19/07/2008

A mulher que amarei



Não quero uma mulher melancia. É cousa que, quando boa, se come a polpa e depois lança-se ao lixo, ou à compostagem que é o correcto. Além de ser mais incômodo do que mala, para carregar.


Não quero uma mulher mamão. Já tenho um intestino muito bom, só me serviria para ter diarréia, se estivesse madura, ou fazer compotas, caso estivesse verde. Mas estando verde, seria pedofilia; não, obrigado.


Não quero uma mulher filé. Não como carne vermelha. Ainda que comesse, só dura se congelada lá nos cafundós do freezer, o que a tornaria inútil, se fosse aproveitar teria que preparar e consumir rapidamente. Sendo bovina, há sempre o risco de conter hormônios em excesso, o que me exporia descenessáriamente ao risco de um câncer escorpiano.


Também não quero galináceas, piscianóides, plastificadas ou qualquer outra bobagem mercadológica feita para erigir falos. Para forçar à compra de porcarias que demandam pouco investimento e vendem rápido. Ideal para lavagem de dinheiro ou outra mutreta qualquer.


Quero uma mulher que vá ao banheiro ao menos uma vez por dia, soltar os barros. Talvez até que tenha um pouco de TPM, de vez em quando. Depois pode chorar sem motivos. Para quê? Será tão bom sentir seu corpo se apoiando em mim!


Uma mulher que não esconda que precisa de maquiagem, quando aquela espinha ainda nova aparece. Ser despojada não é sinônimo de ser desleixada.


Uma mulher que fique de mau humor, em vez de planejar um adultério, mas também que mande os pudores aos raios que os partam quando estiver com o fogo aceso. Que saiba ser respeitosa até de shortinho e bustiê.


Uma mulher que seja uma rainha na lida com as visitas, mas não se furte o direito de expôr a lavadeira quando alguém tentar dizer como devemos educar nossos filhos, que a decoração está fora de moda, que não se usa mais aquele modelo de calças... Sempre há um parente chato querendo ser mandado à casa do chapéu.


Uma mulher que tenha sabido aproveitar o frescor da adolescência, bem como saiba transformar em marco cada marca que a maturidade lhe der. Mulheres de verdade sabem que envelhecem, mas se cuidam em vez de tentar aparentar quinze anos, depois da menopausa.


Quero uma mulher de verdade, que seja bela como é, da base ao ápce. Que não coloque um quilograma de silicone em cada seio para chamar atenção, ou esconder a falta de conteúdo. A boca trai os vasos encerados.


Quero uma mulher que saiba sorrir sem constrangimentos, chorar sem vergonhas, andar leve como quem anda com os pés no chão. Que troque sozinha a lâmpada da sala, mas não se envergonhe em me chamar para matar uma barata.


Quero uma mulher que seja maravilhosamente comum no formato do rosto, linda em sua simplicidade cotidiana, não preciso que outros a achem linda também. Se tiver uma beleza acima da média, que esta se reflita nos olhos, pois eles não mentem. Que seja bela por completo, não por partes.


Não precisaria usar vestidos rodados, sei que são pouco práticos. Tampouco precisaria ter mil e quinhentas receitas de bolos e biscoitos de memória, eu cozinho bem.


Não precisa tocar piano, cantar ou ter algum talento hipertrofiado, não busco uma artista para agenciar. Mas se souber, serei o primeiro a fundar um fã clube.


Quero uma mulher honesta, de carne e osso, que chore por bobagens e solte arroto. Que diga que "hoje não, estou com dor de cabeça". Que aceite me acompanhar na caminhada longa e íngreme que todo homem honesto enfrenta. Que me dê colo quando eu cair exaurido, também que não esite em pedir o meu.


Uma mulher de verdade não é como garrafa de refrigerante, cujo conteúdo se encomenda a um químico qualquer e o casco se rotula nos dissabores da moda. Uma mulher de verdade não admite isso. Tem respeito por si mesma.


Uma mulher de verdade comete gafes, aprende com elas, come biscoitos de chocolate às escondidas e diz que na segunda-feira começa com a dieta.


Uma mulher de verdade suporta com coragem a enfermidade mais grave, mas se dá o direito de gritar estridente quando o esmalte descasca.


Uma mulher de verdade, quando o homem não presta, é a bruxa que se escondia sob a pele da elegante madrasta má. Mas quando ele merece, sabe ser a própria Grace Kelly. É tão encantadora e sofisticada quanto discreta e singela.


Uma mulher de verdade não se vende, mas se derrete quando o sujeito toma homência, pede para terem uma conversa e mostra as alianças que comprou com sacrifício.


Uma mulher de verdade pode ser a mais brava das amazonas, mas se transmuta na mais doce donzela quando ouve, sem motivos aparentes e sem aviso prévio, "Eu te amo".


Quero uma mulher de verdade, à quem possa perguntar sem medo: "Quer se casar comigo?".


Quero uma mulher de verdade, que não esconda a paixão de adolescente pelo Ronnie Von, pelos Menudos, que já tenha sonhado em ser a Patrícia Pilar para beijar o Tonny Ramos.


Poderia dizer que não quero uma mulher perfeita, mas estaria mentindo. A mulher que descrevi é perfeita. Aliás, mais-que-perfeita. O que quero com frutas rebolantes? Aquela que me arrastar para o altar fará comigo tudo o que os idiotas, com o devido respeito aos verdadeiros portadores de idiotismo, sonham fazer com os bifes sacolejantes que infestam programas de auditório.


Aquela que aceitar me tolerar e dividir comigo uma cama, salvo quando me mandar dormir no sofá, não precisará contrair lordose para chamar minha atenção, o lento desabotoar de uma blusa fará isso muito melhor e sem estragar a coluna. Ignorarei minhas constantes e violentas cefaléias para consolar esta mulher, quando a unha quebrar.


Ainda que não a mereça, esta mulher sabe dar valor ao homem que tem. E quando toma as rédeas da casa, o progresso é certo.


Um dia, quem sabe, talvez eu publique aqui um texto inspirado no meu casamento. Mas só depois que encontrar esta mulher. Toda mulher que se dê ao respeito é perfeita. Fruta eu compro na feira.

10 comentários:

Miguel Andrade disse...

Eu não quero de jeito nenhum, literalmente! :)

Nanael Soubaim disse...

Não quer o quê, fiote? Casamento ou mulher-xepa-de-feira? Bem-vindo.

Anônimo disse...

Nanael, Nanael...
Não fosse a distância internética, eu ia me candidatar ao posto... :o)

Marilia disse...

Perfeito :)

Bel disse...

Uau!!!
Que texto, que visão...
Parabéns à mulher que tem esse homem do lado!

Kristal disse...

Sou uma mulher tutti-frutti, melão, maçã, morango, melancia, uva...
Não, você nunca iria me querer.

Nanael Soubaim disse...

Kristal, minha filha, tua inteligência te coloca acima dessa gente. Não abandono, entretanto, uma boa amiga pelo que ela faz na cama.
Agradeço, patota, pela receptividade, assim que o flickr parar de berrar de fome, publicarei mais um.

Anônimo disse...

Amei o texto. A mulher que queres não é a perfeita, mas bem fácil de achar, pois é a mulher real. Provavelmente deves esbarrar com elas em seu dia-a-dia e nem perceber o quanto são como a que queres.

Lorena disse...

Adorei! É sempre bom perceber que existem pessoas que sabem que essa super-valorização da embalagem não quer dizer muita coisa... Seu texto ficou perfeito, e eu gostaria que todos os homens e mulheres pensassem assim também. Mas esses existem e, eu acho, são a maioria. Ainda bem. =)

A foto da Amélie no início também me chamou bastante atenção! Agora, mulheres como ela é que são difíceis de encontrar, Amélie é única! =)

beijos.

Anônimo disse...

amelie poulain é unica mesmo.

mas o texto é mto bom.
gostei bastante.