Esta é uma
carta aberta à posteridade. Exibo nela a engenharia da situação em
que o mundo está imerso, para que vocês compreendam o que está
acontecendo nesta época. Não tenho qualquer viés ideológico, me
livrei disso ainda jovem, então me reservo o direito e dever de não
citar nomes, pois a situação é generalizada e todo o planeta está
metido nisso. Este texto é resultado da observação pessoal, após
a análise das linhas de força que compõe a conjuntura política do
contemporâneo. Tudo o que quero com ele, é que vocês, seja que
época for a sua, não caiam nas armadilhas das cartilhas prontas de
grupos organizados, sejam eles de lado forem. Eles sabem seduzir melhor do que uma meretriz.
O carisma é a chave mais utilizada para abrir caminho, eles sabem como usá-lo. É uma
estratégia muito comum entre pessoas muito vaidosas, especialmente
as que têm tendências messiânicas. Estes são os piores, porque
realmente acreditam que têm o direito e o dever de tomar todo o
poder em suas mãos e liderar a massa, nem passa por suas cabeças
que um dia vão morrer e que as pessoas podem estar demasiadamente
acostumadas, e acomodadas, à sua liderança.
A
característica básica dessa gente, é o sorriso terno ao se dirigir
ao seu público. O indivíduo se vê como pai ou mãe de todas
aquelas pessoas, inclusive com os direitos inerentes, para tanto as
regras formais passam a ter valores subjetivo, só valendo se, quando e
enquanto estiverem de acordo com suas intenções. Devo frisar que
para ele, as suas intenções são sempre as mais nobres e as mais
adequadas à situação. Qualquer estudo científico em contrário é atropelado.
O contrário
também acontece, quando sua face chega a se desfigurar ao tratar de
desafetos, de situações de contrariedade, ou ainda quando se sente
traído. A livre expressão torna-se rapidamente um incômodo e seus
praticantes são facilmente enquadrados como ingratos e traidores,
não dele, mas da nação e suas mais profundas aspirações.
Com o tempo,
geralmente pouco tempo diga-se de passagem, ele deixa de se
considerar o melhor gestor do mundo, para se considerar tutor de seus
liderados. Aqui existe um perigo real, porque como tutor, sua
flexível visão de interpretação das leis passa a ter nuances
surreais, que levariam qualquer um à camisa de força. O problema é
que o indivíduo em questão tem poder suficiente para se livrar
disso.
Alguns casos
extremos fazem o então líder se considerar tutor não só do povo,
mas de absolutamente tudo o que disser respeito ao país, se for o
caso; isso pode acontecer e acontece em organizações menores, como
empresas, agremiações, clubes, et cetera. Neste nível, ele passa a
agir como se tudo lhe pertencesse, como se tudo o que existe no país
fosse apenas emprestado aos seus cidadãos, ainda que eles tenham
pagado caro pelo que conseguiram.
Problema
maior, porém, é que seus seguidores normalmente acreditam em sua
liderança, em suas intenções, suas motivações e suas
argumentações, por mais psicodélicas que estas se mostrem. Em
geral esses seguidores se dividem em extremos. Um, a maioria, é
composto pelos que se consideram e geralmente são muito ignorantes,
mas apenas no sentido acadêmico, por isso se encantam com facilidade
ao ouvirem os discursos de seu líder, quase sempre prolixo, longo,
altamente retórico, repleto de citações e variando do tom mais
piedoso ao mais exaltado. O clientelismo ganha nomes novos, sempre
com intenções de exaltar a bondade de quem finalmente olhou por
alguém que sempre foi preterido pelos outros líderes. Evocar o
preconceito de classes mais abastadas é de uso diário, para lembrar
que só o líder é amigo do povo, só ele e mais ninguém.
O outro
grupo, também numeroso, se considera altamente intelectualizado e
detentor da verdade sobre a realidade mundial. Normalmente se
considera o único grupo lúcido do mundo, e muito mais culto do que
realmente é. Tem na ponta da língua uma série de passagens e
frases de philosophos com os quais simpatizam, normalmente dando às
suas conclusões uma interpretação dogmática, pouco o nada
diferente de vertentes religiosas fundamentalistas. Assim como elas,
se apegam muitas vezes ao pé da letra a todos os termos doutrinários
de seus pensadores, rechaçando às vezes rispidamente qualquer
acusação de contradição. Só confiam nas fontes oficiais de seus
líderes, ainda que sejam governos falando de si mesmos, rejeitando
informações de qualquer outra fonte, principalmente se julgam que
tenha alguma simpatia com seus inimigos.
Ridicularizar
essas outras fontes, e principalmente quem lhes dá algum crédito, é
de praxe para esses líderes. Usam e abusam de dados oficiais para
desmentir qualquer notícia que lhes contrarie, sem poupar
expedientes desde que eles lhes dêem os resultados que desejam, à
melhor maneira do Príncipe de Maquiavel. Citam erros do passado,
para tentar desacreditar uma notícia e fazê-la parecer falsa, ou
mesmo acusar seus autores de conspiradores, mesmo que denúncias
idênticas já tenham sido feitas a governos anteriores. Dizer a
verdade para dar veracidade a uma mentira é tática recorrente.
Não
surtindo efeito a pilhéria com que alvejam seus opositores que,
repito, para eles são INIMIGOS DECLARADOS e não simples portadores de outros pontos de vista, partem para a ofensiva.
Em ambiente de redes sociais, comuns no meio de comunicação mais
popular desta época, formam verdadeiras brigadas para tumultuar
discussões alheias e dirigir ofensas e até ameaças directas, de modo que a
conversa pública seja inviabilizada. Festejar publicamente o estupro
de uma repórter do lado que considerem inimigo, ainda que se digam
defensores dos direitos da mulher, não fere seus escrúpulos.
Se lhes
parece que estou falando apenas dos militantes de esquerda, alerto
que os de direita não deixam por menos, ou ainda os que se dizem de
centro. Mesmo entre os que se identificam ideologicamente, existem
divergências graves, que só são ignoradas durante alguma ação
coletiva. O líder sabe dessa desunião, sabe e se aproveita dela, se
apresentando e vendendo como amalgama para os tijolos soltos, que se
deixam placidamente assentar aos caprichos manipulativos desse líder. Como tijolos, formam paredes de proteção ao redor desse líder.
A
manipulação da opinião pública, aliás, é um dos subterfúgios
mais comuns. A tática de estabelecer uma guerra de informações,
laudos, estatísticas, pesquisas e notícias é das mais comuns. A
população fica confusa e praticamente só os radicais, pró e
contra, ficam seguros do que lhes é dito, aceitando ou rejeitando
imediatamente, quase sempre sem contestar. Nesse tipo de regime, a
classe média é sempre inimiga, seja o regime de direita, de
esquerda ou o que for. O grupo que ascende é sempre alvo dos
ataques, mas sabendo do canal econômico e tributário que ele é, o
líder quase nunca leva à cabo o ódio que incita. É claro que
poucos de seus partidários admitem que odeiam, evocam um dos muitos
discursos retóricos para dar outros nomes ao que fazem, mas uma
análise psicoilógica mais consistente detecta facilmente o rancor.
Mantendo o
grupo global em constante desentendimento, e até em animosidade
mútua, o líder se sente à vontade para usufruir como bem entende
do erário. Aqui temos o caso extremo desse tipo de líder, porque
neste momento os riscos de ele se considerar O ESTADO são grandes, e
geralmente se concretizam. Quem falar mal dele passa a ser visto como
detrator da nação, pelos seus partidários, apontar suas falhas
passa a ser considerado uma ofensa ao próprio povo, que então se
torna um escudo humano ideológico para ele. A nação se torna o seu
corpo e todos os que estão nela as suas células. Embora o caráter
não esteja em pauta, normalmente ninguém com a índole e a psique em boas
condições se rende a tamanhos caprichos. Embora o caráter não
possa ser justificado para isso, o líder enlouquece, passa a
acreditar piamente no que prega e se considera o salvador de sua
nação.
A situação
interna quase sempre se agrava e deteriora, para o quê as posições
precisam ser consolidadas, a lealdade ao líder sempre reiterada, o
inimigo eleito sempre mais atacado e novos inimigos sempre
cultivados. A censura é a arma mais poderosa dele, ainda que receba
outros nomes, mesmo que a prática seja idêntica a de ditaduras que
porventura tenha combatido, se é que realmente combateu. A guerra de
informações, a luta de palavra contra palavra, a negação veemente
de contactações feitas in loco, ainda mais em países de grandes
dimensões, a instauração de uma guerra fria civil, entre outros
artifícios, mantém o líder no poder por mais tempo. A intenção
quase sempre é de perpetuação e herança, como em uma monarquia,
mas sempre negando qualquer similaridade com a realeza, sempre usando
de discursos prolixos e retóricos para isso. A militância é sempre
chamada para tanto, muitas vezes ofendendo a inteligência e a
integridade de caráter e moral de quem discordar das suas
argumentações.
Os
investimentos em propagandas passam a ser vultuosos, muitas vezes
elas são inseridas em comunicados oficiais, para não parecerem tão
evidentes, mas estão lá. Pintar prédios públicos com cores ou
citações do líder, é uma das opções preferidas. Qualquer
manifestação em contrário é imediatamente rechaçada pelos
simpatizantes, que sempre têm, novamente, uma militância disposta a
tudo para não permitir que mazelas de governos anteriores voltem a
contecer, mesmo que já estejam acontecendo com outros nomes e sob
outros discursos.
Em caso de
protestos em contrário, a força sempre será usada. Não raro,
infiltrações de simpatizantes como tática de contra-insurgência
são providenciadas. Como forma de deslegitimar e difamar uma
manifestação, ainda que tenha começado de forma pacífica, e justificar o uso da força policial de repressão. Sim,
decerto que a vida de um manifestante vale mais do que um carro, mas
eles usam isso para justificar praticamente qualquer acto de
violência e, sempre, em qualquer circunstância, a pele do
simpatizante do líder vale mais do que a do opositor. E a ala
radical da oposição sempre oferece combustível para a argumentação
pró líder, sem perceberem ambos os manifestantes, que entraram no
xadrez da situação como reles peões, cujas vidas não valem
absolutamente nada, após terem cumprido com seus propósitos.
A imprensa,
novamente, é sempre um alvo preferencial, tanto dos discursos quanto
da violência física. A censura indeclarada em seus modos mais
violentos é aplicada sem escrúpulos, e as vítimas são
invariavelmente colocadas no papel de vilões mal intencionados. Aqui
os simpatizantes do líder repetem discursos que até então
abominavam, e atacam com fervor qualquer um que aponte sua
contradição. Fazer de palanque os túmulos passa a ser aceitável,
mesmo que a prática tenha sido condenada em governos anteriores.
Paralelo a
isso, os problemas cotidianos da vida coletiva são deixados soltos,
para que se agravem de modo tal, que o cidadão não tenha mais como
participar de ações opositoras, pois está ocupado demais tentando
voltar vivo para casa, ou sobreviver à peregrinação por socorro,
como em uma busca por leitos públicos de hospitais, por exemplo.
Uma mãe dificilmente deixará de socorrer o filho enfermo para se
meter em uma multidão que a qualquer momento pode ser alvo, tanto de
manifestantes infiltrados quanto da tropa de choque; ambos a serviço
da mesma pessoa, mesmo que não saibam... E se souberem, negam até a
morte.
Uma situação
desse tipo não dura para sempre, mas causa estragos gigantescos e infelizmente deixa sementes que
brotam e crescem rapidamente, às custas de sugar e sufocar outras
plantas, na primeira condição favorável que surgir. Nossa
invigilância e nosso orgulho, como a certeza de que sabemos o que é melhor e o que é pior para os outros, nossas convicções arraigadas, sempre fornecem essa condição.
Nenhum comentário:
Postar um comentário