20/10/2011

Ah, a urna electrônica!

Enquanto a moda não pega...

 - Um avanço e tanto, não é mesmo?

 - E como! Lembra das eleições suspeitíssimas nos Estados Unidos? Eu conversei com uns parentes que moram lá, e eles disseram que muita gente não tinha certeza de em quem tinha votado.

 - E tem gente que reclama do Brasil! Esse negócio de contar cédulas de papel padronizadas já é complicado, imagina com cada Estado tendo seu próprio padrão!

 - É, dificulta até nossas maracutaias!

 - E viva a urna electrônica! Eu lembro do meu pai sendo convocado para ser mesário, o coitado só voltou pra casa dois dias depois.

 - Sacanagem! E ainda chamam isso de voluntariado! Nem dá pra receber comissão por indicar gente nossa!

 - É ruim pra todo mundo. Meu pai sempre conta das aberrações que encontrava nas urnas.
 - Ah, eu lembro. Na minha primeira legislatura, que graças a Deus ganhei logo na primeira eleição, teve gente que colocou cartas de ameaça de morte na urna, em vez do voto. Só que nunca encontramos os responsáveis. Ainda bem que conseguimos censurar o caso, iria causar um pânico dos diabos!

 - Eu já peguei a electrônica, me livrei disso.

 - Acenda uma vela por isso. Teve vezes em que os bichos do zoológico recebiam mais votos do que os candidatos. Várias vezes o povo elegia antas e macacos, com larga margem. Uma vez eu fui o vereador mais votado, com direito a assumir é claro. Acontece que um chimpanzé chamado Tião recebeu mais votos do que eu, e no dia seguinte apareceu uma charge me retratando como macaco!

 - Que absurdo! O colega fez o que?

 - No começo eu pensei em mandar os milicos darem cabo do sujeito, mas ia ficar na cara demais e o apelido ia pegar. Em vez de Sebastião Barnabé, teria que aceitar ser chamado de Tião Chimpanzé pelo resto da vida, porque dá para calar um cartunista, mas calar um povo inteiro é tarefa pra bomba atômica... Por isso a gente censurava o que não interessava. Bom, passei óleo de peroba na cara e apareci rindo da charge, elogiando a criatividade do artista brasileiro... Mas claro que não deixei barato, deixei passar um ano e consegui colocar o safado no olho da rua, por debaixo do pano. O pior é que nem dava pra acusar o cara de racismo, não sou negro!

 - A urna é um fio de civilidade neste país bárbaro.

 - Nem tenha dúvida. Você pega a memória da urna, insere no computador e tem o resultado na hora! Só dá pra votar em quem estiver no arquivo, e só dá pra optar em votar no candidato, em branco ou anular o voto. E o melhor, a letra é de imprensa. Você não imagina os garranchos que eu já vi... Misericórdia! A apuração da sessão inteira era paralizada por causa de um filho d'égua que fugiu do Mobral! Teve um que passou dois dias em análise, até um juiz eleitoral com bom senso anular o voto, porque ninguém conseguia ler o que tava escrito. Seis candidatos a deputado estadual estavam disputando aquele voto.

 - E eles?

 - Chiaram, mas não tinha como decifrar aquilo! Era um rabisco. Até hoje eu lembro, parecia esse desenho aí na sua camiseta... É japonês?

 - É, significa "Sabedoria".

 - QUÊ??? Puta que pariu!!! Esse era o meu bordão, naquelas eleições! O voto era pra mim!

 - Que blosta! Pelo menos não fez diferença, fez?

 - Não, não fez, mas era meu! Tá vendo? Até nisso a urna electrônica é um avanço incontestável! O meu voto vem pra mim, não tem como extraviar! O cidadão tem certeza de em quem votou e que seu voto será computado para quem ele escolheu. Não entendo como um país como os Estados Unidos não adoptaram isso ainda.

 - Eles já não são os mesmos...

 - Nem tanto, meu jovem, nem tanto. O que nós vemos é muito mais sensacionalismo da imprensa do que o nível real da crise. Nenhum país no mundo tem cacife pra peitar eles, até hoje. Acha que os credores deles estão por cima? Por que acha que quem estava cantando de galo resolveu piar baixo? Se eles decidirem dar o calote, todo mundo sai perdendo, e quem mais emprestou é que mais perde.

 - Em suma, todo mundo ainda está nas mãos deles.

 - Todo mundo. Sei porque eu sou um dos credores, eu tenho activos deles, pra justificar uns ganhos, sabe... E saí comprando de todo mundo que se desesperou quando estava em baixa. Claro que o povão não precisa saber disso.

 - Claro que não... Mas, me fala, vai concorrer de novo, não vai?

 - Claro! O pasto lá em Brasília está cada vez melhor. Só me preocupa um traidorzinho (este aqui) do Distrito, mas ele ainda é uma excessão e não vai causr problemas sérios tão cedo. Vamos aproveitar enquanto gente como ele não se dissemina... Aliás, falando em traidor, lembrei dos aliados mais fiéis. Desculpe o atraso, quero agradecer de coração pelo apoio e lealdade no último pleito.

 - A, que é isso. Nossos interesses não podiam ser comprometidos por uma vaidade minha.
 - Você vai longe... Então vou te fazer uma proposta, vem ser meu suplente. Falamos juntos no mesmo palanque, unimos nossos eleitorados para garantir uma vitória arrasadora, e você ganha experiência no Congresso Nacional pra quando for concorrer. E podemos ainda usar essa conversa, de ter descoberto que aquele voto era meu... Podemos até reutilizar o lema da "sabedoria" na campanha.

 - Eu como seu suplente no Congresso Nacional? Que honra! É claro que eu aceito!

 - Você, que é da minha mais alta confiança, trabalha comigo, ganha experiência e na hora de sair candidato, usa essa experiência a seu favor, na campanha. Eu trabalho por você, você trabalha por mim e ficamos numa boa.

  - E o povo não vai ter escolha, vai ter que votar em um de nós, sem choro.

Acertam tudo, enquanto chegam à Assembléia Legislativa no carro oficial, após terem viajado a lazer.

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