21/02/2009

Disciplina disciplinada

Foi embora de onde não o queriam mais, a virtude é para ser admirada e não praticada em plena luz do dia. Ele praticava.
Sem bom e honesto não é para ser mostrado em público, eles não gostam.

Preferem as sombras frescas do cinismo, esperando que um messias em seu cavalo branco resolva todos os problemas no fim do mundo.

Protegem os maus que lhes sugam e abandonam quando satisfeitos, embora expressem horror com os noticiários que se recusam a deixar de ver.

Foi para o sítio, experimentar a clausura que bem funcionou por seis meses e pouco. Mas logo vem um fazer visitas, depois outro a pedir conselhos. Mas só ficando o tempo de resolverem seus problemas, depois indo embora.

As noites em que a televisão fica calada duram pouco, às vinte e uma está na cama, para acordar com o raiar do sol e preparar seu dia. Respira ar fresco e orvalhado.

Vai à cidade quando precisa, uma vez ou duas por mês. Mas a cidade vai três ou quatro vezes por semana ao sítio. Está de bom tamanho. Os amigos vêm, desabafam e vão embora antes de implicar por bobagens.

O sítio bem cuidado prospera. A vida frugal ajuda no progresso. Aproveita agora, não sabe se um dia se casa e crianças precisam de mais do que frugalidades. Mas as amigas que tem, com alguma chance de se interessar por ele, não são afeitas à vida campestre.

De todos os detalhes ele se esqueceu do mais básico. Ninguém é perfeito. O sítio é avizinhado da cidade, o que facilita sua vida e a dos visitantes, mas também a fagocitose urbana. A cidade cresce e logo envolve novamente sua vida, os amigos se mudam para perto e tudo do que queria fugir volta, embora muito menos intenso.

Casas e condomínios quadruplicam o valor do sítio, bem como os impostos que paga por ele. Os burburinhos dos motores já são constantes e de edifícios os curiosos bisbilhotam sua vida com binóculos. Ainda assim o sítio é um oásis de temperatura amena em meio aos extremos climáticos do asfalto. De ar fresco em meio à asfixia petrolífera.

Vender? Se fosse por dinheiro já o teria feito. Quer a paz que trabalhou para conseguir e não abre mão dela.

Quer ser saudável sem ter que ser politicamente patético. Quer ser gentil sem que lhe dêem um panfleto de uma boate gay. Quer ser honesto consigo mesmo sem que o acusem de ser chato e de querer tolher a diversão alheia. Poderia ter ficado no meio urbano se o aceitassem assim.

Em alguns pontos, porém, acha que os amigos têm alguma razão. Tamanho rigor, tanta disciplina e o isolamento o tornaram muito rígido. Com as regras muito claramente expostas, permite que façam reuniões e festinhas no sítio. Também reconhece que o respeitam, até certo ponto, por não espalharem pela internet e jornais que há um hetero de quarenta e cinco anos que nunca sequer beijou. Não está disposto a ser atração de circo em programas de baixo calão, nem que artistas vulgares disputem quem será a primeira a desvirginá-lo, ganhando assim a notoriedade e contractos com revistas pornôs.

Mas a solução para afastar uma mulher leviana é uma mulher honesta, de preferência brava. Ente uma festinha e outra de amigos (não aceita alugar para eventos) ela aparece. Totalmente diferente, arredia à vida campestre, expansiva, perua assumida, festeira, regateira e adora comer besteiras. Mas longe de serem opostos, o que falta em um há no outro, e o sítio já está dentro da cidade. Lojas, shopping center, condomínios, escolas, concessionárias, repartições públicas, linhas de ônibus e tudo mais o cerca. É o melhor dos dois mundos.

Entre um dente voando e tufos de cabelos tingidos nas mãos, ela defende o seu homem das aproveitadoras. Ele, por sua vez, usa de cavalheirismo marcial para afastar dos ex-namorados a idéia de reconquistá-la. Ela o convence a comprar um Ecosport, mas ele não vende sua Variant amarela. O Eco é para ela.

No sítio se dá o casamento, enquanto os outros festejam o casal dispensa preservativos e pílulas anticoncepcionais. Ela o convence a permitir alguns eventos no sítio, mas ele condiciona à seleção dos usuários. Só com a indicação de amigos se consegue o espaço, após a devida triagem, que aquilo é casa de família.

Ela mudou completamente seus planos, a tevê já fica ligada até tarde, (ou até cedo) o rock rola directo pelo computador, não dá para ignorar o barulho que uma criança produz e os aromas da mesa de refeições são mais mundanos. Mas não voltaria um milímetro se lhe fosse permitido.

2 comentários:

Anônimo disse...

há, e eu que tenho pensado em criar cogumelos (daqueles comestíveis por inúmeras vezes consecutivas) e viver no sítio da minha família!

se bem que não sei viver exatamente longe da cidade (leia-se sampa)... mesmo estando numa cidade relativamente grande do interior (leia-se piracicaba), sinto falta de casa!

hugs

Nanael Soubaim disse...

Muta, o senhor por aqui? E ainda errando o próprio apelido? Bem-vindo.