de modelos únicos para adultos em tamanho infantil.

  A Maria neurônio seria algo como Holly Golightly, mesmo não se prostituindo. Ela não daria as costas para a academia de ginástica, mas daria muito mais atenção às academias universitárias e às bibliotecas. Nas entrevistas elas diriam o quando o mundo virtual está se parecendo com o livro 1984, não falando tanto da lipo de que ninguém ficou sabendo, provavelmente nem tocando no assunto se ninguém perguntasse. Aliás, programas que fazem esse tipo de pergunta dificilmente as teriam em sua grade, elas não estimulam o onanismo.

  Outra coisa, provavelmente a Maria neurônio seria um pouco retrô. É mais simples combinar os minis microscópicos dos anos sessenta do que os não tão curtos de hoje. Aqueles, mesmo mínimos, não a obrigariam a roçar coxas e puxar a barra para baixo. Corte, tecido e modelagem evitariam esses constrangimentos.

  Mas tudo isso é virtualmente uma utopia mesmo no horizonte de longo prazo, especialmente em um país no qual as raras Marias neurônio que existem são hostilizadas por adolescentes desocupados, em redes sociais.

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