09/01/2014

A democrática discriminação

Ok, gente, aqui nós podemos ser nós mesmos, ninguém está vendo.

  A discriminação não privilegia. Ela facilita, mas não dá privilégio nenhum. A idéia simplista de que só quem se enquadra nos tipos secularmente discriminados, sofre alguma discriminação, é um isqueiro aceso sob qualquer tratado de psicologia. Ah. não, não me venham com essas caras! Eu já cansei de ler e ouvir que "branco não sofre racismo", "religiosos não são perseguidos", "vintagistas não são discriminados", "gente refinada não é destratada", de gente que faz justamente tudo o que nega; só tomando o cuidado de dar outro nome ao que fez, geralmente acompanhado de algum discurso prolixo.

  Tudo pode ser e é motivo para segregação. Uma observação atenta em uma escolinha, durante o recreio, demonstra o que eu digo. Uma observação atenta em um colégio, durante o intervalo, demonstra o que eu digo. Uma observação atenta em uma faculdade, durante os intervalos, demonstra bem o quanto a mentalidade demora a alcançar a maturidade biológica, e nem sempre alcança. Experimente, por exemplo, comer polidamente em uma cantina repleta de jovens relaxados. Não demora muito a te olharem torto, te taxarem de esnobe ou elitista, te vincularem a teorias conspiratórias e a fofoca correr solta pelo estabelecimento. Se fores jovem então, a coisa piora, porque uns te rotulam de fresco e outros de reaça, coisa que muitos jovens bem educados já reportaram a mim. Já não basta mostrar ao mundo o que se está comendo, querem mostrar o que estão mastigando.

  Embora a pele escura custe caro ao seu portador, e muito idiota teime em alardear que não existe racismo no Brasil, que o próprio governo oficializou, há pessoas que radicalizam e querem dar o troco, mesmo sabendo que aquele indivíduo em questão não teve nada a ver com a farofa de séculos atrás. Sim, caros leitores, existe sim o revanchismo de extremistas, que querem descontar nos descendentes o que os retardados do passado fizeram; e temos muitos exemplos de retardados ainda piores que dão combustível, alimentando hoje a discriminação dos biotipos. Nem precisa ser a Nicole Kidman, ter alguns tons a menos de canela na pele já basta. As bases são as mesmas da discriminação aos negros, só que com discursos empáticos.


  Pensam que estou exagerando? Vocês então nunca viram uma pessoa ser humilhada por usar gravata borboleta em público. As pessoas são muito cruéis com quem tenta ser um milímetro diferente do grupo predominante, especialmente se esse milímetro for na direção de seus desafetos.

  Se alguém aí acredita que a falta de tecido é o único motivo visual para uma mulher ser destratada, experimente usar um maiô Jantzen ou Catalina. se os biquínis dos anos oitenta podem lhe custar a pecha de "piranha", as peças cinqüentistas te transformam em aleijada ou mal amada. Aliás, rapazes, experimentem tentar usar os velhos calções de praia em local público, vocês entenderão a mais cruél acepção do bullying. O bando de sunguinha com rego à vista vai esquecer de suas próprias misérias e te transformar em uma. O bando com bermudões com estampas de abajur de quenga também. Um te acusará de pertencer ao outro e ambos te hostilizarão, se tentares ser gentil. Mais ou menos como a briga de direita e esquerda brasileiras, que se acusam mutuamente de nazismo e empurram com agressividade, para o lado oposto, quem não se enquadrar em suas ideopatias. Para ambos os lados, tu se tornas uma ameaça a tudo em que acreditam.

  Sim, leitori, a segregação é como a morte, sorrateira e não faz distinção. Só que ela, ao contrário desta, depende da vontade humana para agir. A vontade humana, caros amigos, é muito, mas muito má!

  Aliás, não sei se vocês já notaram, mas reclamar de som automotivo alto pode te render processo por racismo, se o dono do carro for de uma "minoria historicamente perseguida". Mas experimente tocar "Boemy Rapsody" em alto som. É música de imperialista branco, não interessa de Freddy Mercury foi perseguido por ser homossexual, naquele momento serás taxado de racista ou burguês imperialista, ou ambos, e tratado como tal. Não, eu não estou puxando pela imaginação, isso acontece há muito tempo e muita gente me reporta reclamações afins. O que foi? Quem gosta de "música de branco" não tem direito a reclamar? Por quê? Um amigo carioca já reclamou de ter sido chamado de racista e tratado como tal, por gostar de Lynyrd Skynyrd. Mas vá ver se os acusadores apreciam James Brown ou mesmo Emílio Santiago, vá!

  Quem participa de redes sociais, vai reconhecer o que direi agora, salvo é claro, se for um dos boçais descritos.

  Em uma conversa aberta sobre carros antigos, é comum aparecer um idiota simplesmente xingando os apreciadores, louvando a destruição massiva dos muscle cars nos anos oitenta e ainda reclamando, se for repreendido. Vejam bem, ele entrou em uma conversa à qual não foi chamado, no meio de apreciadores, e começou a destratar o tópico e seus participantes para depois reclamar da repercussão. Isso quando não chama a turma para bagunçar tudo de vez. O mesmo vale para qualquer assunto, falar de feminilidade é interpretado como opressão à mulher, sensibilidade masculina como nos tempos do cavalheirismo é tratada como viadagem, ou mesmo apologia ao machismo misógino; sim, porque há vários tipos de machismo, para alguns, quem não bate em mulher não é homem. O direito à opinião fica restrito aos que concordam E disseminam, não um ou outro, mas ambos, quem pensar ou agir diferente é um pária. Isso serve para todo e qualquer assunto, citei o antigomobilismo porque é a minha área.

  Lembram daquela artista estúpida que reclamou de seu porteiro poder, hoje, se sentar na mesma fileira de avião que ela? Pois sim, não basta haver os tapados "coitadizadores" infernizando as relações pessoais, tem que haver alguém estúpido o bastante para dar razão com seus maus exemplos. E por falar em maus exemplos, já experimentaram usar cinto de segurança no carro de quem se recusa a usar? Quando não está deliberadamente enfiado debaixo dos bancos, está sujo e às vezes travado por falta de uso. Tente usar, e deixas de ser amigo do sujeito, ele vai atazanar com "Quê que é? Não confia em mim não? Eu não vou bater o carro, porra!" até o fim da viagem. No dia seguinte ele vai agir como se tivesse sido ofendido, e começar a te ofender, de preferência com a turma do botequim, para intimidar. Isso já me aconteceu. Seguir as leis de trânsito também pode te custar exclusões.


  Não beber há muito deixou de ser uma opção de vida, para se tornar um risco de isolamento. Salvo para servir de chauffeur aos ébrios, o abstinente corre o risco contínuo de ser menosprezado na maioria dos grupos, se eles souberem que é. De início acham simplesmente que não aprendeu a beber, ou que não conheceu uma cerveja agradável, mas a paciência acaba quando descobrem que simplesmente se recusa a ingerir álcool. Quem não bebe com eles, não é amigo deles. Aliás, são os mesmos tipos que assediam mulheres simplesmente porque acham que têm obrigação de assediar e até atacar, e elas de acatar ao assédio, e ai do homem que não fizer o mesmo. Não preciso dizer o que pode acontecer, preciso?

  Antigamente era até socialmente aceito discriminar quem só tinha uma bicicleta como meio de transporte, era sinal de pobreza e falta de perspectiva. Conceito tão falso quanto frágil. Hoje, com bicicletas custando tanto quanto um carro simples, os ciclistas xiitas é que passaram a denegrir quem anda de carro, não raro apontando o dedo para um motorista como se ele fosse a causa das mazelas do mundo. Mas carregar a mãe doente na garupa, eles não explicam como fazer. Não importam as tuas necessidades, andar de carro é considerado crime e ponto final, aquele Chevette 82 deve ser destruído e seu dono comprar uma bicicleta na marra. Quem tem carro é mau e deve ser combatido, exceto o motorista do caminhão que trouxe a bicicleta de R$ 36.000,00, cujos pneus custam mais de R$1.000,00 cada um.

  Ter ou apreciar um caro eléctrico é ser taxado de veado, esquerdopata, destruidor de empregos e morador do mundo da lua. Ter ou apreciar um legítimo muscle car americano, é ser taxado de machista, direitopata, destruidor da natureza e alienado das causas sociais. Em ambos os casos o cidadão sofre as conseqüências de sua escolha. Se ele gostar de ambos, então, um lado o discrimina acusando de ser defensor do outro.

  Política, futebol e religião dispensam comentários, vocês todos sabem o quanto esses três itens são usados para justificar o ódio a quem não for do grupo. Eu digo "ódio" me referindo à acepção da palavra, não é uma metáfora. E eles, os perseguidores, a qualquer menção de reação se declaram perseguidos e discriminados. O mal que praticarem é sempre justificado, mas experimente olhar torto para eles! O mundo estupidificado desde início de século agora permite que qualquer um possa ser discriminado e segregado, por qualquer motivo, qualquer um mesmo, se não houver um eles inventam na hora.

  Discriminar deixou de ser uma coisa idiota, para se tornar uma tática tolerada de defesa preventiva. Não importam os danos, importa que se discrimine antes de ser discriminado, mesmo que recorrendo à agressão física.

  Voltando a citar a Doutora Rosane Alencar, de história antiga: O perseguido tende a se tornar um perseguidor mais cruel do que seus antigos algozes. A humanidade, em vez de tomar tino e contrariar, confirmou novamente a máxima.

2 comentários:

Anônimo disse...

Por não beber, fui silenciosamente excluído das rodas de amizade em BH.

Nanael Soubaim disse...

Ninguém está a salvo, caríssimo. Ninguém.