25/08/2010

Antes que a maçã murche

Uma fruta tem seu ciclo útil para o consumo. Ninguém espera que um broto de maçã alimente alguém além dos parasitas da macieira, mas uma vez eliminados aqueles, o broto é o parasita da árvore. Mas é um parasita necessário e desejável. Ele não oferece nada pelo que consome porque não tem condições de oferecer, ainda não está pronto.
Ainda como broto, a maçã começa a se diferenciar de um saquinho de células vegetais e começa a se parecer nebulosamente com a fruta. Começa a chamar atenção, imagina-se a torta se se fará com ela, mas ainda é cedo demais, não se pode comer um broto só porque é parecido com a fruta adulta, vai se desperdiçar uma potencial fonte de nutrientes e sementes, além de entupir o intestino.

Cada ciclo tem sua utilidade. Apressar o crescimento é comer um broto amargo com aparência de fruta. Enquanto for broto a maçã só deve receber nutrientes e proteção da macieira, não há muito mais o que fazer a respeito além de esperar.

Com o tempo o formato da fruta estará quase completo, embora ainda muito verde e apto a produzir cola, os planos de uma torta ficam mais claros e o apetite aumenta. Uma boa maçã, suculenta e de bom tamanho, é suficiente sozinha para cobrir uma torta pequena, para duas ou três pessoas. Adicionando canela então, pode-se convidar mais um.

Ainda verde, a fruta já tem um tamanho razoável e até poderia ser comida, mas a ansiedade estragaria o que ela tem de melhor a oferecer, como o suco mais doce, a polpa mais tenra, o rendimento maior e a torta mais saborosa. Para quem souber esperar, a recompensa vem farta.

Um fruticultor experiente e atento sabe o momento exacto de se colher a maçã. Ela estará com seu vermelho mais vivo, brilho mais intenso e o talo já estará secando, mostrando que já pode sair da árvore que a gerou e alimentou. Já será hora.

Neste momento, então, a fruta pode alimentar uma pessoa por um dia inteiro; ou quatro se for feita a torta. Dá mais trabalho? Sim, dá muito mais trabalho, mas na natureza o trabalho é proporcional à recompensa. Uma boa farinha, um fio de mel, uma pitadinha de sal, água, esforço físico, tudo vertido em uma forma untada, para então se colocar em cima as fatias finas e sem sementes da maçã, logo polvilhada com canela em pó. A maçã em seu auge emprestará sabor e umidade à torta, auxiliada pelo forno quente e uniforme, que fará o vapor sair da massa e a frutose tomar seu lugar. O resultado será um alimento satisfatório para quatro pessoas civilizadas, porque para um ogro só a indigestão basta.

Se esperar muito, a maçã perderá aos poucos, e cada vez mais rápido, o seu viço. Sempre será tempo de colhê-la, sempre se poderá tirar proveito dela, antes que murche ou apodreça. O problema de se esperar demais é que o proveito decai junto com a fruta. Proveito tardio nunca é como na época certa, também verdade que proveito precoce demais faz arrepender. Para quem sabe dar valor, ver uma maçã apodrecendo na árvore é de um dó sem descrição, capaz de doer o peito mesmo de quem não cometeu o erro de segurar a fruta no pé. E para quê se segurou a maçã no pé? O tempo não espera por nossas necessidades. Se a queriam preservar para mais tarde, usassem de refrigeração, fizessem uma maçã-do-amor, um doce, uma torta bem embalada, o que fosse. Do que a maçã poderia ter dado em sua maturidade, não poderá dar nem sombra depois de murcha. Mesmo a sombra precisa de consistência para contrapor à luz. Dependendo do tempo desperdiçado, nem as sementes servem mais, porque elas também apodrecem. Nem antes da hora, nem tarde demais.

Assim como o ciclo da maçã o da vida também cobra pelo desperdício. Segurar uma criança pretextando preservá-la das agruras do mundo só vai torná-la incapaz de suportá-las na vida adulta. A vida sabe pelo que cada um deve passar, algumas decepções e frustrações são necessárias para o amadurecimento salutar e no tempo certo. Não se deve impor uma vida artificialmente feliz para a criança, porque um dia o mundo vai cobrar pelas lições não aprendidas e os tutores não estarão por perto para socorrer o adulto incapaz.

Da mesma forma, segurar uma criança, evitar que ela desfrute de sua juventude a pretexto de "educá-la" é impor uma carga extrema de frustração, que vai resultar em um adulto amargo, frustrado e de mal com a vida, que dificilmente conseguirá tolerar a diversão alheia e não verá utilidade na convivência fora do trabalho. Porta aberta para o fanatismo.

Só a vida de cada um sabe o que cada um suporta e pelo que deve passar. Podar demais as asas de um jovem é tão ruim quanto não podar de jeito nenhum. Em ambos os casos o adulto não saberá voar fora das condições climáticas que já não existirão, um por falta de penas e o outro por excesso de penas velhas. Pior é o caso em que as asas são feridas pela poda excessiva, como cortar todas as folhas e matar o galho da macieira.

Sempre haverão larvas, insetos, taturanas de toda sorte, pássaros e doenças. Não se preserva a fruta das doenças senão fortalecendo a árvore. E não se pode preservar todas as frutas de tudo. A maioria terá algum defeito e não deixará de ser nutritiva por isso. Em momentos raros e extraordinários a natureza consegue oferecer uma maçã perfeita, que por isto mesmo deverá ser aproveitada com o máximo de cuidado e delonga, de preferência por mais comensais.

Não pensem que a frustração de não ter usufruído por imposição é menor do que pela negligência. Não é. É diferente, mas a proliferação de saudades pelo que poderia ter sido é a mesma, a tristeza das memórias fictícias pelo que se quis ter vivido dó tanto quanto, a depressão gerada pode matar o adulto em vida do mesmo jeito.

Sempre é tempo de tentar, quando se pode, viver o que se deseja. Mas assim como a maçã, não dá mais para ter a alegria construtiva que alicerça o caráter para a dureza da vida adulta, o que se consegue é atenuar, paliar a situação. A vida em branco (ou cinza) não faz distinção entre o que desperdiçou seu tempo e o que teve seu tempo roubado, a cobrança é feita sem dó e os juros são de envergonhar qualquer banqueiro picareta.

Conseguir um diploma tardio pode atenuar a frustração, até consolar a maioria, mas uma carreira promissora censurada por rigores deficientes ou excessivos sempre martelará a cabeça.

Um casamento tardio pode acalentar o coração do adulto, mas não pode ser comparado às possibilidades, alegrias e aprendizados que uma união longeva proporciona; ver sua descendência ainda é o sonho de muita gente e sua privação pode ser venenosa.

Ter seu canto quando as rugas já tomam o rosto até alivia, já que a idade avançada exige cuidados e tranqüilidades, mas não ter podido fazer amigos e estreitar laços com uma vizinhança na juventude dó para quem passou por isto.

Nem tudo é questão de vontade. A idade muda os interesses e as necessidades, muitas vezes legando o papel de expectador àquele que não conseguiu ser jovem quando deveria ter sido. Ver os outros com seus amigos, ver os outros com seus amores, ver os outros com suas histórias (e estórias) de viagem, suas conquistas e seus tombos; sempre ver, sentir vontade. A vida adulta não permite a margem de erros que a juventude oferece, assim o aprendizado se torna muito mais penoso, caro e nem sempre completo. Ter que viver sem margem de tolerância estressa.

Ser jovem é uma necessidade. Viver de acordo com o que cada idade oferece é uma necessidade prioritária. Tolher a juventude do outro deveria ser considerado crime hediondo. Não adianta oferecer a juventude dos seus sonhos em troca, cada um tem a sua e ela é intransferível. Deixar cair e se machucar para ir acudir quando a criança chamar é o que deve ser feito, nem segurá-la para não cair, sem empurrar para apressar a queda. Cada um cai na sua hora de cair, como a maçã não se desprende da árvore antes da hora exacta.

O bom senso deve nortear sempre a vida de uma pessoa, mesmo a dos jovens, mas não viver não é, em lugar nenhum, em nenhum idioma de época nenhuma, sinônimo de bom senso.

Uma boa torta precisa de uma boa maçã. Nenhuma maçã é realmente boa se não for colhida na época certa. Nenhum adulto é saudável se não tiver vivido cada idade na época certa. Poder ser jovem quando se deve ser jovem mereceria um parágrafo exclusivo na constituição.

3 comentários:

Adriane Schroeder disse...

Muito bom! A analogia foi perfeita!

Lilly Rose disse...

Boa Noite Querido Amigo Nanael !!

Sim, há o tempo de plantar e o de colher...

Tudo na Natureza segue um relógio e tempo Divinos.

Tentar interferir neste movimento é literalmente perda de tempo e inútil.

Não se pode saborear uma boa torta de maçãs ou amoras, sem a melhor fruta para a receita.

Assim como não podemos ter orgulho e admiração por nossos pequenos, se não lhes permitimos caminhar com suas próprias pernas.

Amigo, hoje não é facil ser Pai e Mãe.
A inversão de valores é grande. Façamos nós Pais, a nossa parte orientando estes miúdos.

Mas não nos deixemos iludir; jamais poderemos abraçar-lhes a própria dor ou retirá-la de seus corações.

Muita vezes os erros ensinam mais que os acertos ...

Abraço Carinhoso Amigo Querido e Abençoado FDS p/ Ti !!

C/Carinho e Aromas de Rosas...

Lilly Rose

Nanael Soubaim disse...

O negócio é bem mais grave do que parece, minhas queridas. Um pouco dos meus dramas de vida está neste texto, o escrevi com autoridade.