04/04/2009

Motivação? E o bolso?


Não é conversa de sindicalista partidarista. Já participei de um monte de palestras motivacionais, cursos motivacionais e já recebi um monte de mensagens motivacionais. Agora estou desmotivado até a aceitar outro convite.

Já ouvi histórias e estórias de palestrantes, a do faxineiro da Nasa, a da formiguinha, do ratinho que salvou o leão, do garotinho que ia descalço para a escola e hoje é milionário, de Bill Gates, de Henry Ford, Fred Astaire, da tonga da mironga do cabuletê.

O que esqueceram de dizer: o faxineiro da Nasa ganha mais que muitos professores universitários no Brasil, a formiga é um robozinho biológico sem livre arbítrio, o ratinho ganhou a proteção de um rei, o garotinho virou magnata, Gates virou magnata, Ford virou magnata, Astaire virou magnata e amigo de Grace Kelly. Ou seja, eles tiveram resultados práticos para o que planejaram. Houve recompensa pelos seus esforços, exceto a formiga, que é um robozinho.

O que pensar então de empresas que exploram seus funcionários até a medula, que não dão a mínima para seu aperfeiçoamento profissional, que trapaceiam (quando dão) nas horas extras e vetam completamente as chances de eles crescerem lá dentro? Fazer a secretária usar shortinho até estimula a freqüência, mas só a masculina e não garante produtividade.

Funcionário que não sabe se vai ter dinheiro para comprar o medicamento de tarja preta para a esposa, não se concentra direito no emprego, se concentra em conseguir o dinheiro de que precisa. Nem sempre pesando os meios.

Quem não tem perspectiva alguma de melhorar seu padrão de vida, ainda que a longo prazo, fica insensível a qualquer que curso motivacional. Até aproveita o oba-oba que os palestrantes costumam fazer, mas tudo se dissipa assim que a euforia passa e o curso termina.

Quando volta para seu posto de trabalho e vê que tudo está exactamente igual, ou até pior, esquece imediatamente o que aprendeu. Por que só ele tem que se esforçar? E a empresa faz o quê? Circo de terno e gravata? Uma festa todo fim de ano sairia mais barato e daria muito mais resultados.

Com o passar dos anos e dos "cursos", o funcionário vai decorando cada fala, cada gesto, cada estorinha. Quando aparece algo de novo, geralmente é só roupagem nova. O mais importante ele não vê: resultados. E não vê simplesmente porque não tem, porque a empresa pede todo aquele dinamismo para o qual não oferece as mínimas condições.

Vamos ver a situação dos funcionários públicos: após três anos ganham estabilidade, na prática não podem ser demitidos por incompetência; não ganham horas extras, não importa quanta diferença para melhor isso faça ao órgão de lotação; não podem ser promovidos, salvo situações extraordinárias que eu jamais presenciei; faltam até três dias por mês sem precisar justificar; convivem com comissionados que grudam chiclete embaixo da mesa o dia todo e ganham o dobro do salário; quando querem trabalhar, são emperrados pela burocracia e até mesmo por sindicatos que visam unicamente cargos eletivos. Qual, então, a motivação? Só os de má índole ficam satisfeitos com essa situação, é o ambiente perfeito para se corromper um funcionário, se é que não é este o objectivo de quem elabora esses estatutos.

Palestras de aprimoramento são uma boa idéia, quando acompanhadas da contrapartida. Ensinar o porteiro a controlar a respiração, demanda um espaço e uns minutos para a prática diária. Quando se fala de um magnata que nasceu no aterro sanitário, imediatamente o ouvinte imagina o Rolls Royce dele, não o berço feito com caixa de papelão; ele foca onde quer chegar e espera (já que foi convidado) alcançar. Mas sai da palestra e vai mofar meia hora no ponto de ônibus, mais uma hora dentro do ônibus e uma caminhada do pondo de descida até o barraco onde mora. Alguém lá falou em auxílio (mesmo que meramente de consultoria) para conseguir morar mais próximo do emprego? Poucos falam. Eu mesmo não conheço um.

Um aceno de possibilidade de ascenção, pelo menos. Ninguém trabalha direito sem perspectivas. É pedir que se plante no cimento, sabemos que as sementes vão até brotar, mas não vão sobreviver.

Dar chances claras e iguais para ascenção interna, funciona muito melhor do que qualquer palestra com um careteiro pulando lá na frente. O funcionário vê a perspectiva, ela é tangível. Mas nada substitui a certeza de poder usar as férias para descansar, não para arranjar um biscate e complementar o orçamento do ano.

Já trabalhei em tantos lugares que nem me lembro mais, mas em um ponto todos se parecem (com uma única excessão) até o actual; pedem motivação, mas não oferecem motivos. Para a maioria, que vive com a corda no pescoço, motivação é dinheiro no bolso.

3 comentários:

Newdelia disse...

Até os animais precisam de recompensa. Sem grana, nada feito.

Obrigada pela visita. Os textos como sempre excelentes.
Desejo a você e a toda sua família uma Feliz Páscoa com amor, paz e muitas bençãos.
Beijos.

Nanael Soubaim disse...

Também de pão vive o homem, de preferência com um recheio para acompanhar. Quem faz caridade, faz de coração, mas quem labuta precisa receber por isso.

Adriane Schroeder disse...

Palestras motivacionais sempre me enchem a paciência. Só quem ganha dinheiro com isso é próprio palestrante. Que, no caso do funcionalismo público, ainda é algum apadrinhado do secretário da educação, ou amiguinho do diretor da escola. Eu mesma tive a infelicidade de assitir um cara que deu exatamente a mesma palestra, no mesmo lugar e para as mesmas pessoas acho que umas 3 ou 4 vezes consecutivas. Eu sabia as falas de cor...