20/08/2010

Filtro da verdade: Carta do candidato

Caro eleitor, cara eleitriz, venho por meio inteiro desta pedir o seu voto.
Você me conhece, claro. Eu já te acompanhei até a Vigilância Sanitária, onde ameacei funcionários de último escalão e ajudei a liberar aqueles medicamentos aprendidos por falta de registro, aquelas receitas cheias de rasuras, aquele alvará sanitário que esperava por um responsável técnico. Afinal, quem eles pensam que são? O eleitor e a eleitriz não estão obrigando ninguém a comprar, compra quem quer. E essa conversa de responsável técnico, não se preocupem que também já livrei suas caras, com o dinheiro economizado vocês podem comprar mais para terem desconto e venderem mais barato. Porque não é veneno, é remédio, e remédio faz bem. Podem vender à vontade sem essa frescura de receita especial. Se eleito, garanto que colocarei esses vagabundos para prenderem bandido, não o trabalho de gente do povo, do meu eleitorado. Cuidarei para que todas as resoluções da Anvisa que incomodam os meus eleitores, as minhas eleitrizes, sejam anuladas imediatamente, para que vocês possam ganhar a vida honestamente sem medo de serem multados ou mesmo presos, enquanto eu garanto o meu por debaixo do pano.

Mas para continuar a zelar pelos seus interesses particulares, caro eleitor, cara eleitriz, preciso do seu voto, seu, da sua família e dos seus amigos. Assim poderei continuar a dar empregos comissionados para gente analphabeta, que disfarçará sua incompetência inventando burocracia inútil, facilitando a vida do meu eleitorado, que não quer ser importunado por fiscais que não nos deixam trabalhar em paz. Afinal, não é por ser lei que tem que ser feito, a gente sempre dá um jeito. E se continuarem a nos incomodar, envio um projecto de lei extinguindo as autarquias que incomodam o meu eleitorado, assegurando a votação com o prestígio, as mãos lavadas e os rabos presos com os quais sempre contei, graças aos nobres colegas que eleitores e eleitrizes como vocês mantém no poder.

Multa? Quem multa? A gente quebra. Macho que é macho não espera sinalzinho ficar verdinho, que verde é coisinha de viadinho ecologista. Eu quebrei várias vezes e volto a quebrar, pode se divertir à vontade, com o meu adesivo no seu carro ninguém vai te parar nem anotar a sua placa. Leve a família para passear na carroceria da caminhonete, respirando o vento, sem cintinho de fresco pra incomodar e amassar a roupa. Alguém já mandou uma passadeira à sua casa, para desamarrotar o que o cinto amassou? Não né! Se querem viver em um país de gente civilizada educadinha que vão morar no exterior, que o Brasil é da gente. Porque nós somos iguais, caro eleitor, cara eleitriz. Vocês votam em mim e eu faço o que vocês fariam no meu lugar. Me elejam deputado federal e eu cuido pra deixar tudo como está, mas agora em nível nacional e não só em nossa cidade.

Viajarei, caro eleitor, cara eleitriz, para todas as partes do mundo às custas do erário público, aparecendo em revistas de fofoca, aproveitando os bondes das missões diplomáticas. Representarei o nosso país no exterior, mostrando quem realmente somos, nossa real educação, levando músicos populares e proibidões para divulgar a verdadeira cultura do meu eleitorado, que raciocina com os intestinos em vez do cérebro. Aparecerei ao lado de líderes internacionais para que você, eleitor e eleitriz, possam esfregar as photographias nas caras dos despeitados e repetir "É o meu deputado". Afinal, nós somos iguais, vocês não gostariam de me ver desperdiçando uma bocada, certo? Aproveitarei todas, com o seu voto, com a sua confiança, assegurando que a tradição de nosso povo seja preservada.

Darei festas e mais festas com as verbas de gabinete, que afinal será dinheiro meu e poderei fazer o que eu quiser com ele. Festas em postos de combustível, incomodando a vizinhança e fazendo algazarra, com seguranças armados para que você possa se divertir sem que fiscais cortem o seu barato. Afinal eles trabalham cedo porque são trouxas, gente esperta como a gente enrola e faz o que dá, eles que se virem para trabalhar, arranjar outro emprego e nos sustentar depois.

Então, caro eleitor, cara eleitriz, fique feliz de estar na pindaíba em que você mesmo se meteu, votando em bandidos de colarinho branco como eu. Porque quando aparece alguém honesto, querendo fazer algo sério, você não quer fazer a sua parte, como eu não faço a minha, sempre esperando que o governo resolva tudo com pó de pir-lim-pim-pim. Mas o pó que rola, seu filho sabe e usa, é outro. Querem honestidade? Vão morar na Alemanha, mas duvido que vocês se adaptem à cultura arraigada do amor pelo trabalho árduo e honesto que eles têm, afinal vocês não o meu eleitorado.

Caro eleitor, cara eleitriz, não faça fricote, eu sou o candidato que o Brasil merece. Se arranjem comigo e dêem graças à Deus. Porque nós, caro eleitor, cara eleitriz, somos exactamente iguais, ou vocês nunca me deveriam favores e nunca votariam em mim.

2 comentários:

Lilly Rose disse...

......"Esta é uma obra de ficção, qualquer semelhança com fatos reais terá sido mera coincidência."

Ahhh Amigo !!!!Que alegria estar de volta !!! Amei o texto !!!E no momento oportuno como sempre !!

Adorei vir cá novamente ler teus escritos, sempre tão bem elaborados !!

Nanael, que saudades !!! Pensei que iria ficar de "molho" por mais tempo !!!
Uma Abençoada Semana p/ Ti !!!
C/ todo o Carinho,
Lilly Rose :)

Nanael Soubaim disse...

Bom te ler já bem disposta. Mantenha os pensamentos naquele moço cabeludo.