10/05/2009

Revistas


Dá para imaginar uma revista que circula desde 1728? Pois existe. Claro que não é no Brasil, onde o cidadão comum comenta, preocupadamente, sobre a gravidez do homem que foi ao programa do Leptospirose. Num país onde o destino de um inútil (chamado de herói na televisão por conseguir ficar trancafiado em um cenário cheio de amenidades e permissividades) é mais importante do que o desperdício de dinheiro público, onde um quarto da população não tinha conhecimento da crise financeira mundial, é um feito impensável.

Há revistas quase tão longevas quanto, certamente há as mais longevas que, mas minha parca cultura não me permite citar senão as mais conhecidas... Não, vocês não vão encontrá-las na banca mais próxima, mas dá para fazer assinaturas internacionais.

Uma boa revista não é imparcial, de modo algum. Imparcialidade é cousa para pesquisas científicas e teses de graduação. Uma boa revista não é tendenciosa, como as nossas se tornaram. Há uma diferença entre influenciar e manipular a opinião, uma boa revista influencia.

Uma boa revista traz para o mundo leigo aquilo que acontece no mundo especializado, nesse processo o jornalista precisa explicar e contar a história, no que a imparcialidade vai para as cucuias. Explicar porque um caminhão com um motor de 650cv não alcança um carro de 125cv é um exemplo, por mais que o repórter emita suas opiniões, o bom leitor terá a informação que interessa e lhe pode até garantir o sustento no futuro; concordar que é melhor dirigir um carro com um motor bom de giro (opinião da maioria dos repórteres) é outra história. Eu discordo em parte.

Mas para se ter boas revistas (como já tivemos um dia) é necessário ter um público para elas (como já tivemos um dia) e gente disposta a bancar a idéia. Faço parte de um público já muito pequeno, insuficiente para despertar a sanha dos patrocinadores, estes gostam de vender porcaria de baixo custo para gente que se impressiona com nomes pomposos, ou compram sem critério pensando na actriz canastrona e photoshopada que fez o anúncio.

Deixei de comprar algumas revistas que passaram a apelar para o popularesco ou escancararam ser (mais) tendenciosas e manipulativas (do que já eram). Ser um só não me dá peso de opinião para mudar o quadro, mas evito passar raiva sem necessidade. Além do quê, tenho péssimas experiências com assinaturas... Mas talvez precise fazer algumas.

Revistas fúteis, torpes e manipulativas existem em todos os cantos do mundo, mas em países subdesenvolvidos elas proliferam com uma voracidade imensa. O que um povo lê denuncia o grau de desenvolvimento de sua sociedade. O nosso raramente lê, e quando lê é quase sempre asneira. Não sabe desvencilhar uma torcida de uma agressão ao torcedor do time contrário, bem como os comentaristas não abrem mão do baixo calão verbal. Não que uma sociedade de bons leitores seja necessáriamente rica, mas sempre será próspera e justa como a nossa nem imagina poder ser, saberá separar o público do privado e respeitar a ambos.

Nós temos algumas boas revistas, mas são poucas e a grande maioria não as conhece. Dos que as conhecem, a maioria não entende e/ou não gosta. Já tivemos outras muito boas, mas ficaram na saudade, como a Cruzeiro.

Em um país onde abrir (e manter) escolas e bibliotecas é uma prioridade, boas revistas são longevas e numerosas. Aos que abrirem o link, não pensem que sou americanóide, sou profundamente patriota, às vezes chego a ser um pouco lobatesco, o que tenho é pés no chão e capacidade para reconhecer nossas faltas e nossas virtudes. Aquele país tem muito a nos ensinar (e a aprender conosco, óbvio) inclusive na área editorial. Saturday Evening Post, Ladies Home Journal e Esquire são três dos exemplos mais contundentes que encontrei. A primeira, a propósito, é a tal revista que circula desde 1728, fundada por ninguém menos que Benjamin Franklin, daí vocês vejam o naipe da publicação. Vocês têm idéia do que é circular por duzentos e oitenta e um anos? Imaginem então que a maioria de nós estará viva para vê-la assoprar trezentas velinhas, mas com um corpinho de duzentas.

Houve uma decadência cultural, principalmente nos últimos vinte anos, mas isso se deu no mundo inteiro, sem exceção. Veremos aquela nação ressurgir na liderança mundial, estejam certos, e eles contam com uma imprensa periódica capaz de alicerçar isto. Nós, infelizmente, nem imprensa de verdade temos. Temos arremedos que babam por celebridades burras e tratam traficantes como estrelas de tevê, ou pontos isolados que cordializam seus intestinos para sobreviverem, e ainda pedem desculpas ao público quando precisam aumentar o preço da revista. Por cá são raridades. Fora que as distribuidoras funcionam como um cabaré de cego, mandando para as bancas as revistas que vendem pouco, deixando órfãos quem compra as boas. Faz seis meses que a Classic Show não aparece na banca do Valteir, deixo aqui meu protesto.

Já pensei em lançar uma revista mensal de variedades, sério. Eu tenho experiência no ramo, mas essa mesma experiência me mostrou a canoa furada em que eu entraria se o fizesse, já que não sei nem aceito fazer porcaria. Publicidade para publicações boas, no Brasil, precisam ter garantias de vendas do periódico e alguma segurança de retorno. Quase ninguém quer arriscar fazer artigos de primeira qualidade, para um público exigente e bem informado, se pode vender lixo bem apresentado para um público inculto e completamente alienado, que nem pensará em reclamar se o "Master-Mixer-For-All-Very-Well" não corresponder a metade do que foi anunciado. Preferirá achar que foi alguém que estragou, ou que ele é chique demais e não sabe mexer naquilo.

Um dia o cenário vai mudar, mas com essa gente jogando contra, a mudança vai demorar muito, principalmente com um povo de não-leitores que acha mesmo que todos os israelenses são alérgicos a palestinos, e vice-versa.

2 comentários:

Newdelia disse...

Lembro e como da Cruzeiro. Tenho até algumas aqui em casa. Bem, sou virginiana e portanto, conservadora. Nem sei bem o que é isso, mas dou valor no que é bom. Sou fiel àquilo que gosto.
Enfim, hoje temos CARAS (e bundas) que é só prá ver fotos, né? Mais fácil. Nem precisa ter intelécto.
Beijos.

Nanael Soubaim disse...

Verdade, os neurônios têm muito tempo para brigarem entre si.